Duros com o crime e com as causas do crime
Na maior parte das questões políticas, os “olhares cientistas”, que chegam acompanhados das estatísticas, dos números que trazem a verdade, são hoje dos que mais ordenam. Em muitos domínios, a percepção social dos fenómenos é quase consequência directa de uma experiência transmitida, alimentada pelo saber. Com a criminalidade não é assim. O que conta é a percepção de cada um. No crime, os números só ganham existência quando servem para confirmar o que se sente. A criminalidade pode estar a baixar, os assaltos a diminuir, mas isso pouco importa. A sensação, devidamente alimentada pelas televisões tablóides, é que ela cresce todos os dias, torna-se mais violenta, foge ao controlo da polícia e vai minando a confiança dos cidadãos no Estado, ao mesmo tempo que promove o ódio face ao outro. Podemos gostar ou não, mas esta é a realidade e naturalmente é ela que conta.
Deste ponto de vista, os agentes políticos têm particulares responsabilidades. Não há nada tão perigoso como aproveitar, num jeito populista, a onda crescente de insegurança. Do mesmo modo que não há nada tão irresponsável como fingir que a criminalidade não é, hoje, um problema prioritário para os portugueses.
Não deixa por isso de ser curioso que, por via do arrastão ou não, a criminalidade volte agora ao topo da agenda política. Não é novidade. Quando o PS está no poder, o assunto é usado como arma de arremesso. Foi assim no passado, quando cada assalto em bombas de gasolina dava direito a abertura de telejornais, e volta a sê-lo agora. O que nos recorda, por exemplo, que, espantosamente, enquanto o CDS esteve no Governo, quase que parecia que não existia criminalidade. Terá sido mesmo assim? Ou, pelo contrário, será que o que se passa é que, quando na oposição, o CDS ergue esta bandeira porque sabe que lhe dá audiência e tem poucos custos? Resta saber se durante os três anos de coligação PSD-CDS foi resolvido algum problema sério que determine a sensação de insegurança.
Acontece que grande parte do debate político em torno da criminalidade assenta numa dicotomia simplificadora. De um lado, estão aqueles que defendem a autoridade do Estado, das polícias, na defesa dos cidadãos face aos bandidos. Do outro, os que pensam que os assaltantes são vítimas da exclusão social em que vivem e que o que é necessário é combater as causas da sua situação, promovendo a integração. É um daqueles casos em que ninguém tem razão e em que ambos têm razão, sem que se chegue a perceber porque motivo os discursos se deixam acantonar de um dos lados do debate.
Na verdade, ser duro com o crime não implica que se deixe de ser, por um momento que seja, duro com as causas do crime. Não há nada que impeça que se privilegie no curto prazo a defesa da segurança dos cidadãos – que é simultaneamente uma garantia de liberdade individual e de preservação do Estado de direito – e que se invista de forma séria no combate às causas da criminalidade – contrariando os processos de exclusão social e promovendo a integração de todos os que estão do lado de “fora”.
Não há nenhuma razão para que a esquerda não assuma esta agenda. Por um lado, porque a defesa do Estado de direito é essencial para o objectivo mais amplo de preservação do papel do Estado, como mecanismo de regulação e também de promoção de direitos. Por outro, porque ao ser a esquerda a assumi-la, é possível acentuar a dimensão económica e social da integração, afastando os riscos de sublinhar a sua componente cultural (numa lógica estigmatizadora e meio folclórica que serve para reproduzir os estereótipos que estão na base do racismo).
Convém não esquecer que a realidade diz-nos que os cidadãos se sentem inseguros e que essa insegurança potencia fenómenos de xenofobia. Ter a consciência clara que este processo está a minar as nossas sociedades é essencial. Por agora, encontra-se nas margens do debate político, em manifestações com pouca gente, mas o risco de se tornar um tema central é grande.
Por isso, é preciso responder com firmeza e intransigência à criminalidade, sublinhando a autoridade do Estado e apoiando as forças policiais para que possam garantir a segurança dos cidadãos. Mas, tal não impede que se aposte ainda mais nas políticas de integração, através da escola pública, da garantia material de mínimos sociais de cidadania e do combate sem preconceitos aos vários factores de exclusão (à cabeça a toxicodependência). Nos nossos dias, a opção não é ser duro com o crime ou com as causas do crime. A opção passa por fazer as duas coisas em simultâneo.
