O caminho difícil
Os portugueses não gostam dos seus políticos. Foi sempre assim, poder-se-á afirmar – se exceptuarmos alguns curtos interregnos, próprios dos momentos carismáticos. Mas a verdade é que, em trinta anos de Democracia, nunca a relação entre cidadãos e políticos se caracterizou pelo actual grau de desconfiança. Nunca foi tão popular desprezar aqueles que nos governam, como nos lembra a sondagem ontem divulgada pelo DN.
Entre as várias razões para que isso aconteça, destaca-se, naturalmente, a crise. Depois de décadas em que os políticos iam prometendo e, de facto, as coisas iam melhorando – ou pelo menos havia uma expectativa realista de que assim fosse –, hoje, não só os políticos prometem menos, como é difícil encontrar alguém que exprima uma confiança, ainda que ténue, de que o País pode melhorar. Quando a sensação é de que a crise veio para ficar, culpar os políticos torna-se a opção mais fácil.
Mas se esta é uma tendência que já se fazia sentir, há agora uma novidade. Não são apenas os portugueses que não gostam dos políticos e que lhes devotam um popular desprezo. São também os políticos que não gostam de si próprios e se sentem envergonhados pela sua condição. Quer seja por tacticismo puro, ou por interiorização da opinião popular, a verdade é que se tem tornado difícil encontrar entre os políticos quem assuma a sua condição. Desse ponto de vista, a campanha presidencial tem consolidado a tendência.
É verdade que, nas eleições de 1986, a candidatura da Engª Pintasilgo assentava numa plataforma política fora dos partidos e alternativa a estes – era uma candidatura que agregava os últimos resquícios de um basismo militante e de uma democracia participativa que caracterizou alguns sectores da esquerda no pós-25 de Abril. Mas não se tratava de um discurso anti-política e obteve apenas 7% dos votos. Mesmo o Eanismo sob a forma de partido – o PRD –, pese embora os seus efeitos nefastos, nunca foi maioritário.
Hoje não é assim. A crer nos resultados das primeiras sondagens, quanto mais um candidato se afastar do universo ”hediondo e pusilânime” dos partidos, quanto mais fustigar, mesmo que implicitamente, a classe de que faz parte, mais apoio popular terá. A questão é séria e está para além de meras escolhas entre esquerda e direita. Trata-se de saber que tipo de Democracia queremos para Portugal. Quando se passa o ponto em que já nem os políticos estão dispostos a defender a actividade política, entramos num mundo perigoso e de contornos indefinidos. É um caminho fácil, mas que desconhecemos onde nos pode levar.
Isto não quer dizer que a vida partidária não tenha muitas ”culpas no cartório”. Pelo contrário. Mas o acto de ser candidato a umas eleições deveria servir, não para renegar a actividade política e, pelo caminho, o conflito institucionalizado, típico das democracias-liberais, mas, sim, para fazer pedagogia sobre o que mudar e em que sentido. Quem finge que não faz parte do jogo e que, mesmo que por descontentamento com o estado das coisas, faz parecer que paira acima dele, está a reforçar a descrença na Democracia.
O que se está a passar nos primeiros momentos desta campanha presidencial é apenas um sintoma de algo mais complexo. Em Portugal, o que compensa politicamente é manter uma posição de pouco comprometimento. Para falar claro, o que compensa é não ”meter a mão na massa”. Os ”senadores” de todos os quadrantes políticos já perceberam uma coisa: quando saem do pedestal em que se encontram e vão a jogo, logo perdem a sua popularidade. Fácil nos nossos dias é a demissão cívica e cavalgar a onda de impopularidade face aos partidos e aos políticos. Difícil é sujeitar-se ao voto popular, assumindo a condição de político. Acontece que, para que melhoremos a política, precisamos de mais pessoas com vontade de escolher o caminho difícil e o que temos visto é o contrário.
P.S. - Confesso que os meus níveis de confiança no sistema judicial são muito baixos. Pura e simplesmente acho que, entre nós, a velha máxima, ”quem não deve, não teme”, não se aplica. Desde a semana passada, quando fiquei a saber, pela voz do presidente do seu sindicato, que a independência dos magistrados do Ministério Público dependia do facto de terem um sub-sistema de saúde mais protector do que o do conjunto da administração pública, fiquei ainda mais preocupado. Se bem percebi, um seguro de saúde mais generoso é quanto vale a independência do Ministério Público. Assustador.
publicado no Diário Económico.
