O que está em causa
É invariavelmente assim: quando há eleições autárquicas, as oposições aproveitam para fazer do acto eleitoral um momento de avaliação do executivo. Já o Governo – qualquer que seja – tende a transformar as eleições em 308 escolhas, onde o que conta são, acima de tudo, dinâmicas locais, impossíveis de extrapolar para o conjunto do país. Nesta, como em muitas outras matérias, as duas partes têm razão e nenhuma tem razão. As eleições autárquicas servem para avaliar da popularidade do Governo, mas são também, inequivocamente, 308 disputas locais, de cujos resultados é difícil extrair linearmente uma leitura nacional. Mas isso é o que em condições normais seria alvo de leituras políticas. Será também assim no próximo Domingo?
É trágico, mas trinta anos após o 25 de Abril, nas próximas eleições autárquicas o mais importante não é nem a avaliação da popularidade do Governo, nem as 308 disputas concelhias. O que está em causa é, acima de tudo, uma escolha conjunta dos portugueses sobre a democracia que querem e o tipo de políticos que desejam.
O poder local é uma das principais conquistas da democracia portuguesa. Em trinta anos, pelo País fora, foi possível encontrar milhares de autarcas que, com enorme generosidade, deram (e dão) o melhor de si e, principalmente, se revelaram capazes de mobilizar energias e recursos para transformar Portugal – o que na ausência de governos locais, pura e simplesmente, não teria acontecido com a mesma intensidade. Mas se o poder autárquico é parte fundamental da herança democrática, é, hoje, em muitas casos, um factor de descredibilização do próprio regime e dos princípios em que este assenta. Porventura, em nenhumas eleições autárquicas este facto foi tão claro como nas do próximo Domingo.
Para além da avaliação da “obra” e, como se usa dizer, do modelo de desenvolvimento seguido – que gostemos ou não, é matéria da escolha legítima – há três outros aspectos que, corporizando-se de modo particularmente visível no poder autárquico, representam uma degradação da democracia e serão alvo de escrutínio no Domingo.
Em primeiro lugar, a frequente incapacidade dos partidos, ao nível concelhio, para mobilizarem os sectores mais dinâmicos da sociedade – o que leva a um afastamento crescente dos cidadãos da vida partidária. Muitas das vezes, e especialmente nas estruturas locais, os partidos têm lógicas de recrutamento e de reprodução do poder perversas que, em lugar de mobilizarem, afastam e promovem a mediocridade. A consequência deste fechamento é a escolha de candidatos autárquicos que nada representam para os eleitores e que resultam apenas de lutas intestinas e claustrófobicas.
Depois, a tendência para a despolitização das eleições, bem visível em muitas campanhas que, despidas de qualquer linguagem política, valorizam aspectos neutros (por ex. a capacidade de trabalho e a honestidade), como se as escolhas autárquicas não tivessem um sentido político. Esta desvalorização da actividade política pelos seus próprios agentes é um autêntico “cavalo de Tróia” da demagogia.
E, ainda, o populismo de pendor caudilhista e o caciquismo – frequentemente temperados com afrontas ao Estado de direito – que hoje fazem parte da agenda de muitos presidentes de Câmara. Pelo País fora, nuns casos com mais mediatismo noutros com menos e de todas as cores partidárias, os exemplos de degradação populista da democracia pululam.
É por tudo isto que o que está em causa nas próximas eleições autárquicas é, também, a nossa responsabilidade colectiva enquanto cidadãos de contrariar a degradação da democracia nas suas várias formas. Tal implica votar, em cada concelho, nas candidaturas que revelem abertura à sociedade, que assentem em opções claras – não se escondendo na despolitização da actividade política – e, finalmente, que contrariem o populismo, a demagogia e os ataques ao Estado de Direito. Votar assim significa, naturalmente, votar em partidos diferentes consoante o concelho. Se os portugueses assim o fizerem, estarão a dar um voto de confiança na democracia e a ajudar aqueles que, em todos os partidos, combatem a tendência para a descredibilização do sistema.
publicado no Diário Económico.
É trágico, mas trinta anos após o 25 de Abril, nas próximas eleições autárquicas o mais importante não é nem a avaliação da popularidade do Governo, nem as 308 disputas concelhias. O que está em causa é, acima de tudo, uma escolha conjunta dos portugueses sobre a democracia que querem e o tipo de políticos que desejam.
O poder local é uma das principais conquistas da democracia portuguesa. Em trinta anos, pelo País fora, foi possível encontrar milhares de autarcas que, com enorme generosidade, deram (e dão) o melhor de si e, principalmente, se revelaram capazes de mobilizar energias e recursos para transformar Portugal – o que na ausência de governos locais, pura e simplesmente, não teria acontecido com a mesma intensidade. Mas se o poder autárquico é parte fundamental da herança democrática, é, hoje, em muitas casos, um factor de descredibilização do próprio regime e dos princípios em que este assenta. Porventura, em nenhumas eleições autárquicas este facto foi tão claro como nas do próximo Domingo.
Para além da avaliação da “obra” e, como se usa dizer, do modelo de desenvolvimento seguido – que gostemos ou não, é matéria da escolha legítima – há três outros aspectos que, corporizando-se de modo particularmente visível no poder autárquico, representam uma degradação da democracia e serão alvo de escrutínio no Domingo.
Em primeiro lugar, a frequente incapacidade dos partidos, ao nível concelhio, para mobilizarem os sectores mais dinâmicos da sociedade – o que leva a um afastamento crescente dos cidadãos da vida partidária. Muitas das vezes, e especialmente nas estruturas locais, os partidos têm lógicas de recrutamento e de reprodução do poder perversas que, em lugar de mobilizarem, afastam e promovem a mediocridade. A consequência deste fechamento é a escolha de candidatos autárquicos que nada representam para os eleitores e que resultam apenas de lutas intestinas e claustrófobicas.
Depois, a tendência para a despolitização das eleições, bem visível em muitas campanhas que, despidas de qualquer linguagem política, valorizam aspectos neutros (por ex. a capacidade de trabalho e a honestidade), como se as escolhas autárquicas não tivessem um sentido político. Esta desvalorização da actividade política pelos seus próprios agentes é um autêntico “cavalo de Tróia” da demagogia.
E, ainda, o populismo de pendor caudilhista e o caciquismo – frequentemente temperados com afrontas ao Estado de direito – que hoje fazem parte da agenda de muitos presidentes de Câmara. Pelo País fora, nuns casos com mais mediatismo noutros com menos e de todas as cores partidárias, os exemplos de degradação populista da democracia pululam.
É por tudo isto que o que está em causa nas próximas eleições autárquicas é, também, a nossa responsabilidade colectiva enquanto cidadãos de contrariar a degradação da democracia nas suas várias formas. Tal implica votar, em cada concelho, nas candidaturas que revelem abertura à sociedade, que assentem em opções claras – não se escondendo na despolitização da actividade política – e, finalmente, que contrariem o populismo, a demagogia e os ataques ao Estado de Direito. Votar assim significa, naturalmente, votar em partidos diferentes consoante o concelho. Se os portugueses assim o fizerem, estarão a dar um voto de confiança na democracia e a ajudar aqueles que, em todos os partidos, combatem a tendência para a descredibilização do sistema.
publicado no Diário Económico.
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