Consequências à esquerda
A candidatura de Mário Soares teve, num primeiro momento, o efeito de mostrar que Cavaco Silva estava longe de ter uma avenida aberta até Belém. De repente, o que parecia uma eleição irremediavelmente perdida para a esquerda deixou de o ser. Com Soares na corrida, foi Cavaco Silva que passou a ter de recuperar terreno. Mas, os primeiros momentos rapidamente passam. Com a pulverização de candidaturas à esquerda o cenário pode mudar de novo.
Hoje, o que importa saber é se a existência de um candidato do PCP e outro do BE são úteis para derrotar Cavaco. Será que estes candidatos podem contribuir para a mobilização do eleitorado de esquerda, fazendo o essencial do discurso contra-Cavaco e permitindo a Mário Soares um regresso ao seu posicionamento tradicional, mais ao centro-esquerda? Ou, pelo contrário, a unidade em torno de um candidato único à direita, face à pulverização à esquerda, favorecerá Cavaco Silva? A este propósito, é importante lembrar duas ou três coisas.
Em primeiro lugar, há que contar com a despolitização crescente do País. Os sintomas de desafectação dos portugueses face à política são crescentes, o que leva a que, cada vez menos, exista disponibilidade para ouvir falar de política, “aturar” campanhas eleitorais e eleições. Este contexto ajudará a tornar a existência de uma segunda volta muito improvável. Os portugueses quererão resolver a eleição de uma só vez, até porque a opção é, efectivamente, entre dois candidatos.
Em segundo lugar, como chamou a atenção Pedro Magalhães (www.margensdeerro.blogspot.com), em 1986, altura em que à esquerda houve três candidatos contra um à direita, a soma dos votos nesses três candidatos foi inferior à soma dos votos dos partidos que os apoiavam nas legislativas imediatamente anteriores. Ou seja, na primeira volta das presidenciais de 1986, Soares, Zenha e Pintasilgo tiveram menos votos do que PS, PRD e PCP nas legislativas de 1985. A este facto há que somar o que aconteceu nas legislativas de 1995 e nas presidenciais de 1996. Também nessa altura, e quando a sua imagem estava longe da de hoje, Cavaco somou mais votos aos resultados dos partidos de direita do que Sampaio à esquerda. Em Janeiro, findo o “estado de graça” do actual governo, a maioria de votos dos partidos de esquerda nas últimas legislativas - que foi esmagadora - dificilmente será apropriada pelos candidatos de esquerda.
Em terceiro lugar, a existência de um candidato à direita e de três à esquerda ajuda a que o candidato de direita se posicione para lá dos partidos que o apoiam, ao mesmo tempo que os candidatos de esquerda surgem como prolongamento de cada um dos três partidos. Aceitando que os portugueses tendem a escolher para presidente alguém com independência partidária, a pulverização de candidatos não é de todo útil à vitória da esquerda.
Mas, no essencial, o que as candidaturas de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã nos dizem é que estão no terreno para se marcarem mutuamente. O objectivo já não é, nem derrotar Cavaco, nem mobilizar o eleitorado de esquerda. Pelo contrário, o principal propósito dos dois candidatos é impedir que num caso o BE e noutro o PCP ocupem a agenda da política doméstica. Desse ponto de vista, o BE tem especiais responsabilidades. É que em lugar de revelar a sua suposta modernidade, apoiando à primeira volta um candidato ganhador, optou por retomar a postura de que é um partido de fora do sistema, revelando a sua irresponsabilidade perante uma eventual vitória de Cavaco. A replicação pelo BE da táctica tradicional do PCP terá, além do mais, o condão de obrigar a que os candidatos de ambos os partidos não desistam, sob pena de perderem definitivamente a face. O erro está feito, pelo que, daqui para a frente, PCP e BE estarão confrontados com uma de duas hipóteses: ou contribuem para a vitória de Cavaco e para o esfrangalhamento da esquerda ou repetem o velho truque da desistência. Em qualquer dos casos serão actores numa farsa.
