terça-feira, abril 04, 2006

a ingovernabilidade

Maio de 2001. Silvio Berlusconi encena, num programa televisivo, a assinatura de um contrato com os italianos. Mesa e contexto a fazerem lembrar uma conservatória e apenas cinco compromissos. Se não cumprisse pelo menos quatro, era sua palavra de honra, não voltaria a candidatar-se. Foi o momento da campanha. Face a uma esquerda que se apresentava dividida e sem liderança, Berlusconi surgia como o líder, falando directamente aos italianos, sem intermediação. Candidatava-se apoiado por uma larga coligação: desde a Força Itália até essa agremiação grotesca que é a Liga Norte, passando pelos pós-fascistas da AN e pelos democratas-cristãos da UCD. Num país bipolarizado, ganha quem conseguir unir e mobilizar o seu campo político. Há cinco anos foi o centro direita que o conseguiu.

Hoje, nem o mais fervoroso apoiante de Berlusconi arriscaria dizer que um dos cinco compromissos assinados solenemente foi cumprido. A economia italiana encontra-se estagnada e a conflitualidade política atinge níveis altíssimos. Durante estes anos, o Governo pareceu sempre mais empenhado em resolver as dificuldades de Berlusconi ou dos seus próximos com a justiça do que em governar.

Mas, por estranho que possa parecer, o principal problema de Berlusconi não é o controlo hegemónico que exerce sobre a comunicação social, nem sequer a teia de cumplicidades económicas e políticas, características da Primeira República italiana, de que ele é produto. O principal problema do primeiro-ministro italiano é ter, com o seu estilo - feito de piadas de péssimo gosto e de uma crescente megalomania –, enredado a política italiana num espiral de demência colectiva e de populismo maniqueísta, sem que daí resultasse qualquer vantagem para o País. Apesar de, naquilo que é uma experiência incomum, a Itália ter beneficiado de uma legislatura inteira, a instabilidade é a marca forte do regime e Berlusconi é, hoje, o seu principal responsável.

Mas será que alguma coisa mudará com a mais do que provável vitória de Prodi no próximo fim-de-semana?

Prodi surge claramente como o anti-Berlusconi. Ainda assim, partilha com o actual primeiro-ministro um traço comum. Também Prodi se apresenta como o não político, distante daquilo que são os resquícios dos partidos da Primeira República. Mas enquanto Berlusconi é o não político, histriónico e apalhaçado, Prodi é o não político, tranquilo e distante. Mas bastará esta atitude contrastante para tornar a Itália mais governável?

Com um sistema eleitoral em constante mudança e com um sistema partidário ultra pulverizado (cerca de duas dezenas de partidos terão representação parlamentar e o mais votado pouco superará os vinte por cento) é difícil garantir a estabilidade. Se no centro-direita há que unir os moderados da democracia-cristã com os pré-civilizados da Liga Norte e conviver com as idiossincrasias de Berlusconi, a tarefa do centro-esquerda não é menos difícil. As trezentas páginas do programa eleitoral são disso exemplo. Nada é dito e nenhum compromisso é assumido. É que nas áreas sensíveis, como as questões laborais ou orçamentais, é impossível encontrar um acordo entre Refundação Comunista, Democratas de Esquerda, Radicais de Bonino ou centristas da Margarida. Num contexto de austeridade, mesmo se Prodi introduzir alguma moderação e acalmia na política italiana, é pouco provável que a sua coligação resista.

Daqui a um ano, tudo o que pode restar à Itália é regressar às lógicas de equilíbrios que no passado em muito contribuíram para o fim da Primeira República. Incapaz de criar um sistema partidário que garanta a governabilidade, com incentivos políticos e eleitorais ao poder de veto dos pequenos partidos, Prodi pode ver-se obrigado a recompor diariamente a sua aliança eleitoral.

Aliás, a situação que se vive em Itália não é única. Quando olhamos hoje também para França, só podemos recordar o valor da estabilidade política. Ter condições de governabilidade pode não ser suficiente para que os países europeus ultrapassem a crise, mas é certamente condição necessária. É por isso que o caminho percorrido pela Alemanha depois das últimas eleições e por Portugal no último ano é tão importante.

publicado no Diário Económico