Reformar com quem?
“O problema do governo é que não comunica bem e não explica aos portugueses o que anda a fazer”. Ainda que timidamente, a ideia já se ouvia por aí. Contudo, depois do resultado autárquico ganhou uma nova força. Nada de novo. Se fosse possível definir uma tipologia das fases da governação em Portugal, rapidamente nos aperceberíamos que ao “estado de graça” se segue, invariavelmente, a fase do “até estão a fazer coisas acertadas, o problema é que a mensagem não passa”. É o que se costuma chamar de crítica construtiva, matéria em que se têm especializado os dirigentes dos aparelhos partidários, quer do PS, quer do PSD, que, quando no poder, têm naturais dificuldades em gerir as expectativas dos militantes de base.
Mas tendo em conta que é um fenómeno que se repete, talvez valha a pena questionar até que ponto a responsabilidade da má comunicação é sistematicamente dos agentes, no caso os governantes, e olhar com mais atenção para o que se passa com a estrutura. No fundo, a questão que se coloca é a de saber se há de facto um problema dos governos em passar a mensagem ou, pelo contrário, o que há, hoje, é pouca ou nenhuma disponibilidade da sociedade portuguesa para ouvir e, consequentemente, apoiar o que os governantes dizem.
No passado, criar coligações que suportassem a mudança com benefícios imediatos ou de médio prazo foi, relativamente, fácil – mesmo que para tal fosse necessário reforçar clivagens sociais, agradando a uns e desagradando a outros. A questão agora é outra e bem mais séria. O que está em causa não é apenas o que fazer, que reformas levar a cabo, mas, cada vez mais, saber se há uma coligação social que permita a sua execução. A dificuldade não está tanto em identificar as medidas impopulares que importa implementar, mas, sim, em criar as coligações sociais que permitam a concretização desse objectivo. Será possível reformar Portugal? Estão os portugueses dispostos a ouvir o que os governantes têm para lhes dizer e a suportar eleitoralmente medidas difíceis?
O contexto é conhecido. Depois de quase trinta anos em que, entre nós, o que o que os governos tiveram de fazer foi, em importante medida, gerir expectativas crescentes, o País vive, há perto de cinco anos, uma crise económica e social, mas, também, de governabilidade. Aos governos cabe agora, no essencial, dar más notícias. Ao optimismo em relação ao futuro sucedeu-se um pessimismo do qual parece difícil vislumbrar saída.
Isto acontece numa altura em que as clivagens tradicionais do voto – religiosidade e secularização; capital e trabalho – têm perdido relevância e as novas clivagens, que se reportam às questões pós-materialistas, são em Portugal pouco mobilizadoras (ao contrário por exemplo de Espanha, onde o PSOE apostou claramente nestas questões, veja-se o caso da legalização do casamento entre homossexuais). A consequência é, desde logo, que a ancoragem eleitoral dos partidos é muito mais fraca. Ter uma expressiva maioria absoluta num dia pode não significar quase nada no dia seguinte, como aliás se viu nas últimas autárquicas. Quando a fidelização do voto partidário é cada vez mais fraca e as políticas macro-económicas fragilizam ainda mais essa relação, a ingovernabilidade ameaça ser o regime. Haverá saída para o dilema que vivemos?
Sim, desde que a governação seja levada a cabo cuidando pouco das coligações de apoio circunstanciais. Não que não fosse preferível gerir o país com suporte social. Acontece que o que há a fazer é tão custoso que dificilmente se conseguirá combinar governação com popularidade. É que pode dar-se o caso de não haver “ninguém” com quem reformar o País. A consequência deste cenário é, inevitavelmente, a penalização eleitoral de quem governa nas chamadas eleições de segunda ordem e um crescente afastamento entre as bases do partido que apoia o Governo, qualquer que ele seja, e o próprio executivo.
