terça-feira, março 06, 2007

O eterno mito do retorno

E ao vigésimo quarto mês, Paulo Portas regressou. Fê-lo com a capacidade de fixar a atenção dos ‘media’ que o caracteriza, mas, ultrapassado o entusiasmo momentâneo, nada de substantivo disse. Nem sobre a alteração das circunstâncias que o levaram a demitir-se, nem sobre o modo de ultrapassar a encruzilhada em que se encontra o espaço do centro-direita. Não menos grave, regressa com uma nuvem de falta de carácter a pairar sobre a sua relação com Ribeiro e Castro. Com este regresso, Portas, até ver, apenas consolidou a ideia de que é um político que se rege por um vai-e-vem ideológico: umas vezes liberal, outras populista, para logo se tornar conservador e intermitentemente um estadista contaminado pelo realismo. Ao serviço das conveniências.

Convém recuar um pouco no tempo. Nas legislativas de há dois anos, o PP enfrentava um dilema: ou voltava à matriz populista, fazendo regressar o “Paulinho das feiras”, ou vestia a pele de partido da moderação e da estabilidade governativa. Optou pela segunda via. O resultado é conhecido: recuou eleitoralmente, perdeu influência nos seus nichos eleitorais (os pensionistas, a lavoura e os ex-combatentes) e não progrediu o suficiente entre as classes urbanas. Aliás, se o fez, terá sido menos à custa das virtudes de Paulo Portas, “o estadista”, e mais porque o concorrente no seu espaço político era Santana Lopes.

Há dois anos, Portas sabia que o problema para o CDS/PP não era tanto o resultado das eleições. O problema era o que viria a seguir. O partido estava em perda acelerada no eleitorado que na última década lhe tinha permitido a sobrevivência e não havia solidificado a relação com os novos eleitores – que assim que a estabilidade regressasse ao PSD, tenderiam a voltar ao seu espaço eleitoral. A consequência de mais uma experiência de transformismo ideológico havia sido a perda de velhos eleitores e a não fidelização de novos. A marca CDS/PP pesava e pesa muito, limitando a capacidade de atrair novos eleitorados e alargar o seu espaço político. Com eleições autárquicas à porta e com Cavaco no horizonte, Paulo Portas sabia que o futuro era complicado. Demitiu-se, mas não totalmente. Deixou um partido manifestamente ingovernável, contribuindo com a sua “banda” para dois anos em que se assistitu a um triste espectáculo de degradação da imagem do CDS.

Agora, volta, sem explicar o que é que mudou nas circunstâncias que levaram à sua demissão. Paradoxalmente, do pouco que se percebe, regressa com uma promessa que sugere uma continuidade na estratégia que ele próprio reconheceu ter saído derrotada nas últimas legislativas. Uma estratégia que, a um tempo, atribui ao CDS um papel que Portas pessoalmente deseja mas que o código genético e história do partido não permite assumir (o grande agregador do espaço de centro-direita) e, a outro, assenta numa miragem política (dar voz à direita liberal). É que em Portugal, por muito que definhe eleitoralmente, salvo alguma inesperada ruptura, o PSD continuará a ser o grande partido do centro-direita e por contingências históricas e da estrutura social, não há uma tradição liberal à direita. A opção liberal à direita pode ser muito estimulante para o combate cultural, gerando por exemplo grande entusiasmo na blogoesfera, mas revelar-se-á eleitoralmente trágica. O que, convenhamos, entra em clara contradição com o propósito agora anunciado por Paulo Portas.

No fim, para além das respostas substantivas que continuam por dar, fica a ideia de que Portas regressa quando é mais conveniente para si e para os seus próximos, o que só serve para sublinhar que foi ele o autor moral da campanha interna permanente contra Ribeiro e Castro. Como já havia feito a Manuel Monteiro, Portas, mais uma vez, não olha a meios para atingir os seus fins. Acontece que, como se viu nos últimos dias, antes de conseguir ser “a oposição”, Portas tem de explicar porque razão voltou e o motivo porque não quer deixar Ribeiro e Castro exercer o mandato de que é legítimo detentor.

publicado no Diário Económico.