O clima anti-sindical
Na semana passada, a contestação saiu à rua. Alguns viram nisso um primeiro sinal de que o Governo começava a delapidar a sua popularidade. Mas a manifestação de quinta-feira serviu para revelar duas coisas: que a capacidade de mobilização da CGTP continua forte; e que o actual Governo continua a ter um sério problema na sua relação com o movimento sindical.
Como é sabido, o Governo elegeu o combate aos privilégios corporativos como uma das suas imagens de marca. O fato vestiu bem e mostrou-se popular. Desde o início, entre as várias componentes desta estratégia, surgiu um discurso crítico dos sindicatos, acusados de terem uma postura conservadora.
A confrontação com os sindicatos, que são acusados de defender interesses instalados, tem sido eficaz para que aos olhos do “interesse comum” as medidas do Governo sejam vistas como legítimas. A lógica é simples: enquanto se atacam privilégios relativos de alguns, está-se a defender o interesse de todos. Até porque por cada sindicalizado que se manifesta nas ruas de Lisboa, há três cidadãos que vêem a sua vida infernizada pelo trânsito bloqueado. O resultado é um acentuar da clivagem entre grupos sociais, designadamente entre aqueles que, pela sua situação laboral, se podem manifestar e os restantes, que se encontram numa situação de tal modo precária que já nem têm essa hipótese.
Há razões para que o Governo tenha adoptado esta táctica: os sindicatos andavam a precisar de uma terapia de choque. O problema é que depois do choque é preciso que haja uma estratégia para o movimento sindical. Algo que compete ao partido que sustenta o Governo ter. E, aí, o PS nada têm para oferecer.
O distanciamento do PS em relação ao movimento sindical não é novo. Faz aliás, parte, do código genético do partido – fundado pela vontade de uma elite e sem real enraizamento social, apesar da enorme mobilização eleitoral que gerou logo nas primeiras eleições. Se olharmos para os seus congéneres no mundo ocidental, não encontramos partido de matriz social-democrata ou trabalhista onde a ligação ao movimento sindical seja tão fraca e inorgânica. Contudo, não há nenhuma razão para aceitar este código genético como uma fatalidade.
É que a retórica anti-sindical a que o Governo frequentemente recorre tem vários problemas.
Um primeiro é de competitividade eleitoral: muitas das medidas tomadas pelo executivo de José Sócrates afectam essencialmente o eleitorado tradicional do PS, que se revê do ponto de vista material e simbólico nas reivindicações sindicais. O risco de esse eleitorado se deslocar para os partidos à esquerda do PS é real, sendo que, ultrapassado o problema Santana Lopes, muitos dos que votaram episodicamente socialista podem regressar ao seu espaço natural, o centro-direita. Esse é, contudo, um problema menor, se pensarmos que o que o País precisa que seja feito não é compatível com o objectivo de ganhar eleições.
Mas o ataque ao movimento sindical traz consigo outros problemas, que vão para além de aritméticas eleitorais conjunturais. À cabeça um de qualidade da democracia.
Os sindicatos desempenham um papel muito relevante na intermediação entre o conjunto da sociedade e a esfera política (designadamente nos partidos de esquerda), pelo que a valorização da sua acção e, consequentemente, a aposta na negociação é uma das formas conhecidas de tornar orgânica a representação de interesses sociais – daí a importância dos acordos celebrados no subsídio de desemprego e na segurança social. A alternativa à representação sindical é a pulverização dos interesses e o aumento da fragmentação social. Exactamente o oposto do que Portugal necessita.
Como recordava o insuspeito Paul Krugman, dando voz a uma preocupação emergente no Partido Democrata norte-americano, “entre as políticas públicas que há que mudar encontra-se o clima anti-sindical”. O mesmo é válido para Portugal. É naturalmente legítimo que o actual executivo tenha um discurso contra a agenda dos sindicatos portugueses; o que é preocupante é que o Partido que o suporta se demita de mudar a agenda sindical. José Sócrates tem defendido, e bem, que o próximo Congresso do PS não deve servir para discutir ideologia. Mas uma coisa é não discutir ideologia, outra é abdicar de discutir política. O Governo ganharia, até em eficiência da sua acção, se no próximo congresso o PS discutisse uma estratégia política para o mundo sindical.
publicado no Diário Económico.
