É o mercado, estúpido!
A compra da Media Capital pelo grupo espanhol Prisa tem sido um exemplo paradigmático da forma como aqueles que, entre nós, defendem em abstracto o mercado se comportam quando este funciona contrariando as suas agendas. No fundo, a situação não é muito diferente da dos clubes de futebol que são favoráveis ao sorteio dos árbitros, mas assim que lhes sai um árbitro menos simpático, logo se apressam a sublinhar as virtudes das nomeações.
É neste contexto que, para além da discussão jurídica sobre a renovação das licenças de televisão à SIC e à TVI, têm surgido, no debate político, dois tipos de argumentos sobre os riscos da entrada no mercado nacional do grupo espanhol. O facto de Marques Mendes – certamente influenciado pela sua experiência de tutela da comunicação social durante os governos de Cavaco Silva – ter feito do assunto preocupação política amplificou o tema.
Um primeiro argumento, mais caricato, afirma que a TVI tem sido, durante a era Moniz, o verdadeiro contrapoder na sociedade e na política portuguesa (ao regime ou à conjuntura, não se chega a perceber). Onde existe o telelixo e a informação populista – que, com frequência, atenta contra liberdades individuais e a dignidade humana – quem defende este argumento vê na TVI, designadamente nos seus telejornais, um sinal de democratização do acesso aos meios de comunicação social, com o qual, naturalmente, as elites convivem mal. Entre outros problemas, este argumento tem o de confundir massificação com democracia, esquecendo que esta depende mais do pluralismo e da garantia de direitos do que de ser popular e, no caso dos media, apresentar grandes audiências. Se a entrada da Prisa significar, como tem sido dito, a transformação da TVI numa televisão com informação de referência, quem ganha são os portugueses e o seu exercício de cidadania. É natural que este facto crie desconforto a quem tem beneficiado politicamente com a informação tablóide.
Um segundo argumento assenta na alegada proximidade entre o grupo Prisa e o PSOE. De tantas vezes repetida, esta asserção levou a que, no espaço de poucas semanas, o El País tenha passado de jornal de referência a pasquim ao serviço dos socialistas espanhóis. Verdadeiramente espantoso. É que dizer que o El País é um jornal do PSOE é o mesmo que afirmar que o Guardian e o Independent são do Labour; o Daily Telegraph e o Times dos Convervadores; o Figaro da UMP; o Le Monde do PSF ou até, pensando no caso português, que o Expresso e a SIC são do PSD, tendo em conta que o seu principal accionista é militante número um deste partido. No fundo, trata-se de confundir posicionamentos ideológicos dos meios de comunicação social com alinhamentos político-partidários.
É que sendo verdade que na maior parte das democracias institucionalizadas o alinhamento ideológico e político dos órgãos de comunicação social é assumido (uns são de centro-esquerda outros de centro-direita), este não se traduz em alinhamento partidário. Em Portugal, pelo contrário, aquilo a que assistimos frequentemente é a uma relação esquizofrénica dos meios de comunicação social com o seu público. Os media proclamam a sua isenção e ao mesmo tempo têm agendas ideológicas implícitas ou, em versões mais extremas, à segunda e terça-feira têm uma agenda para à quarta e quinta terem outra – o que só gera equívocos. Não ganharíamos, por isso, todos em saber com que linhas se cose a informação que nos é dada? Não é a clarificação ideológica da comunicação social preferível a uma independência que é, inevitavelmente, artificial? Claro que nada disto, como os exemplos que vêm de fora mostram (pense-se no caso do El País), implica que um jornal de centro-esquerda seja caixa de ressonância de um partido do mesmo espaço político ou que um de centro-direita cumpra o mesmo objectivo face a um partido da sua área ideológica.
