o mimetismo do PSD
Enquanto se vai reforçando a descredibilização dos partidos, estes procuram ir fazendo alguma coisa na sua organização para inverter a tendência. Pouco e de modo silencioso, mas ainda assim relevante. Foi o que aconteceu quando o PS, após a derrota eleitoral de Março de 2002, alterou os seus estatutos e reviu a sua declaração de princípios. É o que acontece agora, quatro anos depois, no PSD, quando marca um congresso com objectivos muito semelhantes.
Vale a pena atentar no conjunto de propostas que a direcção de Marques Mendes apresentou, bem como as reacções que rapidamente se fizeram sentir. Não apenas porque as propostas são semelhantes às que então o PS aprovou, mas, essencialmente, porque o modo como foram recebidas foi análogo ao que ocorreu entre os socialistas. Estes factos não desmerecem o propósito de Marques Mendes. São antes reveladores de muitos dos dilemas e bloqueios que enfrenta a mudança dos partidos políticos.
Antes de mais as eleições directas. Há, a este propósito, um problema de comparação. Após as últimas eleições internas do PS, dificilmente alguém pode aspirar a ter uma liderança forte num partido político do arco da governabilidade sem ser eleito directamente. Desse ponto de vista, Marques Mendes tem razão: o líder do maior partido da oposição ganha em reforçar a sua legitimidade interna e não há nenhuma razão, para além do mero tacticismo político, que justifique o adiamento dessa opção.
Mas, acima de tudo, o aumento do valor das quotas e o seu pagamento directo pelos militantes. Um estranho à vida partidária terá a tendência para olhar com cepticismo para este debate. Dá-se, contudo, o caso de nele assentar uma parte importante dos mecanismos de reprodução de poder interno nos partidos. A discussão sobre de que forma as quotas devem ser pagas é um excelente observatório dos males dos partidos e da forma como estes podem ser ultrapassados.
Quando se fala do pagamento obrigatório e feito directamente pelos militantes das quotas partidárias, está-se a colocar em causa o poder daqueles que pagando quotas de terceiros (ou em muitos casos, fingindo pagar) decidem quem é militante e quem tem possibilidade de eleger para as estruturas partidárias. Como se calcula, as quotas pagas generosamente pelos caciques locais são, a um tempo, um mecanismo de fechamento dos partidos e de perpetuação de lógicas perversas de poder interno. Se os x militantes existentes chegam para manter uma determinada estrutura de poder, porque razão abrir a porta a novos militantes não “controlados”? É que a equação é simples: quem paga quotas é eleito e quem é eleito passa a ter mais recursos para pagar quotas.
Não por acaso, quando agora o PSD procura credibilizar a militância partidária, logo surgem vozes a reagir a esta opção. Curiosamente, as reacções são miméticas às que se ouviram no PS. Nos dois casos, sob o argumento de que com os novos regimes de quotizações se corre o risco de afastar da militância partidária aqueles que têm menos recursos, esconde-se o desconforto crescente daqueles que cimentam o seu poder em mecanismos de generosidade interessada.
Há também um problema com o contexto. Quer PS, quer PSD demonstraram vontade de mudar os estatutos quando na oposição. Uma vez no poder e com mais capital para promover reformas internas, paradoxalmente desinvestem na mudança. É um erro porque o exercício de uma governação reformista requer sustentação em partidos políticos modernos. Mas é-o, acima de tudo, porque a imagem das estruturas partidárias aos olhos de quem está de fora tem-se degradado de tal modo que se os partidos nada fizerem, os cidadãos encarregar-se-ão de fazer alguma coisa. Os resultados das presidenciais continuam aí para mostrar que assim é.
Por estranho que possa parecer, pôr termo às manigâncias no pagamento das quotas é um passo com um alcance maior do que aparenta e faz mais pela credibilização dos partidos do que uma mão-cheia de discursos abstractos sobre cidadania e participação. É que a regeneração da vida política ou se faz nos partidos ou não se faz.
publicado no Diário Económico.
Vale a pena atentar no conjunto de propostas que a direcção de Marques Mendes apresentou, bem como as reacções que rapidamente se fizeram sentir. Não apenas porque as propostas são semelhantes às que então o PS aprovou, mas, essencialmente, porque o modo como foram recebidas foi análogo ao que ocorreu entre os socialistas. Estes factos não desmerecem o propósito de Marques Mendes. São antes reveladores de muitos dos dilemas e bloqueios que enfrenta a mudança dos partidos políticos.
Antes de mais as eleições directas. Há, a este propósito, um problema de comparação. Após as últimas eleições internas do PS, dificilmente alguém pode aspirar a ter uma liderança forte num partido político do arco da governabilidade sem ser eleito directamente. Desse ponto de vista, Marques Mendes tem razão: o líder do maior partido da oposição ganha em reforçar a sua legitimidade interna e não há nenhuma razão, para além do mero tacticismo político, que justifique o adiamento dessa opção.
Mas, acima de tudo, o aumento do valor das quotas e o seu pagamento directo pelos militantes. Um estranho à vida partidária terá a tendência para olhar com cepticismo para este debate. Dá-se, contudo, o caso de nele assentar uma parte importante dos mecanismos de reprodução de poder interno nos partidos. A discussão sobre de que forma as quotas devem ser pagas é um excelente observatório dos males dos partidos e da forma como estes podem ser ultrapassados.
Quando se fala do pagamento obrigatório e feito directamente pelos militantes das quotas partidárias, está-se a colocar em causa o poder daqueles que pagando quotas de terceiros (ou em muitos casos, fingindo pagar) decidem quem é militante e quem tem possibilidade de eleger para as estruturas partidárias. Como se calcula, as quotas pagas generosamente pelos caciques locais são, a um tempo, um mecanismo de fechamento dos partidos e de perpetuação de lógicas perversas de poder interno. Se os x militantes existentes chegam para manter uma determinada estrutura de poder, porque razão abrir a porta a novos militantes não “controlados”? É que a equação é simples: quem paga quotas é eleito e quem é eleito passa a ter mais recursos para pagar quotas.
Não por acaso, quando agora o PSD procura credibilizar a militância partidária, logo surgem vozes a reagir a esta opção. Curiosamente, as reacções são miméticas às que se ouviram no PS. Nos dois casos, sob o argumento de que com os novos regimes de quotizações se corre o risco de afastar da militância partidária aqueles que têm menos recursos, esconde-se o desconforto crescente daqueles que cimentam o seu poder em mecanismos de generosidade interessada.
Há também um problema com o contexto. Quer PS, quer PSD demonstraram vontade de mudar os estatutos quando na oposição. Uma vez no poder e com mais capital para promover reformas internas, paradoxalmente desinvestem na mudança. É um erro porque o exercício de uma governação reformista requer sustentação em partidos políticos modernos. Mas é-o, acima de tudo, porque a imagem das estruturas partidárias aos olhos de quem está de fora tem-se degradado de tal modo que se os partidos nada fizerem, os cidadãos encarregar-se-ão de fazer alguma coisa. Os resultados das presidenciais continuam aí para mostrar que assim é.
Por estranho que possa parecer, pôr termo às manigâncias no pagamento das quotas é um passo com um alcance maior do que aparenta e faz mais pela credibilização dos partidos do que uma mão-cheia de discursos abstractos sobre cidadania e participação. É que a regeneração da vida política ou se faz nos partidos ou não se faz.
publicado no Diário Económico.
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