Quando o melhor é fugir
A decisão do Tribunal de Torres Vedras, condenando o Sargento Luís Gomes a prisão por sequestro tem indignado o País. O caso não é para menos, nele condensam-se não apenas muitas das questões sensíveis em torno da adopção de menores, como também sinais de degradação do sistema judicial português.
Os factos são conhecidos: a criança, que agora completa cinco anos, foi dada, ainda que sem cobertura legal, para adopção quando tinha três meses, tendo sido perfilhada pelo Pai biológico apenas com um ano de idade, sendo que o poder paternal só lhe foi atribuído quando já tinha dois anos e meio. Perante estes factos, o que importava saber é se há alguma razoabilidade em desenraizar-se uma criança aos dois anos e meio, entregando-a a um Pai que, pelo menos durante um ano, andou, no mínimo, dividido entre recusar o nascimento ou duvidar da paternidade. Hoje, com cinco anos, a questão só se agudiza.
Face a este quadro, o Tribunal de Torres Novas, em lugar de se questionar sobre o que teria acontecido à criança se não tivesse aparecido a família adoptiva, preferiu “provar” que o Sargento Luís Gomes e a mulher, ao tratarem-na como filha (algo que os pais biológicos não quiseram fazer), cometeram um conjunto de ilegalidades tão grave que não apenas a tutela desta lhes deve ser retirada, como o melhor ainda é serem presos por sequestro. Esta decisão esquece, contudo, um princípio elementar, que não precisa de estar escrito em nenhuma lei: quando está em causa a responsabilidade pela paternidade, não há lugar para segundas oportunidades – nomeadamente quando a criança já se encontra numa família que lhe proporciona um ambiente saudável. A partir desse momento, a prioridade absoluta deve ser dada aos interesses da criança. Numa criança com dois anos e meio, o que havia a avaliar era se a família adoptiva desempenhava bem o seu papel.
Perante o desenrolar do processo, a família tomou duas decisões. Primeiro, a mãe escondeu-se em parte incerta com a criança. Depois, o pai ofereceu-se à justiça. Foi uma decisão não apenas corajosa, como racional. A alternativa seria desenraizar a criança e envolvê-la num vai e vem de poder paternal que obedeceria aos tempos demasiadamente lentos da justiça e nunca aos tempos do desenvolvimento dos afectos.
O leitor menos céptico dirá – no fim, tudo se resolverá e o mais provável é um Tribunal superior acabar por dar razão à família adoptiva, pelo que o mais acertado teria sido agir em conformidade com as sentenças, entregando a criança ao pai biológico, ficando a aguardar por decisões posteriores. O problema é que, quando chegasse a decisão razoável, seria demasiado tarde, pois há danos que não podem ser ressarcidos – à cabeça, a instabilidade emocional que resultaria para a criança se tal opção tivesse sido tomada.
O caso do Sargento Gomes é mais um exemplo, particularmente mediático é certo, do estado de degradação a que chegou o nosso sistema de justiça. Um sistema com tempos desadequados e com demasiados agentes que fazem dos tribunais palcos para os seus exercícios gratuitos de poder, com total ausência de bom senso e que espelham nas suas sentenças enviesamentos de carácter, condimentados com desconhecimento dos princípios basilares do Estado de Direito, tal como plasmados na Constituição.
Por isso, caro leitor, como fica mais uma vez provado com o caso do Sargento Gomes, dou-lhe um conselho: quando tiver um problema judicial e, se for inocente, não confie no funcionamento da justiça. O melhor que tem a fazer é fugir. Fuja e ganhe tempo; fuja e evite estabelecer contacto com um juiz de primeira instância (pois, infelizmente, nem todos têm doses mínimas de bom senso); fuja e espere por uma decisão sensata de um tribunal superior; fuja e proteja-se a si e à sua família. Trata-se de uma opção não só racional, como avisada. O que não pode deixar de nos recordar que há poucas coisas simultaneamente mais assustadoras e graves para o funcionamento de uma sociedade decente.
publicado no Diário Económico.
Os factos são conhecidos: a criança, que agora completa cinco anos, foi dada, ainda que sem cobertura legal, para adopção quando tinha três meses, tendo sido perfilhada pelo Pai biológico apenas com um ano de idade, sendo que o poder paternal só lhe foi atribuído quando já tinha dois anos e meio. Perante estes factos, o que importava saber é se há alguma razoabilidade em desenraizar-se uma criança aos dois anos e meio, entregando-a a um Pai que, pelo menos durante um ano, andou, no mínimo, dividido entre recusar o nascimento ou duvidar da paternidade. Hoje, com cinco anos, a questão só se agudiza.
Face a este quadro, o Tribunal de Torres Novas, em lugar de se questionar sobre o que teria acontecido à criança se não tivesse aparecido a família adoptiva, preferiu “provar” que o Sargento Luís Gomes e a mulher, ao tratarem-na como filha (algo que os pais biológicos não quiseram fazer), cometeram um conjunto de ilegalidades tão grave que não apenas a tutela desta lhes deve ser retirada, como o melhor ainda é serem presos por sequestro. Esta decisão esquece, contudo, um princípio elementar, que não precisa de estar escrito em nenhuma lei: quando está em causa a responsabilidade pela paternidade, não há lugar para segundas oportunidades – nomeadamente quando a criança já se encontra numa família que lhe proporciona um ambiente saudável. A partir desse momento, a prioridade absoluta deve ser dada aos interesses da criança. Numa criança com dois anos e meio, o que havia a avaliar era se a família adoptiva desempenhava bem o seu papel.
Perante o desenrolar do processo, a família tomou duas decisões. Primeiro, a mãe escondeu-se em parte incerta com a criança. Depois, o pai ofereceu-se à justiça. Foi uma decisão não apenas corajosa, como racional. A alternativa seria desenraizar a criança e envolvê-la num vai e vem de poder paternal que obedeceria aos tempos demasiadamente lentos da justiça e nunca aos tempos do desenvolvimento dos afectos.
O leitor menos céptico dirá – no fim, tudo se resolverá e o mais provável é um Tribunal superior acabar por dar razão à família adoptiva, pelo que o mais acertado teria sido agir em conformidade com as sentenças, entregando a criança ao pai biológico, ficando a aguardar por decisões posteriores. O problema é que, quando chegasse a decisão razoável, seria demasiado tarde, pois há danos que não podem ser ressarcidos – à cabeça, a instabilidade emocional que resultaria para a criança se tal opção tivesse sido tomada.
O caso do Sargento Gomes é mais um exemplo, particularmente mediático é certo, do estado de degradação a que chegou o nosso sistema de justiça. Um sistema com tempos desadequados e com demasiados agentes que fazem dos tribunais palcos para os seus exercícios gratuitos de poder, com total ausência de bom senso e que espelham nas suas sentenças enviesamentos de carácter, condimentados com desconhecimento dos princípios basilares do Estado de Direito, tal como plasmados na Constituição.
Por isso, caro leitor, como fica mais uma vez provado com o caso do Sargento Gomes, dou-lhe um conselho: quando tiver um problema judicial e, se for inocente, não confie no funcionamento da justiça. O melhor que tem a fazer é fugir. Fuja e ganhe tempo; fuja e evite estabelecer contacto com um juiz de primeira instância (pois, infelizmente, nem todos têm doses mínimas de bom senso); fuja e espere por uma decisão sensata de um tribunal superior; fuja e proteja-se a si e à sua família. Trata-se de uma opção não só racional, como avisada. O que não pode deixar de nos recordar que há poucas coisas simultaneamente mais assustadoras e graves para o funcionamento de uma sociedade decente.
publicado no Diário Económico.
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