quarta-feira, agosto 15, 2012
quinta-feira, agosto 09, 2012
Uma questão de liderança?
Uma
das ideias mais populares para explicar o impasse europeu é que enfrentamos uma
crise de lideranças. É tentador pensar assim quando comparamos personalidades como
Kohl, Mitterrand e Delors com Merkel, Hollande e Barroso. Mas o mais provável é
que lamentarmo-nos de que temos um problema com os líderes políticos sirva de
pouco e não nos ofereça pistas para compreendermos o que é que está a correr
mal na Europa.
Quem
acredita que a crise se ultrapassa através da reinvenção das lideranças
políticas, no fundo crê que, removidos os atuais políticos e substituídos por
líderes carismáticos, os constrangimentos eleitorais domésticos desaparecerão
por arte mágica. Pelo caminho, a Alemanha seria capaz de concretizar o seu potencial
hegemónico, desempenhando hoje o papel que o Reino Unido assumiu no século XIX
e os Estados Unidos no pós-Guerra – isto é, dinamizaria a economia europeia e
permitiria, finalmente, que o BCE se tornasse um banco central à imagem dos
existentes nos Estados-nação.
Este
argumento, que é muito popular, esquece que a questão não é de liderança mas de
poder. A este propósito, num interessante debate realizado há semanas, o
politólogo norte-americano Daniel Drezner sublinhava no seu blogue que
acreditar que as coisas melhorariam desde que tivéssemos melhores líderes é um
pouco como desejar que os políticos façam “as coisas certas”. Trata-se de um
desejo razoável, mas está longe de ser uma explicação ou uma prescrição.
Claro
que não é irrelevante a Alemanha ter hoje como chanceler alguém que cresceu no
Bloco de Leste, que tirou uma licenciatura em engenharia física e um
doutoramento em química quântica na Universidade Karl Marx – uma combinação
verdadeiramente explosiva no quadro da “guerra fria” –, que apresenta no seu curriculum juvenil notáveis prestações
nas olimpíadas escolares em russo e cuja memória da Segunda Guerra é
necessariamente menos presente. Mas, mais do que sugerir uma crise de
liderança, esta conjugação de factores reflete uma orientação geopolítica para
a Alemanha muito distinta da que durou desde o pós-Guerra até à queda do muro
de Berlim. Não por acaso, esta semana, Merkel consolidou a sua posição nas
sondagens como a política mais popular da Alemanha.
O
mais provável é que aquilo que tomamos como uma questão de qualidade da
liderança na Alemanha seja, de facto, o reflexo de uma nova opção estratégica –
com uma inclinação para Leste – e, acima de tudo, de uma forma de exercício do
poder que vai ao arrepio dos desejos dos países do Sul e que, aliás, é conforme
com a cultura política e com os desejos dos eleitorados do Norte de hoje.
Constrangimentos
que infelizmente são muito complexos e que talvez expliquem a tentação para
seguirmos a via fácil e responsabilizarmos as lideranças que temos pela
paralisia europeia que vivemos. Em todo o caso, convém não mitificar
excessivamente os líderes carismáticos do passado: afinal, Kohl, Mitterand e
Delors foram os mentores de uma zona euro cuja arquitetura institucional nos
trouxe até aqui.
publicado no Expresso de 4 de Agosto
quarta-feira, agosto 01, 2012
Um ato falhado
Quando
o mundo que construiu à sua volta dá sinais de estar a ruir, o
primeiro-ministro, no registo ligeiro em que se especializou, resolveu jogar a
cartada da desconfiança difusa e crescente face a tudo o que cheire a política.
“Que se lixem as eleições”, afirmou, depois da “porcaria na ventoinha” no debate
no Estado da Nação, e imediatamente antes do memorável discurso de Cantanhede,
onde, entre outras pérolas de retórica, nos avisou que “saberemos
onde chegar quando não nos comportarmos como baratas tontas” (sic). Um homem
também é a forma como fala.
Não
menosprezemos, contudo, o potencial político da desvalorização das eleições. Os
portugueses desconfiam dos políticos, os políticos não perdem uma oportunidade
para darem razões para os portugueses desconfiarem deles e a crença de que há
uma contradição crescente entre interesse nacional e interesses partidários vai
fazendo caminho.
Mas,
o que se espera de um primeiro-ministro não é que cavalgue o funesto processo
de “medina carreirização” da vida pública portuguesa. Pelo contrário. Um líder deve
ser capaz de fazer pedagogia e de aproximar os interesses dos portugueses do
modo como exerce o poder, bem como da visão que tem para o país. Mais, Passos
Coelho, enquanto se está a lixar para as eleições, está também a passar um
atestado de menoridade aos portugueses. No fundo, diz-nos que só somos capazes
de votar com base num interesse pessoal de curto prazo e de natureza material,
desprovido de percepção estratégica. Felizmente, os portugueses têm um bom
senso que o primeiro-ministro desconhece.
Há,
em tudo isto, um lado que é explicável pela psicologia. Estamos perante um ato
falhado. É natural que quem organizou a carreira movido pela conquista do
poder, invariavelmente alcandorado por Miguel Relvas, precise de repetir em
público que aquilo que o motiva não é ganhar eleições ou o poder pelo poder. Contra
isso, contudo, continua a pairar o espectro do monumental embuste que foi a
última campanha eleitoral. Convém recordar, tudo se resolvia com cortes nas
gorduras do Estado, não haveriam mais sacrifícios e, no fim, se fossemos além
da troika, o sol brilharia para todos nós. A mensagem que perdura é clara: “que
se lixem a seriedade e Portugal, o que nós queríamos mesmo era chegar ao pote”.
Como
se não bastasse o populismo de curto-prazo, Passos Coelho aproveitou também a
oportunidade para avisar que não se importaria de perder umas eleições para
“salvar o país”. Uma coisa é utilizar o sentimento antipolíticos, outra, ainda
assim mais preocupante, é o tom messiânico subjacente à declaração. A história
ensina-nos a desconfiar de quem se propõe salvar um país e os cuidados devem
ser redobrados perante alguém impreparado e que tem revelado sinais de total
desorientação, num momento em que a estratégia que delineou está a falhar
redondamente.
publicado no Expresso de 28 de Julho