É por isso que depois de com a disponibilidade corajosa de Mário Soares a esquerda ter ganho vantagem na corrida para Belém, nas últimas semanas, com as candidaturas de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã e, essencialmente, com o espiral de declarações de ambos, assumindo o compromisso de irem até ao fim, Cavaco, enquanto se esconde em mais um tabu, tem, sem ter ido a jogo, marcado pontos.
publicado no Diário Económico.
Hoje, o que importa saber é se a existência de um candidato do PCP e outro do BE são úteis para derrotar Cavaco. Será que estes candidatos podem contribuir para a mobilização do eleitorado de esquerda, fazendo o essencial do discurso contra-Cavaco e permitindo a Mário Soares um regresso ao seu posicionamento tradicional, mais ao centro-esquerda? Ou, pelo contrário, a unidade em torno de um candidato único à direita, face à pulverização à esquerda, favorecerá Cavaco Silva? A este propósito, é importante lembrar duas ou três coisas.
Em primeiro lugar, há que contar com a despolitização crescente do País. Os sintomas de desafectação dos portugueses face à política são crescentes, o que leva a que, cada vez menos, exista disponibilidade para ouvir falar de política, “aturar” campanhas eleitorais e eleições. Este contexto ajudará a tornar a existência de uma segunda volta muito improvável. Os portugueses quererão resolver a eleição de uma só vez, até porque a opção é, efectivamente, entre dois candidatos.
Em segundo lugar, como chamou a atenção Pedro Magalhães (www.margensdeerro.blogspot.com), em 1986, altura em que à esquerda houve três candidatos contra um à direita, a soma dos votos nesses três candidatos foi inferior à soma dos votos dos partidos que os apoiavam nas legislativas imediatamente anteriores. Ou seja, na primeira volta das presidenciais de 1986, Soares, Zenha e Pintasilgo tiveram menos votos do que PS, PRD e PCP nas legislativas de 1985. A este facto há que somar o que aconteceu nas legislativas de 1995 e nas presidenciais de 1996. Também nessa altura, e quando a sua imagem estava longe da de hoje, Cavaco somou mais votos aos resultados dos partidos de direita do que Sampaio à esquerda. Em Janeiro, findo o “estado de graça” do actual governo, a maioria de votos dos partidos de esquerda nas últimas legislativas - que foi esmagadora - dificilmente será apropriada pelos candidatos de esquerda.
Em terceiro lugar, a existência de um candidato à direita e de três à esquerda ajuda a que o candidato de direita se posicione para lá dos partidos que o apoiam, ao mesmo tempo que os candidatos de esquerda surgem como prolongamento de cada um dos três partidos. Aceitando que os portugueses tendem a escolher para presidente alguém com independência partidária, a pulverização de candidatos não é de todo útil à vitória da esquerda.
Mas, no essencial, o que as candidaturas de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã nos dizem é que estão no terreno para se marcarem mutuamente. O objectivo já não é, nem derrotar Cavaco, nem mobilizar o eleitorado de esquerda. Pelo contrário, o principal propósito dos dois candidatos é impedir que num caso o BE e noutro o PCP ocupem a agenda da política doméstica. Desse ponto de vista, o BE tem especiais responsabilidades. É que em lugar de revelar a sua suposta modernidade, apoiando à primeira volta um candidato ganhador, optou por retomar a postura de que é um partido de fora do sistema, revelando a sua irresponsabilidade perante uma eventual vitória de Cavaco. A replicação pelo BE da táctica tradicional do PCP terá, além do mais, o condão de obrigar a que os candidatos de ambos os partidos não desistam, sob pena de perderem definitivamente a face. O erro está feito, pelo que, daqui para a frente, PCP e BE estarão confrontados com uma de duas hipóteses: ou contribuem para a vitória de Cavaco e para o esfrangalhamento da esquerda ou repetem o velho truque da desistência. Em qualquer dos casos serão actores numa farsa.
É por isso que depois de com a disponibilidade corajosa de Mário Soares a esquerda ter ganho vantagem na corrida para Belém, nas últimas semanas, com as candidaturas de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã e, essencialmente, com o espiral de declarações de ambos, assumindo o compromisso de irem até ao fim, Cavaco, enquanto se esconde em mais um tabu, tem, sem ter ido a jogo, marcado pontos.
publicado no Diário Económico.
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