Entre o alarmismo e o fetichismo
As declarações do ministro das Finanças, no último Prós e Contras, afirmando que “daqui a dez anos não há dinheiro para pagar as reformas”, trouxeram de novo para a agenda mediática a sustentabilidade da segurança social. De tempos a tempos, isto acontece mas quase invariavelmente com maus resultados. De cada vez que é notícia a tão propalada falência da segurança social, logo se produzem dois efeitos. Primeiro, uma disputa ideológica estéril, que enviesa a discussão e centra-a em aspectos fetichistas, levando a que se erre na identificação dos problemas que de facto existem. Depois, um alarmismo social que está longe de ser bom conselheiro.
Convenhamos que é natural que assim seja. A área social é um local privilegiado para a formação de poder, na medida em que nela se cruzam necessidades vitais (o trabalho e a segurança) com os discursos eminentemente ideológicos. Quando a indiferenciação política é crescente em outras áreas centrais das políticas públicas e quando a autonomia da política doméstica vai também diminuindo, designadamente por força da integração europeia, é natural que as áreas sociais sejam usadas como espaços para o contraste político. Pese embora todos os constrangimentos e pressões externas, a política social continua a ser essencialmente da esfera de competência dos Estados nacionais.
É este contexto que leva a discussões frequentemente extremadas, resvalando para discursos fetichistas que, ao mesmo tempo que possibilitam a consolidação de posições político-ideológicas, falham na identificação dos problemas e na definição de estratégias para os superar. Dois exemplos típicos disto são, à esquerda, a responsabilização de uma suposta globalização neo-liberal por todos os males e, à direita, a opção pela privatização como panaceia milagrosa. Ora é sabido, por um lado, que os problemas que enfrentam os regimes de segurança social radicam essencialmente em factores endógenos, designadamente na forma como culturas político-institucionais se entrecruzam com dinâmicas dos mercados de trabalho e evoluções demográficas; e, por outro, que a opção privatizadora não apenas tem custos de transição insustentáveis, como só é concretizável num quadro de autoritarismo político, em que os pontos de veto democráticos são inexistentes e onde a contestação social e política é reprimida (não por acaso, foi no Chile de Pinochet que mais longe se foi nesta opção).
Mas, para além dos enviesamentos ideológicos, está o alarmismo social. De cada vez que se fala dos riscos futuros da segurança social, é dada uma machadada na própria sustentabilidade do sistema. Quando é um agente com responsabilidades políticas a fazê-lo, o que acontece é que, ainda que indirectamente, há um desincentivo ao esforço contributivo. Porque razão devem os cidadãos e as empresas contribuir para um sistema que, a crer nos próprios responsáveis políticos, não é sustentável? Que vantagens terão no futuro aqueles que agora descontam?
Isto é tanto mais problemático quando um dos problemas mais sérios que o sistema português enfrenta é a evasão contributiva, que assume valores incomparavelmente superiores aos dos nossos parceiros europeus e que tem funcionado como amortecedor para a nossa economia. Ora este problema resolve-se também com um discurso de confiança no sistema, acompanhado, naturalmente, por uma aposta nos mecanismos de regularização e de combate à fraude contributiva e prestacional.
O que não quer dizer que se deva escamotear a verdade e fingir que não há sérios problemas de sustentabilidade financeira. O que importa é que, ao fazê-lo, se sublinhem sempre as formas de tornar viável a segurança social. Antes de mais, introduzindo um discurso de confiança e, depois, sublinhando que os problemas não se resolvem através de grandes rupturas, mas, sim, com gradualismo e realismo, recalibrando o sistema.
