lutar contra moinhos de vento
Quando o mal-estar se instala é natural que se procure identificar os responsáveis. Dos motins em Paris, ao desemprego persistente na Alemanha, passando pelo crescimento medíocre da economia portuguesa, tudo parece ser responsabilidade do modelo social europeu. Neste caso, como em muitos outros, há uma atracção especial pelas explicações simplificadoras que, mais tarde, traz complicações.
Antes de mais, porque a própria ideia de modelo social europeu é equívoca. Não só a integração da política social é praticamente inexistente, como também, no espaço comum a quinze, a diversidade dos modelos sociais é assinalável. As dimensões centrais da política social continuam a ser da esfera de competência dos Estados membros, com influência residual da União Europeia, e a forma como os países europeus procuram conciliar disciplina orçamental com crescimento económico e promoção da coesão social varia quase tanto entre países europeus como entre estes e o modelo alternativo dos Estados Unidos da América.
Claro que há um “mal europeu”. Mas isto não quer dizer que toda a Europa esteja a lidar mal com os objectivos de crescimento económico e promoção da coesão social. Há, na Europa, um compromisso comum e distintivo com a justiça social como princípio norteador das políticas públicas; com o reconhecimento da coesão como factor produtivo e, ainda, com a valorização do diálogo social como a forma mais eficaz de compatibilizar interesses contraditórios. Mas o modo como estes princípios se organizam varia tanto que é impossível falar de um modelo social europeu único. Se isto não for entendido, pura e simplesmente não seremos capazes de enfrentar os problemas que existem e ficaremos enredados numa disputa ideológica, sem base empírica.
Eleger o modelo social europeu como causa de todos os males pouco mais é do que uma batalha contra moinhos de vento. Improdutiva e contraproducente.
É possível agrupar os países europeus em torno das prioridades do seu modelo de bem-estar. Os escandinavos dão prioridade à solidariedade e à redistribuição; os ‘continentais’, à coesão através da garantia do emprego estável para o ‘male-breadwinner’ e os anglo-saxónicos ao crescimento económico. É comum aceitar-se a inevitabilidade de ‘trade-offs’ entre estes princípios.
Contudo, a realidade revela algo de diverso.
Os países escandinavos são aqueles que não só mostram melhor ‘performance’ na política de redistribuição, como fazem parte das economias mais competitivas do mundo – à cabeça a Finlândia, mas, também, a Dinamarca e a Suécia – além de que todos estes países apresentam níveis de emprego muito elevados (72,7% para uma média de 63,3% (UE-25). Quer isto dizer que os países que, no espaço europeu, mais longe levaram o seu modelo social são aqueles que têm economias mais pujantes, maior criação de emprego, ao mesmo tempo que mantém o compromisso com a solidariedade.
Acontece que, ainda há uma década, o primeiro lugar no ‘ranking’ de ”casos problemáticos” não era ocupado, como agora, pela Alemanha, França e Itália, mas, sim, pelos países escandinavos. A falência do seu modelo social parecia inevitável. Os problemas que o atingiam eram diferentes daqueles que afectam outros países hoje. Até porque a estrutura social dos países nórdicos é diversa, bem como os dispositivos políticos e a cultura institucional dominante. Mas o que aconteceu, desde então, deveria ser motivo de maior atenção para os restantes países da União – à imagem do que foi feito no Reino Unido com Tony Blair, que emulou grande parte da estratégia reformista escandinava.
Em Portugal, e nos restantes países europeus, mais do que culpabilizar o modelo social europeu, talvez fosse preferível identificar os problemas na sua diversidade e, consequentemente, evitar soluções únicas. Aprender com a experiência escandinava significa, entre outras coisas, refutar o imobilismo, reformando com a consciência de que para garantir o futuro do modelo social é necessário mudar. Perante a escassez de recursos e o arrefecimento económico, os preconceitos ideológicos, de todos os quadrantes, estão longe de ser uma ajuda. Promover a flexibilização da legislação laboral, combinando-a com maior protecção social, diversificar o financiamento da segurança social e optar por focalizar selectivamente as políticas, designadamente as de combate à pobreza, nos grupos de facto mais desfavorecidos são pequenos passos. Passos produtivos e concretos.
