Em nome da família
Aldeias que são repovoadas, maternidades que fecham e sustentabilidade da Segurança Social. Nas últimas semanas, a percepção de que Portugal está a envelhecer e que os portugueses têm cada vez menos filhos tem estado no centro da agenda política.
Entretanto, esta ideia foi reforçada pelo estudo do Instituto para as Políticas de Família (uma ONG europeia), amplamente divulgado na semana que passou. No essencial, o IPF vem dizer-nos que a baixa taxa de natalidade é, hoje, um dos problemas mais agudos enfrentados pelas sociedades europeias e que assume contornos particularmente preocupantes nos países da Europa do Sul. Não só os países mediterrâneos apresentam os valores mais baixos do continente, como tiveram evoluções negativas muito acentuadas num curto período. É esta tendência que leva a que Espanha, Itália e Portugal sejam os países europeus onde a percentagem da população com menos de 14 anos é menor – cerca de 15%, quando há pouco mais de vinte anos era de 26%, naquilo que foi o maior decréscimo de toda a UE.
Estas transformações têm um impacto que vai muito para além da esfera familiar – diminuem a capacidade futura dos países para produzir riqueza e abalam as fundações em que assenta o modelo de bem-estar. São transformações tanto mais complexas quanto resultam de factores que são, em si mesmos, positivos: aumento dos níveis de escolaridade, adiamento da entrada no mercado de trabalho e, consequentemente, da transição para a vida adulta; crescimento da taxa de emprego feminina; liberalização dos costumes e autonomização da sexualidade.
Não devemos, no entanto, aceitar como uma fatalidade o envelhecimento da Europa. Numa altura em que há um cepticismo generalizado sobre a capacidade das políticas públicas para transformar a sociedade, eis uma área onde o Estado pode fazer algo, conciliando crescimento da natalidade com as transformações sociais que ocorreram nas últimas décadas. Não se trata de desenvolver políticas que promovam um regresso a modelo de família anacrónico, mas, sim, de dar condições para que a constituição de família não colida com “forças irresistíveis”, à cabeça, a participação feminina no mercado de trabalho.
É aqui que reside o essencial das causas para a baixa da natalidade: não podemos ter um mercado de trabalho que promove, cada vez mais, a flexibilidade e a mobilidade (regional e de empregos) e um modelo de família que bloqueie essa dinâmica. Se continuarmos por esse caminho, o resultado será necessariamente a perpetuação de um ‘trade-off’ em que a família tem saído perdedora e com ela a capacidade futura de produzir riqueza.
Como sabemos através dos bons exemplos dos nossos parceiros europeus, não é por existir uma maternidade em cada esquina, nem por a política fiscal ou os descontos para a Segurança Social incentivarem a natalidade que os europeus têm mais filhos. O que faz toda a diferença é a existência de uma rede de serviços à família desenvolvida, da primeira infância ao ensino secundário, com preços sociais, e com horários sensíveis à participação dos pais no mercado de trabalho.
Não por acaso, o estudo do IPF confirma também que são os países da Europa do Sul aqueles onde menos se gasta em políticas de família – de 0,5% do PIB no caso espanhol até cerca de 1% para Itália e Portugal. Isto num contexto em que a média europeia é de mais do dobro, ainda assim longe dos cerca de 4% do PIB que os países escandinavos destinam a esta área das políticas públicas. Ou seja, há uma relação entre o que um país gasta em políticas de família e a variação da taxa de natalidade.
