O que vale a Presidência
A crer na imprensa, o Governo terá adiado a decisão sobre o novo aeroporto por seis meses, entre outros motivos, para não introduzir ruído na Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. Já aquando da saída de António Costa do executivo, teria havido um acordo tácito entre primeiro-ministro e Presidente a favor de uma remodelação cirúrgica, que garantisse o bom acompanhamento dos ‘dossiers’ europeus. Entretanto, também o maior partido da Oposição quase que prometeu suspender a sua actividade, sempre em nome da Presidência. Todos estes sinais são, acima de tudo, reveladores da importância que é dada entre nós à Europa. Mas mostram também uma visão enviesada do que é, de facto, o exercício da Presidência e a real capacidade desta em marcar a agenda europeia. Nenhum partido escapa a este caldo de cultura, que aliás esteve por detrás, por exemplo, do entusiasmo paroquial com que as mais altas figuras da nação receberam o abandono de Durão Barroso do Governo para rumar a Bruxelas.
Na maior parte dos Estados-membros, o exercício da Presidência é um assunto com baixa relevância na agenda política doméstica e em larga medida gerido pela administração pública. Presidir ao Conselho pode implicar um volume de trabalho acrescido para os membros do Governo, mas o papel efectivo destes é reduzido. Na verdade, o modo como se fala da Presidência em Portugal dificilmente encontra paralelo nos restantes Estados-membros. O que não é independente da nossa relação com Europa e dos níveis de aprovação que a pertença à União Europeia tem entre nós. De acordo com o Eurobarómetro, em 2007, 66% dos portugueses valoravam positivamente a pertença à União Europeia, valores que se afastam da média da UE-27 (59%).
Há boas razões para o nosso europeísmo. Por um lado, a sobreposição entre os processos de consolidação democrática, desenvolvimento económico e social e adesão europeia e, por outro, o papel que a Europa tem desempenhado na legitimação de medidas necessárias, mas que os actores nacionais tendem a ter fraca capacidade de pôr em prática autonomamente. Sem Europa não só teríamos tido muito mais dificuldade em consolidar a democracia, como o nosso padrão de políticas públicas seria comparativamente mais pobre.
Mas uma coisa é a valoração da Europa, outra é o papel real da Presidência do Conselho. A realidade da construção europeia é clara: os passos fundamentais resultaram de um exercício intergovernamental e de articulação entre Conselho e Comissão, muito liderado pelo eixo Paris-Berlim. Neste contexto, as Presidências são, no essencial, um assunto de gestão corrente, com fraca capacidade de marcação da agenda. Sucedem-se semestres em que nada de relevante acontece na UE e a memória do papel das Presidências esvanece-se rapidamente. Não por acaso, o Tratado em discussão prevê, e bem, o fim das presidências rotativas.
Desse ponto de vista, o que aconteceu com a Presidência portuguesa de 2000 é não apenas incomum, como irrepetível. Independentemente de juízos valorativos sobre a Agenda de Lisboa, a verdade é que se trata de um marco da última década de construção europeia, promovido pela Presidência em exercício. Acontece que a Agenda de Lisboa resultou da conjugação de um conjunto de factores contingentes, mas que, até pelas consequências para a política doméstica desse investimento, não parece que se repitam.
Nada disto impede que durante a Presidência portuguesa sejam dados passos importantes, nomeadamente a ultrapassagem da situação de bloqueio que enfrenta o anteriormente conhecido como Tratado Constitucional. Poderemos vir a ter um Tratado de Lisboa, mas não vale a pena termos ilusões de grandiosidade. Se assim acontecer, dever-se-á, naturalmente, menos à Presidência portuguesa e mais à evolução das negociações no Conselho.
O problema é que, na gestão das expectativas em relação aos seis meses de exercício de Presidência, o governo joga uma carta arriscada. Se tudo correr bem, pode capitalizar internamente resultados nos quais, verdade seja dita, desempenhou um papel não tão importante como quer fazer crer. Do mesmo modo que se os resultados forem, como têm sido nas últimas Presidências, escassos, o Governo será internamente responsabilizado pelas consequências de processos que não controla. Entretanto, a política nacional ameaça entrar em hibernação.
publicado no Diário Económico.
Na maior parte dos Estados-membros, o exercício da Presidência é um assunto com baixa relevância na agenda política doméstica e em larga medida gerido pela administração pública. Presidir ao Conselho pode implicar um volume de trabalho acrescido para os membros do Governo, mas o papel efectivo destes é reduzido. Na verdade, o modo como se fala da Presidência em Portugal dificilmente encontra paralelo nos restantes Estados-membros. O que não é independente da nossa relação com Europa e dos níveis de aprovação que a pertença à União Europeia tem entre nós. De acordo com o Eurobarómetro, em 2007, 66% dos portugueses valoravam positivamente a pertença à União Europeia, valores que se afastam da média da UE-27 (59%).
Há boas razões para o nosso europeísmo. Por um lado, a sobreposição entre os processos de consolidação democrática, desenvolvimento económico e social e adesão europeia e, por outro, o papel que a Europa tem desempenhado na legitimação de medidas necessárias, mas que os actores nacionais tendem a ter fraca capacidade de pôr em prática autonomamente. Sem Europa não só teríamos tido muito mais dificuldade em consolidar a democracia, como o nosso padrão de políticas públicas seria comparativamente mais pobre.
Mas uma coisa é a valoração da Europa, outra é o papel real da Presidência do Conselho. A realidade da construção europeia é clara: os passos fundamentais resultaram de um exercício intergovernamental e de articulação entre Conselho e Comissão, muito liderado pelo eixo Paris-Berlim. Neste contexto, as Presidências são, no essencial, um assunto de gestão corrente, com fraca capacidade de marcação da agenda. Sucedem-se semestres em que nada de relevante acontece na UE e a memória do papel das Presidências esvanece-se rapidamente. Não por acaso, o Tratado em discussão prevê, e bem, o fim das presidências rotativas.
Desse ponto de vista, o que aconteceu com a Presidência portuguesa de 2000 é não apenas incomum, como irrepetível. Independentemente de juízos valorativos sobre a Agenda de Lisboa, a verdade é que se trata de um marco da última década de construção europeia, promovido pela Presidência em exercício. Acontece que a Agenda de Lisboa resultou da conjugação de um conjunto de factores contingentes, mas que, até pelas consequências para a política doméstica desse investimento, não parece que se repitam.
Nada disto impede que durante a Presidência portuguesa sejam dados passos importantes, nomeadamente a ultrapassagem da situação de bloqueio que enfrenta o anteriormente conhecido como Tratado Constitucional. Poderemos vir a ter um Tratado de Lisboa, mas não vale a pena termos ilusões de grandiosidade. Se assim acontecer, dever-se-á, naturalmente, menos à Presidência portuguesa e mais à evolução das negociações no Conselho.
O problema é que, na gestão das expectativas em relação aos seis meses de exercício de Presidência, o governo joga uma carta arriscada. Se tudo correr bem, pode capitalizar internamente resultados nos quais, verdade seja dita, desempenhou um papel não tão importante como quer fazer crer. Do mesmo modo que se os resultados forem, como têm sido nas últimas Presidências, escassos, o Governo será internamente responsabilizado pelas consequências de processos que não controla. Entretanto, a política nacional ameaça entrar em hibernação.
publicado no Diário Económico.