O pote armadilhado
O sistema político atingiu o ‘ponto de rebuçado’: todos vêem vantagens em precipitar eleições. Com um governo minoritário e perante ajustamentos que não encontram paralelo na democracia, era inevitável que o dia em que PS e PSD convergissem na vontade de ir a votos chegasse.
Até aqui, quando o PS queria eleições, o PSD não queria e quando o PSD queria, o PS não queria. Mas eis que numa semana tudo muda.
Se pensarmos bem, após as legislativas, Sócrates parecia interessado em precipitar uma crise para se relegitimar. Só assim se explica que tenha formado um governo com um perfil político tão baixo e que não tenha, de facto, procurado uma coligação. Acontece que o PSD andava entretido na sua enésima crise intestina, não era parceiro para nenhuma dança e eleições, nem pensar nisso. Depois, seguiu-se um breve interlúdio em que ninguém quis ir a votos. Por essa altura, dançou-se um fugaz tango. Desde então, o mundo mudou. O PSD foi alternando entre pedir desculpas de novo ou precipitar uma crise – consoante Passos Coelho se sentia mais ou menos inclinado a responder às pressões da sua estrutura de poder interna, com vontade crescente de ir ao “pote”. Já Sócrates ia gerindo a perda de soberania, com cada vez menos margem de manobra, enquanto deitava para o caixote de lixo da história o seu programa eleitoral.
Agora, todos convergem para eleições. O que não só não resolverá nenhum problema, como se encarregará de demonstrar que o nosso ajustamento depende também de uma coligação política, estável e previsível, que envolva, pelo menos, o PS e o PSD.
Sócrates colocou-se na menos má das posições que pode ambicionar para os próximos anos. Conseguiu um resgate menos desfavorável do que o da Grécia e Irlanda e ainda não será eleitoralmente devastado pela impopularidade das medidas muito duras, que, apenas agora, começam a ser implementadas. É o único momento em que pode disputar eleições – mesmo que seja muito penalizado por ter nacionalizado sistematicamente a crise, abdicando de fazer pedagogia sobre a austeridade e dourando a realidade para além de todas as evidências.
Passos Coelho está preso num nó cego. Não pode pedir de novo desculpas e os seus apoiantes não lhe perdoariam mais um adiamento. Mas apresentar-se-á aos portugueses sem programa político e a rejeitar políticas que nos são impostas pela Europa e que sua família política (o PPE) diz serem necessárias. Para utilizar a sua expressão, Passos Coelho pode chegar ao pote, o problema é que vai encontrar o pote armadilhado e terá de aplicar a mesma dieta que agora rejeita, ou, alternativamente, uma ainda mais dura.
Os dados estão lançados. Passos Coelho afirmou que “a peça de teatro chegou ao fim”. Tem, em parte, razão. Doravante, assistiremos a outros actos da mesma tragédia, mas com novos actores. É bem provável que um dos próximos seja a experiência inédita de termos uma juventude partidária a governar o país. Com uma agravante: tal irá acontecer no pior dos momentos para experimentalismos adolescentes.
artigo publicado na edição do Expresso de 19 de Março
Até aqui, quando o PS queria eleições, o PSD não queria e quando o PSD queria, o PS não queria. Mas eis que numa semana tudo muda.
Se pensarmos bem, após as legislativas, Sócrates parecia interessado em precipitar uma crise para se relegitimar. Só assim se explica que tenha formado um governo com um perfil político tão baixo e que não tenha, de facto, procurado uma coligação. Acontece que o PSD andava entretido na sua enésima crise intestina, não era parceiro para nenhuma dança e eleições, nem pensar nisso. Depois, seguiu-se um breve interlúdio em que ninguém quis ir a votos. Por essa altura, dançou-se um fugaz tango. Desde então, o mundo mudou. O PSD foi alternando entre pedir desculpas de novo ou precipitar uma crise – consoante Passos Coelho se sentia mais ou menos inclinado a responder às pressões da sua estrutura de poder interna, com vontade crescente de ir ao “pote”. Já Sócrates ia gerindo a perda de soberania, com cada vez menos margem de manobra, enquanto deitava para o caixote de lixo da história o seu programa eleitoral.
Agora, todos convergem para eleições. O que não só não resolverá nenhum problema, como se encarregará de demonstrar que o nosso ajustamento depende também de uma coligação política, estável e previsível, que envolva, pelo menos, o PS e o PSD.
Sócrates colocou-se na menos má das posições que pode ambicionar para os próximos anos. Conseguiu um resgate menos desfavorável do que o da Grécia e Irlanda e ainda não será eleitoralmente devastado pela impopularidade das medidas muito duras, que, apenas agora, começam a ser implementadas. É o único momento em que pode disputar eleições – mesmo que seja muito penalizado por ter nacionalizado sistematicamente a crise, abdicando de fazer pedagogia sobre a austeridade e dourando a realidade para além de todas as evidências.
Passos Coelho está preso num nó cego. Não pode pedir de novo desculpas e os seus apoiantes não lhe perdoariam mais um adiamento. Mas apresentar-se-á aos portugueses sem programa político e a rejeitar políticas que nos são impostas pela Europa e que sua família política (o PPE) diz serem necessárias. Para utilizar a sua expressão, Passos Coelho pode chegar ao pote, o problema é que vai encontrar o pote armadilhado e terá de aplicar a mesma dieta que agora rejeita, ou, alternativamente, uma ainda mais dura.
Os dados estão lançados. Passos Coelho afirmou que “a peça de teatro chegou ao fim”. Tem, em parte, razão. Doravante, assistiremos a outros actos da mesma tragédia, mas com novos actores. É bem provável que um dos próximos seja a experiência inédita de termos uma juventude partidária a governar o país. Com uma agravante: tal irá acontecer no pior dos momentos para experimentalismos adolescentes.
artigo publicado na edição do Expresso de 19 de Março