Concertação e responsabilidade
Entre a contestação social ao Governo, a sucessão de candidatos a candidatos a Presidente da República e um inusitado artigo de um ministro a pôr em causa o programa do executivo de que fazia parte e que os portugueses haviam sufragado há meia dúzia de meses, passou despercebida a assinatura de um acordo de concertação tripartido. Contudo, quando o nosso modelo económico enfrenta importantes bloqueios, tal facto é merecedor de atenção. E é-o, não apenas por ser relevante em si, mas, essencialmente, pelo seu potencial demonstrativo.
Vale a pena recuar um pouco no tempo. Durante a campanha eleitoral, José Sócrates, contra os conservadorismos de parte da esquerda e contra o radicalismo liberalizador de parte da direita, anunciou reiteradamente a sua intenção de não revogar o “código do trabalho”, procedendo antes à revisão de algumas das suas dimensões. À cabeça, importava resolver com urgência o problema da caducidade das convenções colectivas, criando as condições para ultrapassar a actual situação de paralisia. Foi este o objectivo do acordo, recentemente assinado entre Governo e Parceiros Sociais, se bem que com a importante excepção da CGTP.
O acordo assume, claramente, que a caducidade das convenções colectivas de trabalho é indesejável, pelo que devem ser criadas todas as condições que evitem a sua ocorrência. Apenas quando tal não acontece é que cabe à lei intervir, salvaguardando a especificidade das relações laborais. Mas não se pense que este objectivo assenta em qualquer tipo de paternalismo negocial da parte do Estado.
Pelo contrário, é reconhecido que a decisão alcançada autonomamente pelas partes é preferível a qualquer outra solução; que a conciliação é melhor do que a mediação e esta preferível à arbitragem. No fundo, trata-se de responsabilizar sindicatos e patrões pela busca de soluções negociadas, sempre que possível libertas da tutela da arbitragem obrigatória, ficando esta circunscrita a situações de excepção.
A solução encontrada para o problema da caducidade das convenções colectivas representa um progresso em relação à situação actual. Isto porque protege face à má conduta negocial de uma das partes, diminui a discricionariedade da intervenção governamental e consagra um núcleo de aspectos fundamentais (por ex., remuneração e tempo de trabalho) cujos efeitos se mantém, mesmo que uma convenção caduque. Mas, a principal virtude do acordo alcançado, prende-se com o reforço dos mecanismos de concertação e de diálogo social.
Ter-se avançado primeiro para a revisão da contratação colectiva significa reconhecer o papel da negociação como instrumento preferencial de regulação no mundo do trabalho. Pelo caminho, num período de acentuada contestação social e de falta de horizontes modernizadores para o nosso tecido económico, valoriza-se o entendimento entre trabalhadores e patrões, como parte da saída para a situação em que nos encontramos. É que uma coisa é clara: se é difícil vislumbrar a saída para os bloqueios que o País enfrenta, sem diálogo social institucionalizado tal objectivo torna-se impossível de alcançar. Ou as partes se entendem ou podemos estar condenados ao declínio progressivo.
Aliás, numa altura em que os exemplos estrangeiros são frequentemente mobilizados - muitas das vezes sem atender às especificidades da realidade portuguesa -, convém recordar que, um pouco por toda a Europa, as trajectórias de ajustamento seguidas com sucesso caracterizaram-se invariavelmente por uma revalorização do diálogo social.
Sendo certo que o acordo assinado tem uma incidência restrita, e que só foi possível porque foi adiada a discussão de um conjunto de matérias relevantes (designadamente a norma sobre o “tratamento mais favorável”), tem, ainda assim, a virtude de, num momento particularmente complexo para Portugal, valorizar os mecanismos de concertação social. O próximo passo é fazer com que a disponibilidade negocial contamine o conjunto das relações laborais.
No entanto, muito por força da fraca cultura negocial das partes - sempre mais veementes na defesa intransigente da sua posição de partida do que na busca de soluções assentes na cedência - não será fácil fazer avançar o diálogo social em Portugal. Desse ponto de vista, a relutância sistemática da CGTP em participar nos acordos, designadamente se considerarmos a sua representatividade, levanta obstáculos importantes.
O passo dado a semana passada, ainda que limitado e restrito, abre boas perspectivas. O essencial é que, após o Verão, Governo, empregadores e sindicatos saibam fazer avançar outras dimensões do processo negocial. É em alturas como as que vivemos que a institucionalização da concertação se torna mais necessária. Mas esta é mais uma daquelas áreas em que não basta a boa-vontade do Estado. É preciso que todos saibam fazer cedências e ultrapassar a posição imobilista de que partem. A concretização do discurso abstracto sobre a responsabilidade colectiva passa por aí.
publicado no Diário Económico.
