As perplexidades da OTA
Não é fácil perceber o que se tem passado politicamente com o processo de construção do novo aeroporto. O que há meia dúzia de anos parecia assentar num duplo consenso (a necessidade de substituir a Portela e a escolha da localização OTA) evoluiu para uma confusão argumentativa difícil de acompanhar. A evolução do tema na discussão pública levanta um conjunto de perplexidades.
Uma primeira que resulta da ausência de uma estratégia comunicacional forte. Não se compreende que, quando para apresentar um logotipo se recorre a agências de comunicação, num investimento da envergadura da construção de um aeroporto não haja uma linha de comunicação perceptível. Em investimentos como o que está em causa, ter um argumentário claro é tão importante como avaliar o impacto ecológico da opção ou os custos de construção. Parece que se apostou tudo no consenso político e se subestimou a necessidade de ter um “plano b” preparado para o momento em que aquele fosse posto em causa. Hoje, nem sequer os parâmetros da discussão se mantêm estáveis: discute-se a necessidade de um novo aeroporto para logo depois se estar a debater possíveis localizações, já para não falar de quando se questiona tudo ao mesmo tempo.
A segunda perplexidade tem a ver com o fim do consenso. Uma coisa é sabida sobre a política portuguesa, só fomos capazes de tomar opções difíceis quando uma de duas condições esteve presente: uma sólida coligação interna ou um forte constrangimento externo.
Os exemplos mais conhecidos da coligação interna estão associados à política externa. Em primeiro lugar, o processo de adesão à União Europeia, em que os dois principais partidos, de modo a criarem condições institucionais e financeiras para entrarmos na CEE, optaram por formar uma coligação política de ‘strange bedfellows’, em lugar de promoverem a dissensão. Mas, para além da Europa, as opções da política externa portuguesa assentaram tradicionalmente num consenso entre PSD e PS. Consenso que vigorou até à intervenção no Iraque.
Já o constrangimento externo serviu para levar a cabo reformas impopulares, aumentando a capacidade política dos actores nacionais favoráveis às mesmas e pressionando o país para procurar soluções que de outro modo não buscaria. O FMI no passado e a União Europeia nos nossos dias foram decisivos, por exemplo, para a promoção da disciplina orçamental. Sem esses constrangimentos a propensão para o desequilíbrio orçamental seria imparável, com consequências trágicas para o país.
Ora, a construção de um novo aeroporto assentou durante cerca de uma dezena de anos num consenso interno, cimentado por um constrangimento externo. PS e PSD concordavam com a necessidade de construir um novo aeroporto e a opção OTA era dominante, tendência que foi consolidada pela janela de oportunidade aberta pelo recurso ao financiamento comunitário. Perante a dimensão do investimento, a garantia de que essas condições estavam presentes era condição necessária à sua concretização.
Convém não esquecer o momento e os motivos porque o novo aeroporto foi primeiro posto em causa. Estávamos em plena campanha das legislativas de 2002, quando Durão Barroso afirmou que “enquanto houver uma criança em lista de espera nos hospitais não haverá Ota”. Coincidentemente ou não, estavam lançadas as raízes para o fim do acordo em torno da OTA e para que o populismo ganhasse lastro na política portuguesa. Pouco tempo depois, também o consenso na política externa portuguesa seria rompido, com a Cimeira das Lajes.
Hoje, perante a ausência de um argumentário disseminado sobre a necessidade de um novo aeroporto e sobre a sua localização preferencial e com o espaço aberto a todos os populismos, um investimento de grande envergadura encontra-se bloqueado. O grave é que enquanto se assiste à confusão argumentativa em torno do novo aeroporto, fica-se com a ideia que o País regressou a um tempo em que a promoção da dissensão política era mais importante do que a capacidade de tomar opções estratégicas, ainda que impopulares e custosas. Chegados aqui, pode ser que, pelo menos, a trapalhada a que se chegou a propósito da OTA sirva para recordar a importância para Portugal dos amplos consensos políticos. Caso contrário, estaremos condenados a reagir a pressões externas.
publicado no Diário Económico.
