Um apoio bipolar
A divisão do PS na escolha do candidato presidencial não é a excepção, é a regra.
Foi assim quando Soares, então secretário-geral, reservou uma posição pessoal, não apoiando Eanes; depois, o espaço político socialista dividiu-se no apoio a três candidatos (Soares, Zenha e Pintasilgo); mais tarde, em 1995, Sampaio avançou sozinho, criando desconforto à direcção do PS (que apostava em Fernando Gomes) e a Soares (que chegou a tentar uma candidatura de Rui Alarcão); as últimas eleições estão ainda bem presentes: Soares e Alegre disputaram o mesmo espaço, numa reedição da competição fratricida Soares/Zenha.
Há, contudo, duas diferenças relevantes por relação à situação actual: por um lado, o candidato da área socialista saiu quase sempre vitorioso e, por outro, mesmo promovendo dissensão interna, as vitórias não colocaram em causa o poder interno do partido. Desta feita não será assim. As probabilidades de Alegre vencer, contra um presidente em exercício (que convém recordar, em Portugal, é sempre reeleito), são reduzidas e, qualquer que seja o resultado, a lógica de afirmação política que foi dominante no PS nos últimos cinco anos sofrerá um revés, eventualmente definitivo.
Sócrates apoiou Alegre a contragosto, mas não tinha alternativa, porque não a construiu. Entretanto, todos os nomes que se perfilam como eventuais sucessores (de António Costa a António José Seguro, passando por Assis e Carlos César) já haviam apoiado Alegre e uma não-posição, como sugeriam alguns, era um absurdo político, com consequências devastadoras. Mas o apoio burocrático dado pelo aparelho coexiste com uma desmobilização de figuras de relevo na actual hierarquia partidária. O PS apoiar formalmente, mas depois o terceiro, o quinto e o sétimo da hierarquia não apoiarem, revela a natureza bipolar do envolvimento do aparelho com a candidatura. O que não deixará de ter consequências na campanha - criando uma dinâmica fraccionária - e no resultado eleitoral. Acima de tudo, consolida o que tem sido uma tendência no modo como Sócrates tem gerido o PS: a secundarização de todas as eleições, com excepção das legislativas.
Esta secundarização poderá bem, no caso das presidenciais, colocar fim ao actual ciclo político. Sócrates, independentemente do resultado, já perdeu as presidenciais. Sócrates perde, quer seja Cavaco, quer seja Alegre a ganhar. Se Cavaco reforçar o seu resultado, o lugar de primeiro-ministro passará a estar sujeito a uma tutela política ainda mais apertada; se Alegre perder, mas com um resultado muito elevado, encontrará um equivalente ao "milhão de votos" de há quatro anos para pressionar o PS; e se Alegre vencer, estaremos perante a disputa entre duas visões diametralmente opostas do que deve ser um governo do PS. Que Sócrates se tenha deixado colocar nesta posição permanece um mistério político.
publicado no Diário Económico.
Foi assim quando Soares, então secretário-geral, reservou uma posição pessoal, não apoiando Eanes; depois, o espaço político socialista dividiu-se no apoio a três candidatos (Soares, Zenha e Pintasilgo); mais tarde, em 1995, Sampaio avançou sozinho, criando desconforto à direcção do PS (que apostava em Fernando Gomes) e a Soares (que chegou a tentar uma candidatura de Rui Alarcão); as últimas eleições estão ainda bem presentes: Soares e Alegre disputaram o mesmo espaço, numa reedição da competição fratricida Soares/Zenha.
Há, contudo, duas diferenças relevantes por relação à situação actual: por um lado, o candidato da área socialista saiu quase sempre vitorioso e, por outro, mesmo promovendo dissensão interna, as vitórias não colocaram em causa o poder interno do partido. Desta feita não será assim. As probabilidades de Alegre vencer, contra um presidente em exercício (que convém recordar, em Portugal, é sempre reeleito), são reduzidas e, qualquer que seja o resultado, a lógica de afirmação política que foi dominante no PS nos últimos cinco anos sofrerá um revés, eventualmente definitivo.
Sócrates apoiou Alegre a contragosto, mas não tinha alternativa, porque não a construiu. Entretanto, todos os nomes que se perfilam como eventuais sucessores (de António Costa a António José Seguro, passando por Assis e Carlos César) já haviam apoiado Alegre e uma não-posição, como sugeriam alguns, era um absurdo político, com consequências devastadoras. Mas o apoio burocrático dado pelo aparelho coexiste com uma desmobilização de figuras de relevo na actual hierarquia partidária. O PS apoiar formalmente, mas depois o terceiro, o quinto e o sétimo da hierarquia não apoiarem, revela a natureza bipolar do envolvimento do aparelho com a candidatura. O que não deixará de ter consequências na campanha - criando uma dinâmica fraccionária - e no resultado eleitoral. Acima de tudo, consolida o que tem sido uma tendência no modo como Sócrates tem gerido o PS: a secundarização de todas as eleições, com excepção das legislativas.
Esta secundarização poderá bem, no caso das presidenciais, colocar fim ao actual ciclo político. Sócrates, independentemente do resultado, já perdeu as presidenciais. Sócrates perde, quer seja Cavaco, quer seja Alegre a ganhar. Se Cavaco reforçar o seu resultado, o lugar de primeiro-ministro passará a estar sujeito a uma tutela política ainda mais apertada; se Alegre perder, mas com um resultado muito elevado, encontrará um equivalente ao "milhão de votos" de há quatro anos para pressionar o PS; e se Alegre vencer, estaremos perante a disputa entre duas visões diametralmente opostas do que deve ser um governo do PS. Que Sócrates se tenha deixado colocar nesta posição permanece um mistério político.
publicado no Diário Económico.
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