o regresso do PRD
A postura do novo Presidente face ao Governo é decisiva para se perceber os próximos anos políticos. Mas o que poderá mudar está longe de acabar nesta dimensão. Depois do último domingo, as transformações extender-se-ão ao interior dos dois principais partidos portugueses. A dimensão da derrota e da vitória trará múltiplos problemas ao PS e PSD.
Cavaco Silva enfrentará um dilema: ou contribui para uma relação tensa com o Governo ou, pelo contrário, veste o fato de Presidente da República tal como foi desenhado por Soares e vestido também por Sampaio. Qualquer das opções é problemática: a primeira promove a instabilidade, confirmando os alertas da campanha; a segunda defrauda as expectativas da larga maioria dos que nele votaram. Dá-se, contudo, o caso de Cavaco Silva não ser um homem de grandes rupturas. Pelo que, contrariando todas as expectativas, o mais provável é que opte por fazer pouco, pelo menos no primeiro mandato.
Se assim for, pouco mudará onde se esperava que muito mudasse. O que poderá mudar, e muito, é a vida dos partidos.
Antes de mais, no PSD. Na campanha, Cavaco Silva sublinhou reiteradamente o carácter supra-partidário da sua candidatura.
Houve aqui uma mistura de tacticismo puro com crença genuína. Cavaco Silva ganhou, apoiado no aparelho do PSD. Mas a sua opção por esconder essa mesma máquina é um sinal do que virá. O novo Presidente desconfia dos partidos e da política. Nisso interpreta bem o sentimento popular. O problema é que Cavaco Silva também não gosta do partido que ajudou a criar e terá a tentação de tutelar o seu espaço político. Ora, como experiências simétricas o demonstraram, nenhuma direcção partidária gosta de ser tutelada desde Belém e, principalmente, é difícil que, na oposição, se sobreviva a essa tutela. A vitória de Cavaco Silva pode representar, a esse propósito, uma mistura do pior do eanismo (a desconfiança face aos partidos) com o pior do soarismo (a tutela do seu espaço político).
A soma do resultado de Cavaco Silva com o de Manuel Alegre sublinha também o mal-estar face aos partidos. A tendência tem lastro histórico e é reincidente. Contudo, nunca teve uma expressão eleitoral tão forte. Ainda que por razões diferentes, 70% dos portugueses votaram em candidatos que abusaram da crítica aos partidos. Este dado confirma o divórcio entre sociedade e políticos. Muitas das vezes, esse divórcio ocorre pelas piores razões, mas isso não deve impedir que os partidos leiam os sinais. Se em nada mudarem, no médio prazo, quer PSD, quer PS serão inevitavelmente vítimas deste caldo cultural. É por isso que nenhum dos dois grandes partidos ganhou as últimas presidenciais.
Aqui chegamos ao PS. Dando sequência a longos meses em que geriu a questão presidencial, literalmente, com os pés, o PS incorre nos erros do passado. Fingir que nada se passou, é a pior das opções. Os resultados eleitorais de domingo não são normais, nem exclusivamente consequência da impopularidade das medidas do Governo ou de eventuais erros de condução da campanha. Pelo contrário, têm causas mais profundas e menos contigentes. Ou o PS as procura interpretar, ou está condenado a ser surpreendido por uma volatilidade crescente do voto. E, convém não esquecer, um programa de Governo reformista precisa de condições institucionais para ser levado a cabo, mas, também, de sustentação social que o torne exequível.
Desse ponto de vista, o efeito carruagem, produzido pela deslocação de votos do centro-esquerda nas últimas legislativas para o centro-direita agora, não é um problema de somenos. Como é sabido, fazer regressar eleitores é das tarefas politicamente mais difíceis. Da última vez que aconteceu levou uma década e consumiu dois secretários-gerais do PS.
Com o PSD sob tutela desde Belém, com o regresso em força do discurso anti-partidos, assente numa suposta neutralidade ideológica e com uma transferência importante de eleitorado do centro-esquerda para o centro-direita, podemos estar a viver o regresso do PRD. Hoje, como então, nada de bom daí resultará. Há vinte anos, o resultado da experiência PRD foi um defraudar de expectativas e a não resolução de nenhum dos problemas que estiveram na génese da sua força. É provavelmente essa a história a que assistiremos nos próximos anos.
publicado no Diário Económico.
