um ano depois
Passou ontem um ano desde as eleições legislativas. Aproximadamente um quarto da legislatura cumprido, já há uma ideia clara da identidade do actual Governo. Na política não há segundas oportunidades para criar uma primeira impressão e a imagem do executivo de José Sócrates está, no essencial, definida. Vale a pena, a este propósito, identificar três dos seus principais aspectos positivos (estabilidade, credibilidade e reformismo), bem como três das suas principais fragilidades (promessas eleitorais, incoerência nos discursos, relação com o PS).
Uma das características deste Governo é a estabilidade. Estabilidade que se reflecte numa postura de maior discrição face à comunicação social, mas que tem como principal virtude ter aumentado a capacidade institucional do executivo e por arrasto da administração. Um governo que alimenta menos casos nos media e que, independentemente da opinião que possamos ter sobre o conteúdo das políticas, concentra o essencial da sua energia na governação, tem maior potencial de mobilização dos actores em torno da sua agenda. Como bem perceberam os portugueses há um ano, a estabilidade política é um bem em si.
A credibilidade do actual executivo resulta da estabilidade, mas também de uma aposta na confiança. Face a uma situação financeira, económica e social muito frágil, a margem de manobra do executivo passa por criar condições objectivas e, em importante medida, subjectivas para que os agentes económicos invistam. Mesmo com os indicadores de conjuntura a persistirem nos sinais negativos, algo pode estar a mudar. Alguns exemplos simbólicos de atracção de investimento estrangeiro, bem como a OPA da Sonae sobre a PT são já consequência de um discurso de confiança do primeiro-ministro, com impacto na mudança das condições subjectivas.
Se estes dois aspectos formam o contexto, a atitude reformista tem ajudado à diferenciação face à anterior experiência governativa do PS. Se havia risco que José Sócrates corria, era o de ser visto como uma versão revista de António Guterres. Pouco tempo bastou para que tal imagem fosse afastada. A vontade reformista, sem olhar a grandes tacticismos, é a imagem de marca deste Governo.
Mas, na economia da governação, têm existido pontos de enorme fragilidade.
Antes de mais, a quebra de algumas promessas eleitorais. Numa altura em que a descredibilização da classe política é muito acentuada, nada pior do que dizer uma coisa em campanha e fazer uma outra após as eleições. O exemplo mais acabado disso mesmo foi o aumento do IVA. Com a quebra desta promessa foi dada mais uma machadada na já muito frágil imagem da classe política.
Depois, a descoordenação entre o discurso acertadamente minimalista do primeiro-ministro e algumas intervenções avulsas e estrategicamente improdutivas de alguns ministros. Só nas últimas semanas é possível identificar três casos disto mesmo: quando o ministro Teixeira dos Santos falou na ruptura da segurança social; quando o ministro Freitas do Amaral resolveu fazer doutrina sobre a crise dos ‘cartoons’; ou quando o ministro Correia de Campos pretendeu inovar em relação ao financiamento do sistema de saúde. Em nenhum dos casos se consegue vislumbrar qualquer vantagem para a agenda reformista do executivo, nem para os ministros que proferiram as declarações. Três exemplos de ruído que têm perturbado as prioridades definidas pelo primeiro-ministro.
Finalmente, a relação com o partido. Não é novidade, sempre que o PS vai para o Governo, a gestão do partido é secundarizada.
Os resultados desta opção são já conhecidos: uma derrota eleitoral nas autárquicas e uma gestão desastrosa do ‘dossier’ presidenciais. Esta opção produz, contudo, danos colaterais de maior alcance. Os partidos são essenciais para a intermediação entre governo e a base social que os sustenta. Quando a gestão dessa intermediação falha, é também a própria capacidade de acção do governo que sai fragilizada.
É verdade que a questão central quando os portugueses voltarem a votar em eleições legislativas será a retoma económica. Mas convém ter presente que sendo o crescimento económico o alfa e o ómega do sucesso governativo, aquele não é independente de nenhuma destas virtudes, nem destas fraquezas.
publicado no Diário Económico
Uma das características deste Governo é a estabilidade. Estabilidade que se reflecte numa postura de maior discrição face à comunicação social, mas que tem como principal virtude ter aumentado a capacidade institucional do executivo e por arrasto da administração. Um governo que alimenta menos casos nos media e que, independentemente da opinião que possamos ter sobre o conteúdo das políticas, concentra o essencial da sua energia na governação, tem maior potencial de mobilização dos actores em torno da sua agenda. Como bem perceberam os portugueses há um ano, a estabilidade política é um bem em si.
A credibilidade do actual executivo resulta da estabilidade, mas também de uma aposta na confiança. Face a uma situação financeira, económica e social muito frágil, a margem de manobra do executivo passa por criar condições objectivas e, em importante medida, subjectivas para que os agentes económicos invistam. Mesmo com os indicadores de conjuntura a persistirem nos sinais negativos, algo pode estar a mudar. Alguns exemplos simbólicos de atracção de investimento estrangeiro, bem como a OPA da Sonae sobre a PT são já consequência de um discurso de confiança do primeiro-ministro, com impacto na mudança das condições subjectivas.
Se estes dois aspectos formam o contexto, a atitude reformista tem ajudado à diferenciação face à anterior experiência governativa do PS. Se havia risco que José Sócrates corria, era o de ser visto como uma versão revista de António Guterres. Pouco tempo bastou para que tal imagem fosse afastada. A vontade reformista, sem olhar a grandes tacticismos, é a imagem de marca deste Governo.
Mas, na economia da governação, têm existido pontos de enorme fragilidade.
Antes de mais, a quebra de algumas promessas eleitorais. Numa altura em que a descredibilização da classe política é muito acentuada, nada pior do que dizer uma coisa em campanha e fazer uma outra após as eleições. O exemplo mais acabado disso mesmo foi o aumento do IVA. Com a quebra desta promessa foi dada mais uma machadada na já muito frágil imagem da classe política.
Depois, a descoordenação entre o discurso acertadamente minimalista do primeiro-ministro e algumas intervenções avulsas e estrategicamente improdutivas de alguns ministros. Só nas últimas semanas é possível identificar três casos disto mesmo: quando o ministro Teixeira dos Santos falou na ruptura da segurança social; quando o ministro Freitas do Amaral resolveu fazer doutrina sobre a crise dos ‘cartoons’; ou quando o ministro Correia de Campos pretendeu inovar em relação ao financiamento do sistema de saúde. Em nenhum dos casos se consegue vislumbrar qualquer vantagem para a agenda reformista do executivo, nem para os ministros que proferiram as declarações. Três exemplos de ruído que têm perturbado as prioridades definidas pelo primeiro-ministro.
Finalmente, a relação com o partido. Não é novidade, sempre que o PS vai para o Governo, a gestão do partido é secundarizada.
Os resultados desta opção são já conhecidos: uma derrota eleitoral nas autárquicas e uma gestão desastrosa do ‘dossier’ presidenciais. Esta opção produz, contudo, danos colaterais de maior alcance. Os partidos são essenciais para a intermediação entre governo e a base social que os sustenta. Quando a gestão dessa intermediação falha, é também a própria capacidade de acção do governo que sai fragilizada.
É verdade que a questão central quando os portugueses voltarem a votar em eleições legislativas será a retoma económica. Mas convém ter presente que sendo o crescimento económico o alfa e o ómega do sucesso governativo, aquele não é independente de nenhuma destas virtudes, nem destas fraquezas.
publicado no Diário Económico
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