Uma proposta aventureira
“A oposição não apresenta alternativas”. A frase é tantas vezes repetida que quando a realidade aparenta contrariá-la, gera-se um enorme entusiasmo. Foi assim quando o PSD, após meses de silêncio, anunciou uma reforma para a Segurança Social. Marques Mendes vestia a pele do líder duma oposição “construtiva”. No Estado da Nação, veio a resposta do primeiro-ministro: o PSD chegou tarde. Sobre a bondade da proposta, nem um argumento. Tudo sintomas de degradação do debate político. Tudo porque nem o que o PSD apresentou é uma proposta do que quer que seja – limita-se ao enunciar vago dum princípio; nem é bom princípio responder a más “propostas” com truques parlamentares.
O que diz então o PSD: que concorda com o essencial da reforma do Governo (o factor de sustentabilidade e o período de transição para a fórmula de cálculo), mas propõe acrescentar um plafonamento vertical (i.e. parte das remunerações iria para uma conta individual, fora da lógica de repartição). Assim, o sistema português passaria a ter uma pensão básica para todos os trabalhadores (um sistema público de mínimos), sendo que o complemento dessa pensão resultaria da rentabilidade das contas individuais. Para além deste princípio genérico, pouco mais é dito.
Em algumas declarações fica a saber-se que este regime seria apenas aplicável aos jovens; noutras que para a conta individual iriam 6 a 8 pontos percentuais da taxa social única (o que faz variar brutalmente o impacto financeiro); quanto à conta propriamente dita, ficamos sem conhecer o seu modo de gestão; ficando também sem se saber se a pensão mínima é indexada ou não. Ou seja, apresenta-se um princípio vago e nada é dito sobre a sua concretização.
Mal vai um país quando uma página A4 é considerada uma proposta alternativa de reforma duma área central da governação. Há alturas em que é mesmo preciso fazer as contas, não bastando juntar meia-dúzia de ideias.
No entanto, a vacuidade da proposta do PSD não deve impedir que se discuta a bondade do princípio que lhe está implícito: o plafonamento vertical. E, sejamos claros, independentemente de simpatizarmos com a ideia, há um problema sério de custos de transição dum sistema de repartição puro, como o português, para um misto, como aquele que é enunciado pelo PSD. Podemos achar muito interessante esta mudança, mas para a defendermos há que explicar bem como se pretende pagá-la. A imprecisão da proposta do PSD não permite dizer quanto custa e a solução para o financiamento da transição é insatisfatória.
De acordo com o PSD, a emissão de dívida pública de longo prazo permitiria financiar a transição, até porque a Comissão Europeia não a considera para efeitos de défice excessivo. Dois equívocos sérios. O aumento da dívida pública para financiar a segurança social não é considerado para o défice apenas durante os primeiros 5 anos – ora estamos a falar de custos de transição que rondarão os 30 anos e que em 2030 atingirão cerca de 64 mil milhões de euros – e este exercício limita-se a transferir um problema dum lado para outro: cria despoupança pública para fazer crescer a poupança privada individual.
O PSD contrapõe com uns quantos exemplos estrangeiros, confundindo várias coisas: casos em que a transição foi feita com superavites no sistema, com outros em que se está a falar de plafonamento horizontal e ainda outros em que a maturidade do sistema é fraca, criando condições mais favoráveis para a mudança.
Pelo caminho, esquece um princípio que deve estar presente nas reformas de políticas públicas: os custos associados à mudança para modelos virtuosos podem ser de tal modo elevados que é preferível fazer afinações nas soluções existentes, mesmo que não sejam óptimas. Propor a mudança dos princípios fundadores é um aventureirismo, sobre o qual não se conhece nem os custos, nem o modo como se paga.
Isto é particularmente verdade para Portugal, onde há uma relação quase esquizofrénica com o nosso modelo de pensões. Muitos não gostam da sua natureza – o que é legítimo – e defendem alternativas que nunca conseguem concretizar, dada a impossibilidade de financiar a mudança. A proposta do PSD é apenas mais um exemplo – particularmente pouco sustentado – disto mesmo.
publicado no Diário Económico.
O que diz então o PSD: que concorda com o essencial da reforma do Governo (o factor de sustentabilidade e o período de transição para a fórmula de cálculo), mas propõe acrescentar um plafonamento vertical (i.e. parte das remunerações iria para uma conta individual, fora da lógica de repartição). Assim, o sistema português passaria a ter uma pensão básica para todos os trabalhadores (um sistema público de mínimos), sendo que o complemento dessa pensão resultaria da rentabilidade das contas individuais. Para além deste princípio genérico, pouco mais é dito.
Em algumas declarações fica a saber-se que este regime seria apenas aplicável aos jovens; noutras que para a conta individual iriam 6 a 8 pontos percentuais da taxa social única (o que faz variar brutalmente o impacto financeiro); quanto à conta propriamente dita, ficamos sem conhecer o seu modo de gestão; ficando também sem se saber se a pensão mínima é indexada ou não. Ou seja, apresenta-se um princípio vago e nada é dito sobre a sua concretização.
Mal vai um país quando uma página A4 é considerada uma proposta alternativa de reforma duma área central da governação. Há alturas em que é mesmo preciso fazer as contas, não bastando juntar meia-dúzia de ideias.
No entanto, a vacuidade da proposta do PSD não deve impedir que se discuta a bondade do princípio que lhe está implícito: o plafonamento vertical. E, sejamos claros, independentemente de simpatizarmos com a ideia, há um problema sério de custos de transição dum sistema de repartição puro, como o português, para um misto, como aquele que é enunciado pelo PSD. Podemos achar muito interessante esta mudança, mas para a defendermos há que explicar bem como se pretende pagá-la. A imprecisão da proposta do PSD não permite dizer quanto custa e a solução para o financiamento da transição é insatisfatória.
De acordo com o PSD, a emissão de dívida pública de longo prazo permitiria financiar a transição, até porque a Comissão Europeia não a considera para efeitos de défice excessivo. Dois equívocos sérios. O aumento da dívida pública para financiar a segurança social não é considerado para o défice apenas durante os primeiros 5 anos – ora estamos a falar de custos de transição que rondarão os 30 anos e que em 2030 atingirão cerca de 64 mil milhões de euros – e este exercício limita-se a transferir um problema dum lado para outro: cria despoupança pública para fazer crescer a poupança privada individual.
O PSD contrapõe com uns quantos exemplos estrangeiros, confundindo várias coisas: casos em que a transição foi feita com superavites no sistema, com outros em que se está a falar de plafonamento horizontal e ainda outros em que a maturidade do sistema é fraca, criando condições mais favoráveis para a mudança.
Pelo caminho, esquece um princípio que deve estar presente nas reformas de políticas públicas: os custos associados à mudança para modelos virtuosos podem ser de tal modo elevados que é preferível fazer afinações nas soluções existentes, mesmo que não sejam óptimas. Propor a mudança dos princípios fundadores é um aventureirismo, sobre o qual não se conhece nem os custos, nem o modo como se paga.
Isto é particularmente verdade para Portugal, onde há uma relação quase esquizofrénica com o nosso modelo de pensões. Muitos não gostam da sua natureza – o que é legítimo – e defendem alternativas que nunca conseguem concretizar, dada a impossibilidade de financiar a mudança. A proposta do PSD é apenas mais um exemplo – particularmente pouco sustentado – disto mesmo.
publicado no Diário Económico.
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