Nós Somos a Irlanda
Há uns meses, Portugal não era a Grécia; entretanto é a Irlanda que não quer ser a Grécia; Portugal que não quer ser a Irlanda; a Espanha que não quer ser Portugal; a Itália que não quer ser a Espanha e, para citar João César Monteiro a outro propósito, mas com o mesmo sentido, "e assim sucessivamente". Há nisto um fundo de verdade: a Grécia tinha contas públicas fraudulentas, a Irlanda um problema gravíssimo no sistema financeiro, Portugal um potencial de crescimento económico medíocre, a Espanha uma bolha imobiliária e a Itália um problema de endividamento público. Nessa medida, cada caso é um caso, com problemas singulares que têm de ter, com urgência, respostas específicas. Mas, ainda assim, este mantra repetido nos vários países da periferia é apenas uma forma de cada um caminhar isoladamente, oferecendo-se como um cordeiro para um sacrifício que dificilmente terá bons resultados. Os países podem, através de medidas de austeridade brutais, tentar resolver os seus problemas, mas não só é duvidoso que isso seja eficaz, como persistirá um problema que está na génese do mal europeu.
Há na zona euro um desequilíbrio estrutural entre países que pertencem ao mesmo espaço monetário: enquanto alguns (poucos) têm saldos positivos na balança de transações correntes, outros (os da periferia) apresentam défices persistentes. Num sistema de tipo federal como os EUA, estes desequilíbrios também existem, mas são geridos pelo Governo federal, que garante a coesão global. Precisamente o que a Europa não está a fazer, nem quer - insistindo na ilusão de que é possível ter uma união monetária a responder a um choque externo brutal sem mecanismos que garantam a coesão interna. A este propósito, num notável artigo no "Financial Times", Gavyn Davies chamava a atenção para alguns factos singelos: em primeiro lugar, a zona euro, vista como um todo (que é o que deve ser feito), encontra-se fiscalmente mais equilibrada do que outras economias desenvolvidas (EUA e Japão, por exemplo); depois, se fosse possível avançar com uma política orçamental comum de imediato, a situação orçamental do conjunto da UE seria a melhor do mundo desenvolvido, logo não existiria nenhuma crise da dívida soberana; finalmente, as contradições que se tornam agora visíveis na periferia só podem ser resolvidas se houver uma partilha de responsabilidades dentro da zona euro. Ou seja, os países da periferia têm de fazer ajustamentos, mas estes têm de ser acompanhados por uma maior cooperação orçamental europeia. Caso contrário, continuaremos a falar em risco de incumprimento e o cenário manter-se-á muito negro para o euro. E um cenário negro para o euro será o fim da UE como a conhecemos nos últimos 25 anos.
Moral da história: os países da periferia têm um problema comum para enfrentar, sendo que é da sua resolução que nascerá a capacidade para responder com eficácia às singularidades que caracterizam a síndrome económica e financeira de cada país. Se, no curto prazo, a repetição incansável pelos países que se encontram em situação mais frágil de que o seu caso é distinto daquele que está prestes a sucumbir pode funcionar como um balão de oxigénio, não passará muito tempo para que a situação mude. Para estancar o efeito dominó acelerado que destruirá o euro, só há uma alternativa e é de natureza política. Os países da periferia têm de se coligar para dizer: 'nós somos a Irlanda'.
Texto publicado na edição do Expresso de 20 de novembro de 2010
Há na zona euro um desequilíbrio estrutural entre países que pertencem ao mesmo espaço monetário: enquanto alguns (poucos) têm saldos positivos na balança de transações correntes, outros (os da periferia) apresentam défices persistentes. Num sistema de tipo federal como os EUA, estes desequilíbrios também existem, mas são geridos pelo Governo federal, que garante a coesão global. Precisamente o que a Europa não está a fazer, nem quer - insistindo na ilusão de que é possível ter uma união monetária a responder a um choque externo brutal sem mecanismos que garantam a coesão interna. A este propósito, num notável artigo no "Financial Times", Gavyn Davies chamava a atenção para alguns factos singelos: em primeiro lugar, a zona euro, vista como um todo (que é o que deve ser feito), encontra-se fiscalmente mais equilibrada do que outras economias desenvolvidas (EUA e Japão, por exemplo); depois, se fosse possível avançar com uma política orçamental comum de imediato, a situação orçamental do conjunto da UE seria a melhor do mundo desenvolvido, logo não existiria nenhuma crise da dívida soberana; finalmente, as contradições que se tornam agora visíveis na periferia só podem ser resolvidas se houver uma partilha de responsabilidades dentro da zona euro. Ou seja, os países da periferia têm de fazer ajustamentos, mas estes têm de ser acompanhados por uma maior cooperação orçamental europeia. Caso contrário, continuaremos a falar em risco de incumprimento e o cenário manter-se-á muito negro para o euro. E um cenário negro para o euro será o fim da UE como a conhecemos nos últimos 25 anos.
Moral da história: os países da periferia têm um problema comum para enfrentar, sendo que é da sua resolução que nascerá a capacidade para responder com eficácia às singularidades que caracterizam a síndrome económica e financeira de cada país. Se, no curto prazo, a repetição incansável pelos países que se encontram em situação mais frágil de que o seu caso é distinto daquele que está prestes a sucumbir pode funcionar como um balão de oxigénio, não passará muito tempo para que a situação mude. Para estancar o efeito dominó acelerado que destruirá o euro, só há uma alternativa e é de natureza política. Os países da periferia têm de se coligar para dizer: 'nós somos a Irlanda'.
Texto publicado na edição do Expresso de 20 de novembro de 2010