Entre as várias razões para que isso aconteça, destaca-se, naturalmente, a crise. Depois de décadas em que os políticos iam prometendo e, de facto, as coisas iam melhorando – ou pelo menos havia uma expectativa realista de que assim fosse –, hoje, não só os políticos prometem menos, como é difícil encontrar alguém que exprima uma confiança, ainda que ténue, de que o País pode melhorar. Quando a sensação é de que a crise veio para ficar, culpar os políticos torna-se a opção mais fácil.
Mas se esta é uma tendência que já se fazia sentir, há agora uma novidade. Não são apenas os portugueses que não gostam dos políticos e que lhes devotam um popular desprezo. São também os políticos que não gostam de si próprios e se sentem envergonhados pela sua condição. Quer seja por tacticismo puro, ou por interiorização da opinião popular, a verdade é que se tem tornado difícil encontrar entre os políticos quem assuma a sua condição. Desse ponto de vista, a campanha presidencial tem consolidado a tendência.
É verdade que, nas eleições de 1986, a candidatura da Engª Pintasilgo assentava numa plataforma política fora dos partidos e alternativa a estes – era uma candidatura que agregava os últimos resquícios de um basismo militante e de uma democracia participativa que caracterizou alguns sectores da esquerda no pós-25 de Abril. Mas não se tratava de um discurso anti-política e obteve apenas 7% dos votos. Mesmo o Eanismo sob a forma de partido – o PRD –, pese embora os seus efeitos nefastos, nunca foi maioritário.
Hoje não é assim. A crer nos resultados das primeiras sondagens, quanto mais um candidato se afastar do universo ”hediondo e pusilânime” dos partidos, quanto mais fustigar, mesmo que implicitamente, a classe de que faz parte, mais apoio popular terá. A questão é séria e está para além de meras escolhas entre esquerda e direita. Trata-se de saber que tipo de Democracia queremos para Portugal. Quando se passa o ponto em que já nem os políticos estão dispostos a defender a actividade política, entramos num mundo perigoso e de contornos indefinidos. É um caminho fácil, mas que desconhecemos onde nos pode levar.
Isto não quer dizer que a vida partidária não tenha muitas ”culpas no cartório”. Pelo contrário. Mas o acto de ser candidato a umas eleições deveria servir, não para renegar a actividade política e, pelo caminho, o conflito institucionalizado, típico das democracias-liberais, mas, sim, para fazer pedagogia sobre o que mudar e em que sentido. Quem finge que não faz parte do jogo e que, mesmo que por descontentamento com o estado das coisas, faz parecer que paira acima dele, está a reforçar a descrença na Democracia.
O que se está a passar nos primeiros momentos desta campanha presidencial é apenas um sintoma de algo mais complexo. Em Portugal, o que compensa politicamente é manter uma posição de pouco comprometimento. Para falar claro, o que compensa é não ”meter a mão na massa”. Os ”senadores” de todos os quadrantes políticos já perceberam uma coisa: quando saem do pedestal em que se encontram e vão a jogo, logo perdem a sua popularidade. Fácil nos nossos dias é a demissão cívica e cavalgar a onda de impopularidade face aos partidos e aos políticos. Difícil é sujeitar-se ao voto popular, assumindo a condição de político. Acontece que, para que melhoremos a política, precisamos de mais pessoas com vontade de escolher o caminho difícil e o que temos visto é o contrário.
P.S. - Confesso que os meus níveis de confiança no sistema judicial são muito baixos. Pura e simplesmente acho que, entre nós, a velha máxima, ”quem não deve, não teme”, não se aplica. Desde a semana passada, quando fiquei a saber, pela voz do presidente do seu sindicato, que a independência dos magistrados do Ministério Público dependia do facto de terem um sub-sistema de saúde mais protector do que o do conjunto da administração pública, fiquei ainda mais preocupado. Se bem percebi, um seguro de saúde mais generoso é quanto vale a independência do Ministério Público. Assustador.
publicado no Diário Económico.
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