E acabou a dançar sozinho
Um pacote de austeridade como o que Portugal tem de aplicar não é compatível com um Governo minoritário. A robustez política é uma condição sine qua non para medidas de austeridade. Entre nós, não estão reunidas condições políticas para aplicar uma receita que será penalizadora da economia e que terá efeitos duradouros. É por isso que, sem maiorias absolutas e sem coligações parlamentares, a única solução que restava era dançar este triste tango a dois.
Sócrates e Passos Coelho perceberam isso aquando do PEC II. Mas logo suspenderam a dança, entretendo-se num jogo tático de passa-culpas. Passos tem capital de queixa - a ausência de explicações cabais sobre a execução orçamental em 2010, à imagem do que já havia acontecido no final de 2009 -, mas, apesar disso, torna-se difícil compreender o novelo tático em que se enredou, feito de uma alternância de declarações definitivas com recuos. Ou talvez não.
Passos Coelho anda há vários anos a preparar-se para ser líder do PSD. Olhando para o seu passado, podemos intuir que o objetivo foi traçado há muito tempo. Entretanto, desenvolveu todas as qualidades de um político profissional, mas traz consigo todos os defeitos de uma vida construída nas juventudes partidárias. Os últimos meses têm servido para revelar essas características.
O exercício do poder numa juventude partidária obedece a regras particulares e tem um elemento distintivo: depende apenas de variáveis internas às organizações, ao mesmo tempo que a tática é tudo. A realidade que existe fora do circuito fechado das secções, concelhias e distritais é irrelevante. Em lugar de estratégias políticas, o que predomina é uma disputa tática, feita de cenários, alinhamentos e realinhamentos, zangas e pazes, tudo ao telemóvel. É uma experiência formativa, que dá treino específico para ganhar poder interno, mas que se pode revelar desastrosa para afirmar externamente as lideranças. Ganhar um partido não é exatamente a mesma coisa que ganhar um país.
Desde logo porque numa juventude partidária, quando a tática empurra as lideranças para um beco sem saída, há formas conhecidas para superar o problema: um discurso inflamado, que vira uma comissão política e serve para afirmar o carisma do líder; uma aliança improvável com um inimigo figadal da véspera ou uma alteração estatutária feita ad hoc. Ou seja, um conjunto de saídas que não estão disponíveis para alguém que procura ser primeiro-ministro. Ainda assim, esta semana, uma das saídas ensaiadas por Passos Coelho passou por uma emenda constitucional que permitiria realizar eleições em janeiro. Numa juventude partidária, a proposta seria levada a sério; no mundo dos adultos, quem faz tal proposta não pode ser levado a sério. O líder do PSD tem agido como se ainda fosse líder da JSD e hoje corre o risco de não ser levado a sério.
Ângelo Correia disse esta semana que a estratégia de Passos Coelho era "infelizmente, uma inutilidade". É verdade, e ajuda a tornar o cenário ainda mais negro. Temos um Governo com défice de credibilidade e um líder da oposição que já delapidou o capital político que chegou a ter, exclusivamente por sua responsabilidade. Hoje, Sócrates já perdeu e Passos ficou a dançar sozinho. Quando precisávamos de lideranças, é-nos oferecido um dirigente estudantil.
Texto publicado na edição do Expresso de 23 de outubro de 2010.
Sócrates e Passos Coelho perceberam isso aquando do PEC II. Mas logo suspenderam a dança, entretendo-se num jogo tático de passa-culpas. Passos tem capital de queixa - a ausência de explicações cabais sobre a execução orçamental em 2010, à imagem do que já havia acontecido no final de 2009 -, mas, apesar disso, torna-se difícil compreender o novelo tático em que se enredou, feito de uma alternância de declarações definitivas com recuos. Ou talvez não.
Passos Coelho anda há vários anos a preparar-se para ser líder do PSD. Olhando para o seu passado, podemos intuir que o objetivo foi traçado há muito tempo. Entretanto, desenvolveu todas as qualidades de um político profissional, mas traz consigo todos os defeitos de uma vida construída nas juventudes partidárias. Os últimos meses têm servido para revelar essas características.
O exercício do poder numa juventude partidária obedece a regras particulares e tem um elemento distintivo: depende apenas de variáveis internas às organizações, ao mesmo tempo que a tática é tudo. A realidade que existe fora do circuito fechado das secções, concelhias e distritais é irrelevante. Em lugar de estratégias políticas, o que predomina é uma disputa tática, feita de cenários, alinhamentos e realinhamentos, zangas e pazes, tudo ao telemóvel. É uma experiência formativa, que dá treino específico para ganhar poder interno, mas que se pode revelar desastrosa para afirmar externamente as lideranças. Ganhar um partido não é exatamente a mesma coisa que ganhar um país.
Desde logo porque numa juventude partidária, quando a tática empurra as lideranças para um beco sem saída, há formas conhecidas para superar o problema: um discurso inflamado, que vira uma comissão política e serve para afirmar o carisma do líder; uma aliança improvável com um inimigo figadal da véspera ou uma alteração estatutária feita ad hoc. Ou seja, um conjunto de saídas que não estão disponíveis para alguém que procura ser primeiro-ministro. Ainda assim, esta semana, uma das saídas ensaiadas por Passos Coelho passou por uma emenda constitucional que permitiria realizar eleições em janeiro. Numa juventude partidária, a proposta seria levada a sério; no mundo dos adultos, quem faz tal proposta não pode ser levado a sério. O líder do PSD tem agido como se ainda fosse líder da JSD e hoje corre o risco de não ser levado a sério.
Ângelo Correia disse esta semana que a estratégia de Passos Coelho era "infelizmente, uma inutilidade". É verdade, e ajuda a tornar o cenário ainda mais negro. Temos um Governo com défice de credibilidade e um líder da oposição que já delapidou o capital político que chegou a ter, exclusivamente por sua responsabilidade. Hoje, Sócrates já perdeu e Passos ficou a dançar sozinho. Quando precisávamos de lideranças, é-nos oferecido um dirigente estudantil.
Texto publicado na edição do Expresso de 23 de outubro de 2010.