Para salvar a segurança social, serve de pouco lutar contra moinhos de vento ideológicos ou acenar com panaceias milagrosas. A melhor forma de o fazer é prosseguir com pequenos passos: designadamente, aumentando a eficácia administrativa, combatendo a fraude; alterando a fórmula de cálculo das pensões, evitando manipulações do sistema; limitando os valores das pensões mais elevadas, introduzindo equidade; promovendo o envelhecimento activo, estimulando a contributividade; e, claro, com abertura e criatividade na busca de novas soluções para o financiamento, de que é exemplo a afectação de 50% cento do aumento do IVA ao sistema.
publicado no Diário Económico
Convenhamos que é natural que assim seja. A área social é um local privilegiado para a formação de poder, na medida em que nela se cruzam necessidades vitais (o trabalho e a segurança) com os discursos eminentemente ideológicos. Quando a indiferenciação política é crescente em outras áreas centrais das políticas públicas e quando a autonomia da política doméstica vai também diminuindo, designadamente por força da integração europeia, é natural que as áreas sociais sejam usadas como espaços para o contraste político. Pese embora todos os constrangimentos e pressões externas, a política social continua a ser essencialmente da esfera de competência dos Estados nacionais.
É este contexto que leva a discussões frequentemente extremadas, resvalando para discursos fetichistas que, ao mesmo tempo que possibilitam a consolidação de posições político-ideológicas, falham na identificação dos problemas e na definição de estratégias para os superar. Dois exemplos típicos disto são, à esquerda, a responsabilização de uma suposta globalização neo-liberal por todos os males e, à direita, a opção pela privatização como panaceia milagrosa. Ora é sabido, por um lado, que os problemas que enfrentam os regimes de segurança social radicam essencialmente em factores endógenos, designadamente na forma como culturas político-institucionais se entrecruzam com dinâmicas dos mercados de trabalho e evoluções demográficas; e, por outro, que a opção privatizadora não apenas tem custos de transição insustentáveis, como só é concretizável num quadro de autoritarismo político, em que os pontos de veto democráticos são inexistentes e onde a contestação social e política é reprimida (não por acaso, foi no Chile de Pinochet que mais longe se foi nesta opção).
Mas, para além dos enviesamentos ideológicos, está o alarmismo social. De cada vez que se fala dos riscos futuros da segurança social, é dada uma machadada na própria sustentabilidade do sistema. Quando é um agente com responsabilidades políticas a fazê-lo, o que acontece é que, ainda que indirectamente, há um desincentivo ao esforço contributivo. Porque razão devem os cidadãos e as empresas contribuir para um sistema que, a crer nos próprios responsáveis políticos, não é sustentável? Que vantagens terão no futuro aqueles que agora descontam?
Isto é tanto mais problemático quando um dos problemas mais sérios que o sistema português enfrenta é a evasão contributiva, que assume valores incomparavelmente superiores aos dos nossos parceiros europeus e que tem funcionado como amortecedor para a nossa economia. Ora este problema resolve-se também com um discurso de confiança no sistema, acompanhado, naturalmente, por uma aposta nos mecanismos de regularização e de combate à fraude contributiva e prestacional.
O que não quer dizer que se deva escamotear a verdade e fingir que não há sérios problemas de sustentabilidade financeira. O que importa é que, ao fazê-lo, se sublinhem sempre as formas de tornar viável a segurança social. Antes de mais, introduzindo um discurso de confiança e, depois, sublinhando que os problemas não se resolvem através de grandes rupturas, mas, sim, com gradualismo e realismo, recalibrando o sistema.
Para salvar a segurança social, serve de pouco lutar contra moinhos de vento ideológicos ou acenar com panaceias milagrosas. A melhor forma de o fazer é prosseguir com pequenos passos: designadamente, aumentando a eficácia administrativa, combatendo a fraude; alterando a fórmula de cálculo das pensões, evitando manipulações do sistema; limitando os valores das pensões mais elevadas, introduzindo equidade; promovendo o envelhecimento activo, estimulando a contributividade; e, claro, com abertura e criatividade na busca de novas soluções para o financiamento, de que é exemplo a afectação de 50% cento do aumento do IVA ao sistema.
publicado no Diário Económico
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