A entrada no mercado português do grupo Prisa pode ter, entre outras virtudes, a de contribuir para clarificar o espaço dos media em Portugal, aumentando o seu pluralismo e, espera-se, transformando uma informação tablóide em informação de referência. Que tenha sido o mercado a prosseguir esse objectivo é que não deixa de causar desconforto a todos os que defendem a sua acção, mas apenas quando os resultados lhes são favoráveis.
publicado no Diário Económico.
É neste contexto que, para além da discussão jurídica sobre a renovação das licenças de televisão à SIC e à TVI, têm surgido, no debate político, dois tipos de argumentos sobre os riscos da entrada no mercado nacional do grupo espanhol. O facto de Marques Mendes – certamente influenciado pela sua experiência de tutela da comunicação social durante os governos de Cavaco Silva – ter feito do assunto preocupação política amplificou o tema.
Um primeiro argumento, mais caricato, afirma que a TVI tem sido, durante a era Moniz, o verdadeiro contrapoder na sociedade e na política portuguesa (ao regime ou à conjuntura, não se chega a perceber). Onde existe o telelixo e a informação populista – que, com frequência, atenta contra liberdades individuais e a dignidade humana – quem defende este argumento vê na TVI, designadamente nos seus telejornais, um sinal de democratização do acesso aos meios de comunicação social, com o qual, naturalmente, as elites convivem mal. Entre outros problemas, este argumento tem o de confundir massificação com democracia, esquecendo que esta depende mais do pluralismo e da garantia de direitos do que de ser popular e, no caso dos media, apresentar grandes audiências. Se a entrada da Prisa significar, como tem sido dito, a transformação da TVI numa televisão com informação de referência, quem ganha são os portugueses e o seu exercício de cidadania. É natural que este facto crie desconforto a quem tem beneficiado politicamente com a informação tablóide.
Um segundo argumento assenta na alegada proximidade entre o grupo Prisa e o PSOE. De tantas vezes repetida, esta asserção levou a que, no espaço de poucas semanas, o El País tenha passado de jornal de referência a pasquim ao serviço dos socialistas espanhóis. Verdadeiramente espantoso. É que dizer que o El País é um jornal do PSOE é o mesmo que afirmar que o Guardian e o Independent são do Labour; o Daily Telegraph e o Times dos Convervadores; o Figaro da UMP; o Le Monde do PSF ou até, pensando no caso português, que o Expresso e a SIC são do PSD, tendo em conta que o seu principal accionista é militante número um deste partido. No fundo, trata-se de confundir posicionamentos ideológicos dos meios de comunicação social com alinhamentos político-partidários.
É que sendo verdade que na maior parte das democracias institucionalizadas o alinhamento ideológico e político dos órgãos de comunicação social é assumido (uns são de centro-esquerda outros de centro-direita), este não se traduz em alinhamento partidário. Em Portugal, pelo contrário, aquilo a que assistimos frequentemente é a uma relação esquizofrénica dos meios de comunicação social com o seu público. Os media proclamam a sua isenção e ao mesmo tempo têm agendas ideológicas implícitas ou, em versões mais extremas, à segunda e terça-feira têm uma agenda para à quarta e quinta terem outra – o que só gera equívocos. Não ganharíamos, por isso, todos em saber com que linhas se cose a informação que nos é dada? Não é a clarificação ideológica da comunicação social preferível a uma independência que é, inevitavelmente, artificial? Claro que nada disto, como os exemplos que vêm de fora mostram (pense-se no caso do El País), implica que um jornal de centro-esquerda seja caixa de ressonância de um partido do mesmo espaço político ou que um de centro-direita cumpra o mesmo objectivo face a um partido da sua área ideológica.
A entrada no mercado português do grupo Prisa pode ter, entre outras virtudes, a de contribuir para clarificar o espaço dos media em Portugal, aumentando o seu pluralismo e, espera-se, transformando uma informação tablóide em informação de referência. Que tenha sido o mercado a prosseguir esse objectivo é que não deixa de causar desconforto a todos os que defendem a sua acção, mas apenas quando os resultados lhes são favoráveis.
publicado no Diário Económico.
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