Uma relação insustentável
Já no final da semana passada, Sócrates e Cavaco deram mais um contributo para consolidar a irracionalidade política em que vivemos.
O primeiro-ministro, que há cinco anos é acusado de não querer ouvir, confidencia que se sente sozinho a puxar pelo país no exacto momento em que as sondagens revelam um PS em perda acentuada. Um misto de choque com a realidade e de reconhecimento de derrota política. O Presidente da República afirma num dia que a nossa situação é insustentável e que já o devíamos ter descoberto mais cedo, para no dia seguinte vir fazer juras de fidelidade à cooperação estratégica, remetendo depois a busca da verdade para o seu ‘site'.
Agora que o país mais necessitava de condições políticas que dessem respaldo institucional aos ajustamentos dolorosos que terão de ser feitos é quando essas condições estão menos presentes: não há maioria absoluta nem uma coligação política estável, ao mesmo tempo que a cooperação estratégica se tornou uma miragem do passado. O que é verdadeiramente insustentável é a situação política em que nos encontramos: um governo de maioria relativa e uma relação ferida de morte entre Presidente e primeiro-ministro.
O mais dramático é que Sócrates tem razão quando diz que o dever de um primeiro-ministro é puxar pelas energias positivas do país e Cavaco tem razão quando diz que a situação das nossas contas públicas é insustentável. Mas uma coisa são as proclamações retóricas, outra, bem diferente, é o contributo que de facto a relação Belém/São Bento dá para enfrentar os problemas do país. E se não precisamos de uma gestão excessivamente optimista das expectativas, também não serve de nada um pessimismo militante.
Não está de facto no ‘site' de Belém, mas, no essencial, a cooperação estratégica entre Presidência e Executivo pressupunha uma convergência, quer quanto aos objectivos políticos para o país, quer quanto aos meios para os alcançar. E é aí que se joga de facto a sustentabilidade das políticas públicas.
Ora, o essencial da nossa despesa pública é muito rígido e concentra-se em áreas onde é complexo fazer reformas: salários, prestações sociais, despesas com saúde e educação. E nessas áreas não precisamos de proclamações retóricas, mas sim de disciplina concreta. A este propósito, convém não esquecer que o esforço de Correia de Campos para conter o crescimento da despesa na saúde não encontrou cooperação em Belém (aliás, bem pelo contrário) e o de Maria de Lurdes Rodrigues para diferenciar o crescimento salarial dos professores foi entretanto suspenso, com um silêncio complacente do Presidente. O que só prova que há uma grande diferença entre falar de sustentabilidade e cooperar para a sustentabilidade.
publicado hoje no DE.