O Engarrafamento
Depois de dez penosos anos de fraca governabilidade, em 2005 os portugueses tiveram a percepção clara de que o País precisava de estabilidade política. Sete anos de governos minoritários do Partido Socialista, seguidos por uma coligação indesejada entre PSD e PP e ainda pela experiência Santana Lopes, expuseram a dimensão do problema.
Neste contexto, os eleitores aproveitaram as legislativas para fugir, finalmente, ao pântano. Uma sólida maioria parlamentar, de um só partido, não sendo a solução mágica para os problemas que o País enfrenta, foi entendida como um importante instrumento para procurar superá-los. Independentemente de afinidades ideológicas ou de avaliações substantivas sobre os programas eleitorais, em Fevereiro de 2005 o país assistiu aliviado à vitória do PS. Um alívio que se terá estendido a muitos que nem sequer se sentem próximos dos socialistas. A lição de 2005 é, por isso, que a estabilidade política é um bem em si e que com ela podemos ser capazes de, em alguma medida, contrariar a crise. Com instabilidade, limitar-nos-emos a acrescentar um problema a todos os outros que já enfrentamos.
Acontece que a estabilidade não depende apenas do apoio político que um qualquer Governo encontre no Parlamento. Por isso mesmo, as próximas eleições presidenciais são muito relevantes. É que, ao contrário do que erradamente o PS quis, durante muito tempo, fazer crer, não se tratava de um assunto secundário e que não estava no topo da agenda. As presidenciais são instrumentais para que o objectivo da estabilidade continue a ser prioritário. Ora a estabilidade não se proclama, antes precisa de condições objectivas para que ocorra.
Entre estas, destaca-se obviamente o bom relacionamento e equilíbrio entre Presidente da República e Governo. Este objectivo, como o passado nos ensina, não depende da comunhão ideológica ou política entre Governo e Presidência, mas, sim, da plena incorporação, por ambas as partes, dos papéis que lhes estão constitucionalmente destinados. E é precisamente a este nível que a opção pela estabilidade que os portugueses tomaram em 2005 pode ser contrariada já em 2006.
Como é sabido, mas parece andar esquecido, entre nós, a função presidencial, tratando-se de um “poder neutro”, ainda que com importantes poderes institucionais – como vimos com a recente dissolução do Parlamento –, está, à luz da nossa Constituição, bem longe da lógica presidencialista do tipo gaullista. Em Portugal, as eleições presidenciais não servem para escolher uma política e qualquer promessa nesse sentido traz em si a semente da instabilidade e da conflitualidade entre executivo e Presidente. É que não só não compete ao Presidente conduzir a política geral do país, como nem sequer pode orientar ou superintender a acção governativa. Ao executivo cabe governar, ao Presidente cabe moderar, arbitrar e fiscalizar.
Deste ponto de vista, o resultado das presidenciais é decisivo para que “a lição de 2005” possa ganhar lastro e ser continuada. A crer no que nos dizem as sondagens, Cavaco Silva pode vir a ganhar as eleições. O problema é que, mesmo entre os silêncios, Cavaco Silva revela uma forte e sistemática pulsão executiva. É aí que reside o principal risco da sua vitória. O problema não está, como se pretende fazer crer, no facto de lhe faltar cultura humanista; de não ter tradição antifascista; de ser tímido nas relações internacionais; e de a sua actividade como primeiro-ministro ser, naturalmente, motivo de legítima contestação. Nada disso é, em si, um problema para o exercício do cargo. O risco da eleição de Cavaco Silva para Presidente radica no seu perfil marcadamente executivo, próximo da figura de um primeiro-ministro. Ora Portugal acabou de eleger, com as suas qualidades e defeitos, uma maioria parlamentar, de onde saiu um primeiro-ministro. Passarmos a ter dois primeiros-ministros, no lugar de um, não resolve nenhum dos problemas que o País enfrenta. Bem pelo contrário. Acrescenta desnecessariamente um que não existia. Um verdadeiro engarrafamento de primeiros-ministros.
