O choque dos desempregados licenciados
Numa altura em que se cumprem dois anos do plano tecnológico, os dados do INE sobre o desemprego dos licenciados foram recebidos com perplexidade. Afinal, seria expectável que a aposta na transformação do padrão de especialização da economia portuguesa, assente no potencial das novas tecnologias e na nova economia, gerasse maior procura de emprego entre os mais qualificados. A crer nos dados do INE – o que aliás se revela cada vez menos avisado, mas isso é motivo para outro artigo – tal não está a acontecer, na medida em que o desemprego dos licenciados se mantém elevado, atingindo 65 mil portugueses, na sua maioria jovens. Esta leitura tem, contudo, diversos problemas: uns que têm a ver com a tentação da classe política para avaliar a sua própria acção com base em indicadores de curto prazo e outros que remetem para a relação entre qualificações do ensino superior e acesso ao mercado de trabalho.
Os governos tendem a sobrevalorizar a sua capacidade de promoção de mudança no curto prazo, do mesmo modo que subvalorizam os efeitos da mesma no longo prazo. Esta asserção é particularmente válida quando estão em causa as consequências das transformações no modelo económico para a criação de emprego.
Portugal precisa evoluir de uma economia de mão-de-obra intensiva, de baixos salários e baixas qualificações, para um modelo assente em trabalho mais qualificado e na exportação de um novo tipo de bens. Esta ideia é hoje partilhada por todos. Contudo, quem achar que esta transformação se faz sem custos sociais e com ganhos no emprego no imediato está equivocado. O problema é que o tempo político de avaliação das políticas não se compadece com o tempo que demoram de facto as mudanças estruturais. O Governo, ao ler a flutuação mensal dos dados do desemprego, quando esta lhe é favorável, como sintoma do sucesso de um processo – como o “choque tecnológico” – que só pode produzir efeitos no médio prazo, está, por isso, a envolver-se num jogo de avaliação em que acabará por ser vítima do seu próprio discurso. Os números que agora surgiram sobre o desemprego dos licenciados são disso exemplo. Mas, são também números que merecem uma leitura mais fina.
Ao contrário do que por vezes se quer fazer crer, ter um diploma do ensino superior continua a ser um instrumento privilegiado para aceder a um posto de trabalho e uma garantia de que este terá, comparativamente, maior estabilidade, melhor remuneração e maiores possibilidades de progressão na carreira. Além do mais, uma licenciatura continua a ser uma boa forma de resistir ao desemprego – por exemplo, a população com habilitação superior é menos atingida pelo desemprego de longa duração do que a população em geral, o que faz com que o desemprego dos licenciados não ultrapasse, em média, os seis meses. Um desempregado licenciado tem muito menor probabilidade de se manter no desemprego do que um não licenciado.
Contudo, os dados sobre o desemprego dos licenciados também nos revelam aspectos menos positivos. Antes de mais, um problema de gestão de expectativas: para quem investiu longos anos numa formação superior, não ter um retorno imediato desse investimento é, naturalmente, vivido com dificuldades. Depois, diferenças relativas entre as áreas de formação e, nestas, entre instituições de ensino superior. As duas áreas de estudo em que há mais desempregados com habilitação superior são “formação de professores/formadores e ciências da educação” e as “ciências sociais e do comportamento”. Ou seja, o problema não deve ser visto apenas considerando o nível de qualificações, mas, também, a área das mesmas. Ao que acresce que, mesmo nestas áreas em que aparenta ser mais difícil encontrar um posto de trabalho, há instituições de ensino superior com quase 100% de empregabilidade.
Este cenário, ao mesmo tempo que não permite aferir do sucesso ou fracasso da opção por mudar o padrão de especialização da economia portuguesa através de um “choque tecnológico”, serve para recordar que se há uma tentação que deve ser contrariada é a de achar que, havendo licenciados no desemprego, Portugal deve refrear o esforço de qualificação da sua população, nomeadamente dos jovens. Não é assim. Bem pelo contrário. Portugal continua a precisar de mais licenciados. Aliás, de muito mais licenciados, desde que provenientes de instituições com ensino de qualidade.
publicado no Diário Económico.
Os governos tendem a sobrevalorizar a sua capacidade de promoção de mudança no curto prazo, do mesmo modo que subvalorizam os efeitos da mesma no longo prazo. Esta asserção é particularmente válida quando estão em causa as consequências das transformações no modelo económico para a criação de emprego.
Portugal precisa evoluir de uma economia de mão-de-obra intensiva, de baixos salários e baixas qualificações, para um modelo assente em trabalho mais qualificado e na exportação de um novo tipo de bens. Esta ideia é hoje partilhada por todos. Contudo, quem achar que esta transformação se faz sem custos sociais e com ganhos no emprego no imediato está equivocado. O problema é que o tempo político de avaliação das políticas não se compadece com o tempo que demoram de facto as mudanças estruturais. O Governo, ao ler a flutuação mensal dos dados do desemprego, quando esta lhe é favorável, como sintoma do sucesso de um processo – como o “choque tecnológico” – que só pode produzir efeitos no médio prazo, está, por isso, a envolver-se num jogo de avaliação em que acabará por ser vítima do seu próprio discurso. Os números que agora surgiram sobre o desemprego dos licenciados são disso exemplo. Mas, são também números que merecem uma leitura mais fina.
Ao contrário do que por vezes se quer fazer crer, ter um diploma do ensino superior continua a ser um instrumento privilegiado para aceder a um posto de trabalho e uma garantia de que este terá, comparativamente, maior estabilidade, melhor remuneração e maiores possibilidades de progressão na carreira. Além do mais, uma licenciatura continua a ser uma boa forma de resistir ao desemprego – por exemplo, a população com habilitação superior é menos atingida pelo desemprego de longa duração do que a população em geral, o que faz com que o desemprego dos licenciados não ultrapasse, em média, os seis meses. Um desempregado licenciado tem muito menor probabilidade de se manter no desemprego do que um não licenciado.
Contudo, os dados sobre o desemprego dos licenciados também nos revelam aspectos menos positivos. Antes de mais, um problema de gestão de expectativas: para quem investiu longos anos numa formação superior, não ter um retorno imediato desse investimento é, naturalmente, vivido com dificuldades. Depois, diferenças relativas entre as áreas de formação e, nestas, entre instituições de ensino superior. As duas áreas de estudo em que há mais desempregados com habilitação superior são “formação de professores/formadores e ciências da educação” e as “ciências sociais e do comportamento”. Ou seja, o problema não deve ser visto apenas considerando o nível de qualificações, mas, também, a área das mesmas. Ao que acresce que, mesmo nestas áreas em que aparenta ser mais difícil encontrar um posto de trabalho, há instituições de ensino superior com quase 100% de empregabilidade.
Este cenário, ao mesmo tempo que não permite aferir do sucesso ou fracasso da opção por mudar o padrão de especialização da economia portuguesa através de um “choque tecnológico”, serve para recordar que se há uma tentação que deve ser contrariada é a de achar que, havendo licenciados no desemprego, Portugal deve refrear o esforço de qualificação da sua população, nomeadamente dos jovens. Não é assim. Bem pelo contrário. Portugal continua a precisar de mais licenciados. Aliás, de muito mais licenciados, desde que provenientes de instituições com ensino de qualidade.
publicado no Diário Económico.