Por tudo isto, se bem que o Governo não deva abdicar da sua função de orientação dos eleitores (ou seja, passar a mensagem), não há razão nenhuma para que viva atormentado com o facto de não ser ouvido e de ter maus resultados eleitorais. A situação do País é tal que, mais do que um projecto de poder, é fundamental que o Governo tenha um projecto de transformação. Provavelmente os dois são incompatíveis. Resta por isso saber se no PS e no Governo há disponibilidade para entre ganhar eleições e reformar Portugal, escolher a segunda opção.
artigo publicado no Diário Económico
Mas tendo em conta que é um fenómeno que se repete, talvez valha a pena questionar até que ponto a responsabilidade da má comunicação é sistematicamente dos agentes, no caso os governantes, e olhar com mais atenção para o que se passa com a estrutura. No fundo, a questão que se coloca é a de saber se há de facto um problema dos governos em passar a mensagem ou, pelo contrário, o que há, hoje, é pouca ou nenhuma disponibilidade da sociedade portuguesa para ouvir e, consequentemente, apoiar o que os governantes dizem.
No passado, criar coligações que suportassem a mudança com benefícios imediatos ou de médio prazo foi, relativamente, fácil – mesmo que para tal fosse necessário reforçar clivagens sociais, agradando a uns e desagradando a outros. A questão agora é outra e bem mais séria. O que está em causa não é apenas o que fazer, que reformas levar a cabo, mas, cada vez mais, saber se há uma coligação social que permita a sua execução. A dificuldade não está tanto em identificar as medidas impopulares que importa implementar, mas, sim, em criar as coligações sociais que permitam a concretização desse objectivo. Será possível reformar Portugal? Estão os portugueses dispostos a ouvir o que os governantes têm para lhes dizer e a suportar eleitoralmente medidas difíceis?
O contexto é conhecido. Depois de quase trinta anos em que, entre nós, o que o que os governos tiveram de fazer foi, em importante medida, gerir expectativas crescentes, o País vive, há perto de cinco anos, uma crise económica e social, mas, também, de governabilidade. Aos governos cabe agora, no essencial, dar más notícias. Ao optimismo em relação ao futuro sucedeu-se um pessimismo do qual parece difícil vislumbrar saída.
Isto acontece numa altura em que as clivagens tradicionais do voto – religiosidade e secularização; capital e trabalho – têm perdido relevância e as novas clivagens, que se reportam às questões pós-materialistas, são em Portugal pouco mobilizadoras (ao contrário por exemplo de Espanha, onde o PSOE apostou claramente nestas questões, veja-se o caso da legalização do casamento entre homossexuais). A consequência é, desde logo, que a ancoragem eleitoral dos partidos é muito mais fraca. Ter uma expressiva maioria absoluta num dia pode não significar quase nada no dia seguinte, como aliás se viu nas últimas autárquicas. Quando a fidelização do voto partidário é cada vez mais fraca e as políticas macro-económicas fragilizam ainda mais essa relação, a ingovernabilidade ameaça ser o regime. Haverá saída para o dilema que vivemos?
Sim, desde que a governação seja levada a cabo cuidando pouco das coligações de apoio circunstanciais. Não que não fosse preferível gerir o país com suporte social. Acontece que o que há a fazer é tão custoso que dificilmente se conseguirá combinar governação com popularidade. É que pode dar-se o caso de não haver “ninguém” com quem reformar o País. A consequência deste cenário é, inevitavelmente, a penalização eleitoral de quem governa nas chamadas eleições de segunda ordem e um crescente afastamento entre as bases do partido que apoia o Governo, qualquer que ele seja, e o próprio executivo.
Por tudo isto, se bem que o Governo não deva abdicar da sua função de orientação dos eleitores (ou seja, passar a mensagem), não há razão nenhuma para que viva atormentado com o facto de não ser ouvido e de ter maus resultados eleitorais. A situação do País é tal que, mais do que um projecto de poder, é fundamental que o Governo tenha um projecto de transformação. Provavelmente os dois são incompatíveis. Resta por isso saber se no PS e no Governo há disponibilidade para entre ganhar eleições e reformar Portugal, escolher a segunda opção.
artigo publicado no Diário Económico
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