P.S. ouvir os dirigentes sindicais dos professores afirmar que as medidas tomadas pelo Ministério da Educação para contrariar a greve aos dias de exames são indignas no pós-25 de Abril, só reforça o que aqui escrevi a semana passada. Indigno do pós-25 de Abril é a persistência, em Portugal, de grupos que têm privilégios relativos quase exclusivos e que, na defesa desses privilégios, optam por prejudicar objectivamente, no caso, a vida dos jovens que enfrentam com natural ansiedade os exames. Além de que revela uma total ausência de sentido táctico da parte dos sindicatos, que, em lugar de alargarem a sua base de apoio, optam por diminui-la.
publicado em A Capital
Deste ponto de vista, os agentes políticos têm particulares responsabilidades. Não há nada tão perigoso como aproveitar, num jeito populista, a onda crescente de insegurança. Do mesmo modo que não há nada tão irresponsável como fingir que a criminalidade não é, hoje, um problema prioritário para os portugueses.
Não deixa por isso de ser curioso que, por via do arrastão ou não, a criminalidade volte agora ao topo da agenda política. Não é novidade. Quando o PS está no poder, o assunto é usado como arma de arremesso. Foi assim no passado, quando cada assalto em bombas de gasolina dava direito a abertura de telejornais, e volta a sê-lo agora. O que nos recorda, por exemplo, que, espantosamente, enquanto o CDS esteve no Governo, quase que parecia que não existia criminalidade. Terá sido mesmo assim? Ou, pelo contrário, será que o que se passa é que, quando na oposição, o CDS ergue esta bandeira porque sabe que lhe dá audiência e tem poucos custos? Resta saber se durante os três anos de coligação PSD-CDS foi resolvido algum problema sério que determine a sensação de insegurança.
Acontece que grande parte do debate político em torno da criminalidade assenta numa dicotomia simplificadora. De um lado, estão aqueles que defendem a autoridade do Estado, das polícias, na defesa dos cidadãos face aos bandidos. Do outro, os que pensam que os assaltantes são vítimas da exclusão social em que vivem e que o que é necessário é combater as causas da sua situação, promovendo a integração. É um daqueles casos em que ninguém tem razão e em que ambos têm razão, sem que se chegue a perceber porque motivo os discursos se deixam acantonar de um dos lados do debate.
Na verdade, ser duro com o crime não implica que se deixe de ser, por um momento que seja, duro com as causas do crime. Não há nada que impeça que se privilegie no curto prazo a defesa da segurança dos cidadãos – que é simultaneamente uma garantia de liberdade individual e de preservação do Estado de direito – e que se invista de forma séria no combate às causas da criminalidade – contrariando os processos de exclusão social e promovendo a integração de todos os que estão do lado de “fora”.
Não há nenhuma razão para que a esquerda não assuma esta agenda. Por um lado, porque a defesa do Estado de direito é essencial para o objectivo mais amplo de preservação do papel do Estado, como mecanismo de regulação e também de promoção de direitos. Por outro, porque ao ser a esquerda a assumi-la, é possível acentuar a dimensão económica e social da integração, afastando os riscos de sublinhar a sua componente cultural (numa lógica estigmatizadora e meio folclórica que serve para reproduzir os estereótipos que estão na base do racismo).
Convém não esquecer que a realidade diz-nos que os cidadãos se sentem inseguros e que essa insegurança potencia fenómenos de xenofobia. Ter a consciência clara que este processo está a minar as nossas sociedades é essencial. Por agora, encontra-se nas margens do debate político, em manifestações com pouca gente, mas o risco de se tornar um tema central é grande.
Por isso, é preciso responder com firmeza e intransigência à criminalidade, sublinhando a autoridade do Estado e apoiando as forças policiais para que possam garantir a segurança dos cidadãos. Mas, tal não impede que se aposte ainda mais nas políticas de integração, através da escola pública, da garantia material de mínimos sociais de cidadania e do combate sem preconceitos aos vários factores de exclusão (à cabeça a toxicodependência). Nos nossos dias, a opção não é ser duro com o crime ou com as causas do crime. A opção passa por fazer as duas coisas em simultâneo.
P.S. ouvir os dirigentes sindicais dos professores afirmar que as medidas tomadas pelo Ministério da Educação para contrariar a greve aos dias de exames são indignas no pós-25 de Abril, só reforça o que aqui escrevi a semana passada. Indigno do pós-25 de Abril é a persistência, em Portugal, de grupos que têm privilégios relativos quase exclusivos e que, na defesa desses privilégios, optam por prejudicar objectivamente, no caso, a vida dos jovens que enfrentam com natural ansiedade os exames. Além de que revela uma total ausência de sentido táctico da parte dos sindicatos, que, em lugar de alargarem a sua base de apoio, optam por diminui-la.
publicado em A Capital
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