Onde pára o reformismo?
Dois anos depois, a capacidade reformista é a medida de todas as avaliações do governo. Os críticos à esquerda julgam o executivo pelas reformas que diminuem direitos e colocam em causa o Estado social; à direita vivem divididos entre o reconhecimento de que o executivo governa como o PSD/CDS não conseguiu e a afirmação de que as reformas não passam de medidas propagandísticas. Entretanto, a crer numa ideia que ganhou corpo nas últimas semanas, o governo terá começado a mudar a sua estratégia. Primeiro, com a reforma das urgências e depois com as mudanças na Administração Pública, terá desacelerado o ímpeto reformista e cedido ao realismo (i.e. aos interesses locais e à sua base eleitoral tradicional).
Para além do conjuntural, estas leituras servem, no essencial, para lançar questões sobre o real poder dos executivos hoje em dia e sobre a extensão e a avaliação das reformas que procuram levar a cabo.
Vale a pena a este propósito recuperar um artigo de Geoff Mulgan, publicado na Prospect há dois anos – “Lessons of Power” (Maio de 2005). Mulgan foi coordenador da estratégia política do governo Blair e tem ocupado diversos cargos em importantes ‘think-tanks’ britânicos. E o que nos diz Mulgan, relatando a sua experiência?
Antes de mais que apesar da aparência de perda de poder dos executivos, quer por força de constrangimentos externos (a globalização e a integração europeia), quer por força da alienação de poder para actores internos (os media e o mercado), grande parte dos instrumentos tradicionais de governação continuam presentes. O espaço de manobra dos governos pode ser mais estreito, mas os dispositivos tradicionais estão de boa saúde. A receita fiscal tem aumentado consistentemente em grande parte dos países da OCDE e, aliás, em grande parte das economias mais desenvolvidas, os governos têm um papel não só muito activo, como uma presença extensa. Como escreve Mulgan, a ideia de que os governos se tornaram impotentes é uma ilusão que, contudo, tem providenciado um poderoso alibi.
Em Portugal, mesmo com a reconhecida fragilidade administrativa e financeira, se considerarmos que há uma maioria absoluta sólida, combinada com o suporte do Presidente e com poucos pontos de veto formais, o Governo pode ser considerado tudo menos impotente e tem capacidade de definir autonomamente a sua agenda. Em última análise, se não faz mais é porque não quer e se faz de mais é porque quer.
Uma outra questão, que surgiu no debate público em Portugal nas últimas semanas, é a da avaliação das reformas. É este um governo reformista? Diminuiu o ímpeto nos últimos tempos?
Como refere ainda Mulgan, “os governos sobrevalorizam a sua capacidade para promover a mudança no curto prazo e subvalorizam-na no longo prazo”. Este é um tema em que o governo pode ser vítima do seu próprio discurso: ao mesmo tempo que colocou a fasquia reformista alta, deixa-se frequentemente envolver num jogo de avaliação da sua actividade de que arrisca sair perdedor. Não tenhamos ilusões: não há nenhum indicador imediato capaz de aferir um processo reformista. As mudanças cosméticas são mensuráveis no curto prazo, as reformas profundas – aquilo que Peter Hall qualificou como transformações de 3ª ordem e que têm a ver com novas políticas, mas também com novas formas de as implementar e novos enquadramentos institucionais – só são avaliáveis com o passar do tempo. Acontece que este tipo de reformas pura e simplesmente não é compaginável com uma agenda mediática de anúncios de variações de uma ou duas casas decimais nos indicadores.
A capacidade reformista dos governos é tanto maior quanto maior for a sua capacidade de pensar e agir estrategicamente com objectivos de médio prazo. Desígnios que naturalmente colidem com a pressão mediática, com o tacticismo político e os jogos de influência dos interesses instalados (por ex., nos aparelhos partidários). Mas se este governo quer ficar para a história como um executivo reformista, não pode nem queixar-se da sua impotência para fazer o que deseja, nem muito menos achar que a sua actividade é passível de produzir resultados no imediato.
publicado no Diário Económico.
Para além do conjuntural, estas leituras servem, no essencial, para lançar questões sobre o real poder dos executivos hoje em dia e sobre a extensão e a avaliação das reformas que procuram levar a cabo.
Vale a pena a este propósito recuperar um artigo de Geoff Mulgan, publicado na Prospect há dois anos – “Lessons of Power” (Maio de 2005). Mulgan foi coordenador da estratégia política do governo Blair e tem ocupado diversos cargos em importantes ‘think-tanks’ britânicos. E o que nos diz Mulgan, relatando a sua experiência?
Antes de mais que apesar da aparência de perda de poder dos executivos, quer por força de constrangimentos externos (a globalização e a integração europeia), quer por força da alienação de poder para actores internos (os media e o mercado), grande parte dos instrumentos tradicionais de governação continuam presentes. O espaço de manobra dos governos pode ser mais estreito, mas os dispositivos tradicionais estão de boa saúde. A receita fiscal tem aumentado consistentemente em grande parte dos países da OCDE e, aliás, em grande parte das economias mais desenvolvidas, os governos têm um papel não só muito activo, como uma presença extensa. Como escreve Mulgan, a ideia de que os governos se tornaram impotentes é uma ilusão que, contudo, tem providenciado um poderoso alibi.
Em Portugal, mesmo com a reconhecida fragilidade administrativa e financeira, se considerarmos que há uma maioria absoluta sólida, combinada com o suporte do Presidente e com poucos pontos de veto formais, o Governo pode ser considerado tudo menos impotente e tem capacidade de definir autonomamente a sua agenda. Em última análise, se não faz mais é porque não quer e se faz de mais é porque quer.
Uma outra questão, que surgiu no debate público em Portugal nas últimas semanas, é a da avaliação das reformas. É este um governo reformista? Diminuiu o ímpeto nos últimos tempos?
Como refere ainda Mulgan, “os governos sobrevalorizam a sua capacidade para promover a mudança no curto prazo e subvalorizam-na no longo prazo”. Este é um tema em que o governo pode ser vítima do seu próprio discurso: ao mesmo tempo que colocou a fasquia reformista alta, deixa-se frequentemente envolver num jogo de avaliação da sua actividade de que arrisca sair perdedor. Não tenhamos ilusões: não há nenhum indicador imediato capaz de aferir um processo reformista. As mudanças cosméticas são mensuráveis no curto prazo, as reformas profundas – aquilo que Peter Hall qualificou como transformações de 3ª ordem e que têm a ver com novas políticas, mas também com novas formas de as implementar e novos enquadramentos institucionais – só são avaliáveis com o passar do tempo. Acontece que este tipo de reformas pura e simplesmente não é compaginável com uma agenda mediática de anúncios de variações de uma ou duas casas decimais nos indicadores.
A capacidade reformista dos governos é tanto maior quanto maior for a sua capacidade de pensar e agir estrategicamente com objectivos de médio prazo. Desígnios que naturalmente colidem com a pressão mediática, com o tacticismo político e os jogos de influência dos interesses instalados (por ex., nos aparelhos partidários). Mas se este governo quer ficar para a história como um executivo reformista, não pode nem queixar-se da sua impotência para fazer o que deseja, nem muito menos achar que a sua actividade é passível de produzir resultados no imediato.
publicado no Diário Económico.
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