A desfazer-se no ar
“Tudo
o que é sólido desfaz-se no ar”, avisava Karl Marx. Naturalmente que a asserção
também se tornou válida para o marxismo. Mas, por agora, pensemos no sistema
partidário português, naquilo que tem de mais sólido. Também neste caso, o
risco de se desfazer no ar não deve ser menosprezado. Bem pelo contrário.
Os
dois partidos que alternaram no poder durante os 38 anos de democracia, PS e
PSD, têm ancoragens ideológicas e bases eleitorais de apoio bem distintas, mas
partilham um conjunto de semelhanças. A primeira das quais é terem sido construídos
de cima para baixo, sem movimento, respondendo a uma necessidade funcional da
democracia; depois, o poder, quer no governo, quer nas autarquias locais, foi
um instrumento privilegiado para criar uma base militante e para a reprodução
do poder interno. Não menos importante, a sua legitimidade junto dos
portugueses assentou, no essencial, em dois factores, em importante medida
também partilhados: a melhoria das condições materiais com a democracia e a
pertença de Portugal à União Europeia.
No
fundo, a falta de enraizamento social dos partidos do bloco central foi
compensada por dois tipos de legitimação. Uma que se prendeu com a construção
de um Estado social, com acesso universal à saúde e à educação (o que permitiu
trajetórias de mobilidade social ascendente) e com um conjunto de benefícios
sociais que tornaram a sociedade portuguesa menos pobre. Já a segunda fonte de
legitimidade do PS e do PSD remete para o empenho que colocaram no projeto europeu
e para os benefícios objectivos que o país teve com a pertença à União
Europeia.
Chegados
aqui, não é difícil perceber que podemos estar perante um sério problema. Os
partidos portugueses tornaram-se sólidos muito por força do Estado social e da
integração europeia. Ora se as fontes de legitimidade são postas em causa,
arrastadas pelo empobrecimento e pela desorientação política europeia, o mais
natural é que os partidos se possam também desfazer no ar.
Neste
contexto, como se não bastasse o facto de os pilares em que assentaram os
partidos que governaram em Portugal estarem a abalar, a sensação com que se
fica é que, para além da incapacidade de se repensarem programaticamente, se
encontram manietados por uma oligarquia interna. Podemos bem estar perante uma
tempestade perfeita que afecta PS e PSD: sem agenda política, a perderem
legitimidade e presos por aparelhos partidários autossuficientes.
Ainda
no Manifesto, Marx, a outro propósito, é verdade, chamava a atenção que “todas
as relações enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e
intuições, são dissolvidas”, para depois alertar que os homens serão “por fim
obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações
recíprocas”. O alerta parece feito à medida dos partidos portugueses: ou encaram
de outra forma a sua posição ou correm o sério risco de se tonarem
irrelevantes, desfazendo-se no ar.