Este imobilismo das políticas públicas assenta, aliás, num velho paradoxo: quanto maior é a naturalização do papel da família, menor é a tendência para as políticas públicas investirem no apoio à família. Foi o historial de responsabilização da família como rede de apoio que fez com que, ao longo de décadas, os países da Europa do Sul tenham negligenciado esta área. Por estranho que possa parecer, a invocação da família ajudou Portugal a ficar numa das piores situações em termos de natalidade. É, por isso, importante que a retórica sobre a família seja substituída por políticas que, de facto, a apoiem.
artigo publicado no Diário Económico
Entretanto, esta ideia foi reforçada pelo estudo do Instituto para as Políticas de Família (uma ONG europeia), amplamente divulgado na semana que passou. No essencial, o IPF vem dizer-nos que a baixa taxa de natalidade é, hoje, um dos problemas mais agudos enfrentados pelas sociedades europeias e que assume contornos particularmente preocupantes nos países da Europa do Sul. Não só os países mediterrâneos apresentam os valores mais baixos do continente, como tiveram evoluções negativas muito acentuadas num curto período. É esta tendência que leva a que Espanha, Itália e Portugal sejam os países europeus onde a percentagem da população com menos de 14 anos é menor – cerca de 15%, quando há pouco mais de vinte anos era de 26%, naquilo que foi o maior decréscimo de toda a UE.
Estas transformações têm um impacto que vai muito para além da esfera familiar – diminuem a capacidade futura dos países para produzir riqueza e abalam as fundações em que assenta o modelo de bem-estar. São transformações tanto mais complexas quanto resultam de factores que são, em si mesmos, positivos: aumento dos níveis de escolaridade, adiamento da entrada no mercado de trabalho e, consequentemente, da transição para a vida adulta; crescimento da taxa de emprego feminina; liberalização dos costumes e autonomização da sexualidade.
Não devemos, no entanto, aceitar como uma fatalidade o envelhecimento da Europa. Numa altura em que há um cepticismo generalizado sobre a capacidade das políticas públicas para transformar a sociedade, eis uma área onde o Estado pode fazer algo, conciliando crescimento da natalidade com as transformações sociais que ocorreram nas últimas décadas. Não se trata de desenvolver políticas que promovam um regresso a modelo de família anacrónico, mas, sim, de dar condições para que a constituição de família não colida com “forças irresistíveis”, à cabeça, a participação feminina no mercado de trabalho.
É aqui que reside o essencial das causas para a baixa da natalidade: não podemos ter um mercado de trabalho que promove, cada vez mais, a flexibilidade e a mobilidade (regional e de empregos) e um modelo de família que bloqueie essa dinâmica. Se continuarmos por esse caminho, o resultado será necessariamente a perpetuação de um ‘trade-off’ em que a família tem saído perdedora e com ela a capacidade futura de produzir riqueza.
Como sabemos através dos bons exemplos dos nossos parceiros europeus, não é por existir uma maternidade em cada esquina, nem por a política fiscal ou os descontos para a Segurança Social incentivarem a natalidade que os europeus têm mais filhos. O que faz toda a diferença é a existência de uma rede de serviços à família desenvolvida, da primeira infância ao ensino secundário, com preços sociais, e com horários sensíveis à participação dos pais no mercado de trabalho.
Não por acaso, o estudo do IPF confirma também que são os países da Europa do Sul aqueles onde menos se gasta em políticas de família – de 0,5% do PIB no caso espanhol até cerca de 1% para Itália e Portugal. Isto num contexto em que a média europeia é de mais do dobro, ainda assim longe dos cerca de 4% do PIB que os países escandinavos destinam a esta área das políticas públicas. Ou seja, há uma relação entre o que um país gasta em políticas de família e a variação da taxa de natalidade.
Este imobilismo das políticas públicas assenta, aliás, num velho paradoxo: quanto maior é a naturalização do papel da família, menor é a tendência para as políticas públicas investirem no apoio à família. Foi o historial de responsabilização da família como rede de apoio que fez com que, ao longo de décadas, os países da Europa do Sul tenham negligenciado esta área. Por estranho que possa parecer, a invocação da família ajudou Portugal a ficar numa das piores situações em termos de natalidade. É, por isso, importante que a retórica sobre a família seja substituída por políticas que, de facto, a apoiem.
artigo publicado no Diário Económico
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