Vale a pena recuar um pouco no tempo. Durante a campanha eleitoral, José Sócrates, contra os conservadorismos de parte da esquerda e contra o radicalismo liberalizador de parte da direita, anunciou reiteradamente a sua intenção de não revogar o “código do trabalho”, procedendo antes à revisão de algumas das suas dimensões. À cabeça, importava resolver com urgência o problema da caducidade das convenções colectivas, criando as condições para ultrapassar a actual situação de paralisia. Foi este o objectivo do acordo, recentemente assinado entre Governo e Parceiros Sociais, se bem que com a importante excepção da CGTP.
O acordo assume, claramente, que a caducidade das convenções colectivas de trabalho é indesejável, pelo que devem ser criadas todas as condições que evitem a sua ocorrência. Apenas quando tal não acontece é que cabe à lei intervir, salvaguardando a especificidade das relações laborais. Mas não se pense que este objectivo assenta em qualquer tipo de paternalismo negocial da parte do Estado.
Pelo contrário, é reconhecido que a decisão alcançada autonomamente pelas partes é preferível a qualquer outra solução; que a conciliação é melhor do que a mediação e esta preferível à arbitragem. No fundo, trata-se de responsabilizar sindicatos e patrões pela busca de soluções negociadas, sempre que possível libertas da tutela da arbitragem obrigatória, ficando esta circunscrita a situações de excepção.
A solução encontrada para o problema da caducidade das convenções colectivas representa um progresso em relação à situação actual. Isto porque protege face à má conduta negocial de uma das partes, diminui a discricionariedade da intervenção governamental e consagra um núcleo de aspectos fundamentais (por ex., remuneração e tempo de trabalho) cujos efeitos se mantém, mesmo que uma convenção caduque. Mas, a principal virtude do acordo alcançado, prende-se com o reforço dos mecanismos de concertação e de diálogo social.
Ter-se avançado primeiro para a revisão da contratação colectiva significa reconhecer o papel da negociação como instrumento preferencial de regulação no mundo do trabalho. Pelo caminho, num período de acentuada contestação social e de falta de horizontes modernizadores para o nosso tecido económico, valoriza-se o entendimento entre trabalhadores e patrões, como parte da saída para a situação em que nos encontramos. É que uma coisa é clara: se é difícil vislumbrar a saída para os bloqueios que o País enfrenta, sem diálogo social institucionalizado tal objectivo torna-se impossível de alcançar. Ou as partes se entendem ou podemos estar condenados ao declínio progressivo.
Aliás, numa altura em que os exemplos estrangeiros são frequentemente mobilizados - muitas das vezes sem atender às especificidades da realidade portuguesa -, convém recordar que, um pouco por toda a Europa, as trajectórias de ajustamento seguidas com sucesso caracterizaram-se invariavelmente por uma revalorização do diálogo social.
Sendo certo que o acordo assinado tem uma incidência restrita, e que só foi possível porque foi adiada a discussão de um conjunto de matérias relevantes (designadamente a norma sobre o “tratamento mais favorável”), tem, ainda assim, a virtude de, num momento particularmente complexo para Portugal, valorizar os mecanismos de concertação social. O próximo passo é fazer com que a disponibilidade negocial contamine o conjunto das relações laborais.
No entanto, muito por força da fraca cultura negocial das partes - sempre mais veementes na defesa intransigente da sua posição de partida do que na busca de soluções assentes na cedência - não será fácil fazer avançar o diálogo social em Portugal. Desse ponto de vista, a relutância sistemática da CGTP em participar nos acordos, designadamente se considerarmos a sua representatividade, levanta obstáculos importantes.
O passo dado a semana passada, ainda que limitado e restrito, abre boas perspectivas. O essencial é que, após o Verão, Governo, empregadores e sindicatos saibam fazer avançar outras dimensões do processo negocial. É em alturas como as que vivemos que a institucionalização da concertação se torna mais necessária. Mas esta é mais uma daquelas áreas em que não basta a boa-vontade do Estado. É preciso que todos saibam fazer cedências e ultrapassar a posição imobilista de que partem. A concretização do discurso abstracto sobre a responsabilidade colectiva passa por aí.
publicado no Diário Económico.
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