Vida para além do défice
Numa intervenção no Parlamento em 25 de Abril de 2003, Jorge Sampaio sublinhou a necessidade de existência de vida para além do défice. A declaração tinha destinatários óbvios: o Governo de Durão Barroso e a ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite. Não era para menos. Um ano depois da tomada de posse, o Governo parecia mover-se apenas por um objectivo: combater o défice das contas públicas. A prioridade era acertada. A disciplina orçamental é um bem em si mesmo.
Disciplinar as contas públicas era – e continua a ser – a prioridade nacional. No entanto, limitar a acção governativa a esse objectivo não apenas não o resolve, como compromete a restante actividade do executivo. Aliás, nada obriga a que a contenção orçamental não ande de braço dado com a reforma do conjunto das políticas públicas. Pelo contrário, aquele objectivo pode até funcionar como um constrangimento positivo, colocando pressão sobre os Governos para que mudem políticas – o que de outro modo poderiam não se sentir obrigados a fazer.
Três anos depois da intervenção do Presidente Sampaio, há uma diferença clara entre o Governo que então cumpria um ano e o actual executivo. Enquanto Durão Barroso nunca se conseguiu libertar da imagem de uma governação centrada na retórica sobre o combate ao défice, José Sócrates conseguiu, mantendo a pressão sobre as contas públicas, avançar com mudanças noutras áreas da governação. Em muitos casos, aliás, a necessidade de disciplina orçamental, parecendo um constrangimento, acabou por ser uma vantagem.
Pensemos na educação e na segurança social. Em ambas as áreas, ao longo do último ano, tem sido tomado um conjunto de medidas que representam passos reformistas importantes. Resta saber se sem o constrangimento orçamental o Governo as teria levado a cabo. Um exemplo de cada um dos sectores.
A racionalização da rede escolar. Ninguém tem dúvidas de que escolas com muito poucos alunos têm efeitos pedagógicos nocivos, não sendo nem boas para os alunos, nem para os professores. Além de que implicam despesas de funcionamento elevadas e pouco eficientes. Acontece que fechar escolas, por menos alunos que estas tenham, é tremendamente impopular. O Governo iniciou um processo complexo de encerramento de escolas, que entra em conflito com interesses locais poderosos. Neste caso, a necessidade de diminuir a despesa pública, não sendo o motivo por detrás desta opção, acabou, no entanto, por funcionar como um pretexto com impacto positivo. Sem a ajuda do problema das contas públicas dificilmente o Governo compraria esta “guerra”.
O complemento social para idosos. Na última década, o objectivo de combater a pobreza dos idosos assentou (ainda que com importantes variações) na progressiva equiparação das pensões mais baixas ao salário mínimo. Como é evidente, esta opção é financeiramente pesada, além de que produz desigualdades relativas por prejudicar os pensionistas com pensões pouco acima do salário mínimo. Com o novo complemento social optou-se por responder selectivamente aos idosos com pensões baixas que, por ausência de outros recursos, sejam de facto pobres. Mais uma vez, a contenção orçamental ajudou o Governo a enveredar por um caminho que promove de modo mais eficiente a equidade. Sem a necessidade de disciplina orçamental os Governos continuariam a seguir o caminho popular (e populista) de aumentar indiscriminadamente, com verbas do Orçamento de Estado, todas as pensões abaixo do salário mínimo. Também aqui o défice ajudou a criar as condições para que o Governo pudesse seguir por um caminho mais impopular, mas socialmente mais justo.
Um ano depois da sua tomada de posse, o Governo de Durão Barroso tinha a sua acção tolhida pela retórica da disciplina orçamental. Quando cumpre um ano, o actual Governo, continuando a fazer das contas públicas uma questão fundamental, tem sabido utilizar o problema orçamental como constrangimento para mudar o que de outro modo dificilmente teria capacidade para fazer. Neste sentido, tem sabido combater o défice mostrando que há vida para além deste.
artigo publicado no Diário Económico.
Disciplinar as contas públicas era – e continua a ser – a prioridade nacional. No entanto, limitar a acção governativa a esse objectivo não apenas não o resolve, como compromete a restante actividade do executivo. Aliás, nada obriga a que a contenção orçamental não ande de braço dado com a reforma do conjunto das políticas públicas. Pelo contrário, aquele objectivo pode até funcionar como um constrangimento positivo, colocando pressão sobre os Governos para que mudem políticas – o que de outro modo poderiam não se sentir obrigados a fazer.
Três anos depois da intervenção do Presidente Sampaio, há uma diferença clara entre o Governo que então cumpria um ano e o actual executivo. Enquanto Durão Barroso nunca se conseguiu libertar da imagem de uma governação centrada na retórica sobre o combate ao défice, José Sócrates conseguiu, mantendo a pressão sobre as contas públicas, avançar com mudanças noutras áreas da governação. Em muitos casos, aliás, a necessidade de disciplina orçamental, parecendo um constrangimento, acabou por ser uma vantagem.
Pensemos na educação e na segurança social. Em ambas as áreas, ao longo do último ano, tem sido tomado um conjunto de medidas que representam passos reformistas importantes. Resta saber se sem o constrangimento orçamental o Governo as teria levado a cabo. Um exemplo de cada um dos sectores.
A racionalização da rede escolar. Ninguém tem dúvidas de que escolas com muito poucos alunos têm efeitos pedagógicos nocivos, não sendo nem boas para os alunos, nem para os professores. Além de que implicam despesas de funcionamento elevadas e pouco eficientes. Acontece que fechar escolas, por menos alunos que estas tenham, é tremendamente impopular. O Governo iniciou um processo complexo de encerramento de escolas, que entra em conflito com interesses locais poderosos. Neste caso, a necessidade de diminuir a despesa pública, não sendo o motivo por detrás desta opção, acabou, no entanto, por funcionar como um pretexto com impacto positivo. Sem a ajuda do problema das contas públicas dificilmente o Governo compraria esta “guerra”.
O complemento social para idosos. Na última década, o objectivo de combater a pobreza dos idosos assentou (ainda que com importantes variações) na progressiva equiparação das pensões mais baixas ao salário mínimo. Como é evidente, esta opção é financeiramente pesada, além de que produz desigualdades relativas por prejudicar os pensionistas com pensões pouco acima do salário mínimo. Com o novo complemento social optou-se por responder selectivamente aos idosos com pensões baixas que, por ausência de outros recursos, sejam de facto pobres. Mais uma vez, a contenção orçamental ajudou o Governo a enveredar por um caminho que promove de modo mais eficiente a equidade. Sem a necessidade de disciplina orçamental os Governos continuariam a seguir o caminho popular (e populista) de aumentar indiscriminadamente, com verbas do Orçamento de Estado, todas as pensões abaixo do salário mínimo. Também aqui o défice ajudou a criar as condições para que o Governo pudesse seguir por um caminho mais impopular, mas socialmente mais justo.
Um ano depois da sua tomada de posse, o Governo de Durão Barroso tinha a sua acção tolhida pela retórica da disciplina orçamental. Quando cumpre um ano, o actual Governo, continuando a fazer das contas públicas uma questão fundamental, tem sabido utilizar o problema orçamental como constrangimento para mudar o que de outro modo dificilmente teria capacidade para fazer. Neste sentido, tem sabido combater o défice mostrando que há vida para além deste.
artigo publicado no Diário Económico.
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