Cavaco Silva enfrentará um dilema: ou contribui para uma relação tensa com o Governo ou, pelo contrário, veste o fato de Presidente da República tal como foi desenhado por Soares e vestido também por Sampaio. Qualquer das opções é problemática: a primeira promove a instabilidade, confirmando os alertas da campanha; a segunda defrauda as expectativas da larga maioria dos que nele votaram. Dá-se, contudo, o caso de Cavaco Silva não ser um homem de grandes rupturas. Pelo que, contrariando todas as expectativas, o mais provável é que opte por fazer pouco, pelo menos no primeiro mandato.
Se assim for, pouco mudará onde se esperava que muito mudasse. O que poderá mudar, e muito, é a vida dos partidos.
Antes de mais, no PSD. Na campanha, Cavaco Silva sublinhou reiteradamente o carácter supra-partidário da sua candidatura.
Houve aqui uma mistura de tacticismo puro com crença genuína. Cavaco Silva ganhou, apoiado no aparelho do PSD. Mas a sua opção por esconder essa mesma máquina é um sinal do que virá. O novo Presidente desconfia dos partidos e da política. Nisso interpreta bem o sentimento popular. O problema é que Cavaco Silva também não gosta do partido que ajudou a criar e terá a tentação de tutelar o seu espaço político. Ora, como experiências simétricas o demonstraram, nenhuma direcção partidária gosta de ser tutelada desde Belém e, principalmente, é difícil que, na oposição, se sobreviva a essa tutela. A vitória de Cavaco Silva pode representar, a esse propósito, uma mistura do pior do eanismo (a desconfiança face aos partidos) com o pior do soarismo (a tutela do seu espaço político).
A soma do resultado de Cavaco Silva com o de Manuel Alegre sublinha também o mal-estar face aos partidos. A tendência tem lastro histórico e é reincidente. Contudo, nunca teve uma expressão eleitoral tão forte. Ainda que por razões diferentes, 70% dos portugueses votaram em candidatos que abusaram da crítica aos partidos. Este dado confirma o divórcio entre sociedade e políticos. Muitas das vezes, esse divórcio ocorre pelas piores razões, mas isso não deve impedir que os partidos leiam os sinais. Se em nada mudarem, no médio prazo, quer PSD, quer PS serão inevitavelmente vítimas deste caldo cultural. É por isso que nenhum dos dois grandes partidos ganhou as últimas presidenciais.
Aqui chegamos ao PS. Dando sequência a longos meses em que geriu a questão presidencial, literalmente, com os pés, o PS incorre nos erros do passado. Fingir que nada se passou, é a pior das opções. Os resultados eleitorais de domingo não são normais, nem exclusivamente consequência da impopularidade das medidas do Governo ou de eventuais erros de condução da campanha. Pelo contrário, têm causas mais profundas e menos contigentes. Ou o PS as procura interpretar, ou está condenado a ser surpreendido por uma volatilidade crescente do voto. E, convém não esquecer, um programa de Governo reformista precisa de condições institucionais para ser levado a cabo, mas, também, de sustentação social que o torne exequível.
Desse ponto de vista, o efeito carruagem, produzido pela deslocação de votos do centro-esquerda nas últimas legislativas para o centro-direita agora, não é um problema de somenos. Como é sabido, fazer regressar eleitores é das tarefas politicamente mais difíceis. Da última vez que aconteceu levou uma década e consumiu dois secretários-gerais do PS.
Com o PSD sob tutela desde Belém, com o regresso em força do discurso anti-partidos, assente numa suposta neutralidade ideológica e com uma transferência importante de eleitorado do centro-esquerda para o centro-direita, podemos estar a viver o regresso do PRD. Hoje, como então, nada de bom daí resultará. Há vinte anos, o resultado da experiência PRD foi um defraudar de expectativas e a não resolução de nenhum dos problemas que estiveram na génese da sua força. É provavelmente essa a história a que assistiremos nos próximos anos.
publicado no Diário Económico.
<< Home