publicado no Diário Económico em 29/12/05
Neste contexto, os eleitores aproveitaram as legislativas para fugir, finalmente, ao pântano. Uma sólida maioria parlamentar, de um só partido, não sendo a solução mágica para os problemas que o País enfrenta, foi entendida como um importante instrumento para procurar superá-los. Independentemente de afinidades ideológicas ou de avaliações substantivas sobre os programas eleitorais, em Fevereiro de 2005 o país assistiu aliviado à vitória do PS. Um alívio que se terá estendido a muitos que nem sequer se sentem próximos dos socialistas. A lição de 2005 é, por isso, que a estabilidade política é um bem em si e que com ela podemos ser capazes de, em alguma medida, contrariar a crise. Com instabilidade, limitar-nos-emos a acrescentar um problema a todos os outros que já enfrentamos.
Acontece que a estabilidade não depende apenas do apoio político que um qualquer Governo encontre no Parlamento. Por isso mesmo, as próximas eleições presidenciais são muito relevantes. É que, ao contrário do que erradamente o PS quis, durante muito tempo, fazer crer, não se tratava de um assunto secundário e que não estava no topo da agenda. As presidenciais são instrumentais para que o objectivo da estabilidade continue a ser prioritário. Ora a estabilidade não se proclama, antes precisa de condições objectivas para que ocorra.
Entre estas, destaca-se obviamente o bom relacionamento e equilíbrio entre Presidente da República e Governo. Este objectivo, como o passado nos ensina, não depende da comunhão ideológica ou política entre Governo e Presidência, mas, sim, da plena incorporação, por ambas as partes, dos papéis que lhes estão constitucionalmente destinados. E é precisamente a este nível que a opção pela estabilidade que os portugueses tomaram em 2005 pode ser contrariada já em 2006.
Como é sabido, mas parece andar esquecido, entre nós, a função presidencial, tratando-se de um “poder neutro”, ainda que com importantes poderes institucionais – como vimos com a recente dissolução do Parlamento –, está, à luz da nossa Constituição, bem longe da lógica presidencialista do tipo gaullista. Em Portugal, as eleições presidenciais não servem para escolher uma política e qualquer promessa nesse sentido traz em si a semente da instabilidade e da conflitualidade entre executivo e Presidente. É que não só não compete ao Presidente conduzir a política geral do país, como nem sequer pode orientar ou superintender a acção governativa. Ao executivo cabe governar, ao Presidente cabe moderar, arbitrar e fiscalizar.
Deste ponto de vista, o resultado das presidenciais é decisivo para que “a lição de 2005” possa ganhar lastro e ser continuada. A crer no que nos dizem as sondagens, Cavaco Silva pode vir a ganhar as eleições. O problema é que, mesmo entre os silêncios, Cavaco Silva revela uma forte e sistemática pulsão executiva. É aí que reside o principal risco da sua vitória. O problema não está, como se pretende fazer crer, no facto de lhe faltar cultura humanista; de não ter tradição antifascista; de ser tímido nas relações internacionais; e de a sua actividade como primeiro-ministro ser, naturalmente, motivo de legítima contestação. Nada disso é, em si, um problema para o exercício do cargo. O risco da eleição de Cavaco Silva para Presidente radica no seu perfil marcadamente executivo, próximo da figura de um primeiro-ministro. Ora Portugal acabou de eleger, com as suas qualidades e defeitos, uma maioria parlamentar, de onde saiu um primeiro-ministro. Passarmos a ter dois primeiros-ministros, no lugar de um, não resolve nenhum dos problemas que o País enfrenta. Bem pelo contrário. Acrescenta desnecessariamente um que não existia. Um verdadeiro engarrafamento de primeiros-ministros.
publicado no Diário Económico em 29/12/05
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