Como é sabido, o Governo elegeu o combate aos privilégios corporativos como uma das suas imagens de marca. O fato vestiu bem e mostrou-se popular. Desde o início, entre as várias componentes desta estratégia, surgiu um discurso crítico dos sindicatos, acusados de terem uma postura conservadora.
A confrontação com os sindicatos, que são acusados de defender interesses instalados, tem sido eficaz para que aos olhos do “interesse comum” as medidas do Governo sejam vistas como legítimas. A lógica é simples: enquanto se atacam privilégios relativos de alguns, está-se a defender o interesse de todos. Até porque por cada sindicalizado que se manifesta nas ruas de Lisboa, há três cidadãos que vêem a sua vida infernizada pelo trânsito bloqueado. O resultado é um acentuar da clivagem entre grupos sociais, designadamente entre aqueles que, pela sua situação laboral, se podem manifestar e os restantes, que se encontram numa situação de tal modo precária que já nem têm essa hipótese.
Há razões para que o Governo tenha adoptado esta táctica: os sindicatos andavam a precisar de uma terapia de choque. O problema é que depois do choque é preciso que haja uma estratégia para o movimento sindical. Algo que compete ao partido que sustenta o Governo ter. E, aí, o PS nada têm para oferecer.
O distanciamento do PS em relação ao movimento sindical não é novo. Faz aliás, parte, do código genético do partido – fundado pela vontade de uma elite e sem real enraizamento social, apesar da enorme mobilização eleitoral que gerou logo nas primeiras eleições. Se olharmos para os seus congéneres no mundo ocidental, não encontramos partido de matriz social-democrata ou trabalhista onde a ligação ao movimento sindical seja tão fraca e inorgânica. Contudo, não há nenhuma razão para aceitar este código genético como uma fatalidade.
É que a retórica anti-sindical a que o Governo frequentemente recorre tem vários problemas.
Um primeiro é de competitividade eleitoral: muitas das medidas tomadas pelo executivo de José Sócrates afectam essencialmente o eleitorado tradicional do PS, que se revê do ponto de vista material e simbólico nas reivindicações sindicais. O risco de esse eleitorado se deslocar para os partidos à esquerda do PS é real, sendo que, ultrapassado o problema Santana Lopes, muitos dos que votaram episodicamente socialista podem regressar ao seu espaço natural, o centro-direita. Esse é, contudo, um problema menor, se pensarmos que o que o País precisa que seja feito não é compatível com o objectivo de ganhar eleições.
Mas o ataque ao movimento sindical traz consigo outros problemas, que vão para além de aritméticas eleitorais conjunturais. À cabeça um de qualidade da democracia.
Os sindicatos desempenham um papel muito relevante na intermediação entre o conjunto da sociedade e a esfera política (designadamente nos partidos de esquerda), pelo que a valorização da sua acção e, consequentemente, a aposta na negociação é uma das formas conhecidas de tornar orgânica a representação de interesses sociais – daí a importância dos acordos celebrados no subsídio de desemprego e na segurança social. A alternativa à representação sindical é a pulverização dos interesses e o aumento da fragmentação social. Exactamente o oposto do que Portugal necessita.
Como recordava o insuspeito Paul Krugman, dando voz a uma preocupação emergente no Partido Democrata norte-americano, “entre as políticas públicas que há que mudar encontra-se o clima anti-sindical”. O mesmo é válido para Portugal. É naturalmente legítimo que o actual executivo tenha um discurso contra a agenda dos sindicatos portugueses; o que é preocupante é que o Partido que o suporta se demita de mudar a agenda sindical. José Sócrates tem defendido, e bem, que o próximo Congresso do PS não deve servir para discutir ideologia. Mas uma coisa é não discutir ideologia, outra é abdicar de discutir política. O Governo ganharia, até em eficiência da sua acção, se no próximo congresso o PS discutisse uma estratégia política para o mundo sindical.
publicado no Diário Económico.
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