publicado no diário económico
Antes de mais, porque a própria ideia de modelo social europeu é equívoca. Não só a integração da política social é praticamente inexistente, como também, no espaço comum a quinze, a diversidade dos modelos sociais é assinalável. As dimensões centrais da política social continuam a ser da esfera de competência dos Estados membros, com influência residual da União Europeia, e a forma como os países europeus procuram conciliar disciplina orçamental com crescimento económico e promoção da coesão social varia quase tanto entre países europeus como entre estes e o modelo alternativo dos Estados Unidos da América.
Claro que há um “mal europeu”. Mas isto não quer dizer que toda a Europa esteja a lidar mal com os objectivos de crescimento económico e promoção da coesão social. Há, na Europa, um compromisso comum e distintivo com a justiça social como princípio norteador das políticas públicas; com o reconhecimento da coesão como factor produtivo e, ainda, com a valorização do diálogo social como a forma mais eficaz de compatibilizar interesses contraditórios. Mas o modo como estes princípios se organizam varia tanto que é impossível falar de um modelo social europeu único. Se isto não for entendido, pura e simplesmente não seremos capazes de enfrentar os problemas que existem e ficaremos enredados numa disputa ideológica, sem base empírica.
Eleger o modelo social europeu como causa de todos os males pouco mais é do que uma batalha contra moinhos de vento. Improdutiva e contraproducente.
É possível agrupar os países europeus em torno das prioridades do seu modelo de bem-estar. Os escandinavos dão prioridade à solidariedade e à redistribuição; os ‘continentais’, à coesão através da garantia do emprego estável para o ‘male-breadwinner’ e os anglo-saxónicos ao crescimento económico. É comum aceitar-se a inevitabilidade de ‘trade-offs’ entre estes princípios.
Contudo, a realidade revela algo de diverso.
Os países escandinavos são aqueles que não só mostram melhor ‘performance’ na política de redistribuição, como fazem parte das economias mais competitivas do mundo – à cabeça a Finlândia, mas, também, a Dinamarca e a Suécia – além de que todos estes países apresentam níveis de emprego muito elevados (72,7% para uma média de 63,3% (UE-25). Quer isto dizer que os países que, no espaço europeu, mais longe levaram o seu modelo social são aqueles que têm economias mais pujantes, maior criação de emprego, ao mesmo tempo que mantém o compromisso com a solidariedade.
Acontece que, ainda há uma década, o primeiro lugar no ‘ranking’ de ”casos problemáticos” não era ocupado, como agora, pela Alemanha, França e Itália, mas, sim, pelos países escandinavos. A falência do seu modelo social parecia inevitável. Os problemas que o atingiam eram diferentes daqueles que afectam outros países hoje. Até porque a estrutura social dos países nórdicos é diversa, bem como os dispositivos políticos e a cultura institucional dominante. Mas o que aconteceu, desde então, deveria ser motivo de maior atenção para os restantes países da União – à imagem do que foi feito no Reino Unido com Tony Blair, que emulou grande parte da estratégia reformista escandinava.
Em Portugal, e nos restantes países europeus, mais do que culpabilizar o modelo social europeu, talvez fosse preferível identificar os problemas na sua diversidade e, consequentemente, evitar soluções únicas. Aprender com a experiência escandinava significa, entre outras coisas, refutar o imobilismo, reformando com a consciência de que para garantir o futuro do modelo social é necessário mudar. Perante a escassez de recursos e o arrefecimento económico, os preconceitos ideológicos, de todos os quadrantes, estão longe de ser uma ajuda. Promover a flexibilização da legislação laboral, combinando-a com maior protecção social, diversificar o financiamento da segurança social e optar por focalizar selectivamente as políticas, designadamente as de combate à pobreza, nos grupos de facto mais desfavorecidos são pequenos passos. Passos produtivos e concretos.
publicado no diário económico
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