Uma primeira que resulta da ausência de uma estratégia comunicacional forte. Não se compreende que, quando para apresentar um logotipo se recorre a agências de comunicação, num investimento da envergadura da construção de um aeroporto não haja uma linha de comunicação perceptível. Em investimentos como o que está em causa, ter um argumentário claro é tão importante como avaliar o impacto ecológico da opção ou os custos de construção. Parece que se apostou tudo no consenso político e se subestimou a necessidade de ter um “plano b” preparado para o momento em que aquele fosse posto em causa. Hoje, nem sequer os parâmetros da discussão se mantêm estáveis: discute-se a necessidade de um novo aeroporto para logo depois se estar a debater possíveis localizações, já para não falar de quando se questiona tudo ao mesmo tempo.
A segunda perplexidade tem a ver com o fim do consenso. Uma coisa é sabida sobre a política portuguesa, só fomos capazes de tomar opções difíceis quando uma de duas condições esteve presente: uma sólida coligação interna ou um forte constrangimento externo.
Os exemplos mais conhecidos da coligação interna estão associados à política externa. Em primeiro lugar, o processo de adesão à União Europeia, em que os dois principais partidos, de modo a criarem condições institucionais e financeiras para entrarmos na CEE, optaram por formar uma coligação política de ‘strange bedfellows’, em lugar de promoverem a dissensão. Mas, para além da Europa, as opções da política externa portuguesa assentaram tradicionalmente num consenso entre PSD e PS. Consenso que vigorou até à intervenção no Iraque.
Já o constrangimento externo serviu para levar a cabo reformas impopulares, aumentando a capacidade política dos actores nacionais favoráveis às mesmas e pressionando o país para procurar soluções que de outro modo não buscaria. O FMI no passado e a União Europeia nos nossos dias foram decisivos, por exemplo, para a promoção da disciplina orçamental. Sem esses constrangimentos a propensão para o desequilíbrio orçamental seria imparável, com consequências trágicas para o país.
Ora, a construção de um novo aeroporto assentou durante cerca de uma dezena de anos num consenso interno, cimentado por um constrangimento externo. PS e PSD concordavam com a necessidade de construir um novo aeroporto e a opção OTA era dominante, tendência que foi consolidada pela janela de oportunidade aberta pelo recurso ao financiamento comunitário. Perante a dimensão do investimento, a garantia de que essas condições estavam presentes era condição necessária à sua concretização.
Convém não esquecer o momento e os motivos porque o novo aeroporto foi primeiro posto em causa. Estávamos em plena campanha das legislativas de 2002, quando Durão Barroso afirmou que “enquanto houver uma criança em lista de espera nos hospitais não haverá Ota”. Coincidentemente ou não, estavam lançadas as raízes para o fim do acordo em torno da OTA e para que o populismo ganhasse lastro na política portuguesa. Pouco tempo depois, também o consenso na política externa portuguesa seria rompido, com a Cimeira das Lajes.
Hoje, perante a ausência de um argumentário disseminado sobre a necessidade de um novo aeroporto e sobre a sua localização preferencial e com o espaço aberto a todos os populismos, um investimento de grande envergadura encontra-se bloqueado. O grave é que enquanto se assiste à confusão argumentativa em torno do novo aeroporto, fica-se com a ideia que o País regressou a um tempo em que a promoção da dissensão política era mais importante do que a capacidade de tomar opções estratégicas, ainda que impopulares e custosas. Chegados aqui, pode ser que, pelo menos, a trapalhada a que se chegou a propósito da OTA sirva para recordar a importância para Portugal dos amplos consensos políticos. Caso contrário, estaremos condenados a reagir a pressões externas.
publicado no Diário Económico.
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