domingo, outubro 10, 2010

Uma longa marcha fúnebre

Foi esta semana a enterrar o PEC II, que por sua vez já havia enterrado o PEC I, que sucedeu ao défice de 2009, que foi crescendo, crescendo, sem que o ministro das Finanças tenha conseguido explicar como e porquê. Esta longa marcha fúnebre revela, antes de mais, um sério problema de credibilidade da política orçamental portuguesa. Depois de nos ter sido dito repetidamente que as medidas do PEC II eram "necessárias e suficientes", há um défice claro de explicação sobre o que aconteceu para que tenham deixado de ser. Com o que se passou em 2009 e agora em 2010, o Governo delapidou o capital que acumulou com o processo de consolidação orçamental levado a cabo até 2008. Hoje, o que está em causa não é apenas a discussão sobre a bondade intrínseca das medidas apresentadas na quarta-feira, é também perceber exatamente se o que falhou foi a capacidade de previsão, de execução, ou as duas. Nisto, os últimos dois anos têm servido para expor um problema geral de transparência e de partilha da informação orçamental que constitui, de facto, um grande obstáculo a um debate público informado. Há demasiado desconhecimento sobre o que se passa realmente com as contas públicas portuguesas.

Além da necessidade de transparência, esta sucessão de PEC em Portugal e em toda a Europa empurra-nos coletivamente para uma espiral recessiva, em que vamos somando austeridade à austeridade, sem que se vislumbre uma saída económica para o beco sem saída em que a zona euro se está a colocar. As medidas agora apresentadas são aquelas que os mercados esperam, logo necessárias. Mas podemos também ir antecipando a reação dos mercados perante um cenário de recessão económica que é inevitável. Será esta a prova do absurdo para o qual caminhamos: se hoje o nosso rating é cortado por força dos nossos desequilíbrios orçamentais, amanhã sê-lo-á por causa do comportamento do produto. Não há, contudo, uma crise especificamente portuguesa e limitamo-nos a participar numa longa marcha fúnebre das economias europeias. Acontece que, e ao contrário do que o Governo português disse, não seremos os que melhor irão resistir à crise. Pelo contrário, é da natureza das crises produzirem choques assimétricos, afetando mais os que, à partida, se encontram em situação mais débil. Portugal será, pois, mais afetado pela crise do que a maior parte dos países da zona euro, basta pensar no que será o comportamento do nosso mercado de trabalho nos próximos anos.

Finalmente um pecado original de natureza política que contribui, de forma decisiva, para a coreografia do fim a que assistimos: os últimos doze meses têm-se encarregado de provar a irresponsabilidade de termos o único governo de maioria relativa da zona euro, sem qualquer tipo de acordo parlamentar estável ou coligação ministerial. O Governo, os partidos, o Presidente e os parceiros sociais, ainda que em doses diferentes, são corresponsáveis por nos encontrarmos numa situação que é politicamente excêntrica e que dificultou os ajustamentos necessários. Há também nisto um lado fúnebre: como se não bastasse a crise económica e social e os desequilíbrios financeiros, temos hoje um país que se sente politicamente abandonado.

Texto publicado na edição do Expresso de 2 de outubro de 2010.