Saber esperar
Passam as maiorias e a ideia persiste: a oposição não se opõe e não apresenta alternativas. Como em todas as tendências fortes, as causas explicativas encontram-se menos na actuação daqueles que em cada momento ocupam os lugares e mais em factores estruturais.
Quem está na oposição tende a diabolizar a capacidade propagandística do governo. No entanto, esta é uma consequência, em primeiro lugar, da inexistência de um estatuto da oposição adequado, da assimetria quer de posição (por exemplo, nos debates parlamentares), quer de acesso à informação, entre executivo e restantes partidos. A oposição procura sempre trazer para a agenda a valorização do seu estatuto; uma vez no poder a ideia é invariavelmente abandonada. Num país em que se fala tantas vezes em pactos de regime, este é um tema sobre o qual deveria procurar-se um entendimento.
Se o estatuto da oposição pode ser melhorado, há factores mais pesados que dificilmente se transformam. O principal é o código genético dos partidos de poder em Portugal: PS e PSD não nasceram de movimentos sociais, nem são o produto de clivagens sociais e ideológicas lineares. Ainda que com importantes diferenças, ambos são “partidos de cartel”, construídos por elites e assentes na distribuição de recursos públicos.
O seu principal factor de ancoragem social é a distribuição de poder. Na oposição há, naturalmente, menos poder para distribuir, pelo que se assiste a uma deserção de quadros e uma diminuição da capacidade de produzir alternativas.
A resposta funcional dos partidos à fraca ancoragem social é uma crescente ligação às dinâmicas concelhias. Os mecanismos de reprodução de poder interno vão-se tornando mais poderosos e assentando onde o poder é mais estável: nas autarquias. Este processo de ‘autarquização’ dos principais partidos esconde mecanismos que dificultam o exercício de oposição.
Primeiro de tudo, porque o poder dentro dos partidos emana, cada vez mais, de lutas marcadas pela posição face ao poder autárquico em cada concelho. Com o passar do tempo, esta tendência para o fechamento tem vindo a assumir maior relevo, curiosamente sempre a coberto de um discurso que fala de abertura à sociedade civil. Isto ocorre num contexto contaminado pelo financiamento partidário, nomeadamente na sua relação com dimensões muito perversas do estatuto da oposição nos executivos camarários.
Depois, porque as disputas locais não são susceptíveis de ser transpostas para causas nacionais. A oposição não pode limitar-se a federar causas particulares. Com isto, as direcções centrais ficam com poucos interlocutores, tornando-se difícil construir coligações internas robustas.
Uma vez chegado ao governo, o poder passa a emanar do Estado e o partido é secundarizado. Esta opção permite maior liberdade de movimentos e garante a governabilidade, mas há o reverso da medalha: no regresso à oposição é difícil defender novas políticas, estando-se limitado à informação que se tinha aquando no poder.
Com quadros pouco mobilizados e com o poder muito atomizado internamente, os partidos ficam sem capacidade de produzir alternativas e enredam-se na intriga interna. A isto acresce a fragilidade da sociedade civil e uma total ausência de think-tanks que poderiam injectar nos partidos novas ideias e políticas alternativas. A oposição ao governo fica quase reduzida a lugares comuns.
É por tudo isto que o que parece sobrar às sucessivas oposições é resistir internamente e esperar que o cansaço faça com que o eleitorado lhe caia nos braços. Resta saber até quando é que os portugueses verão como legítimo um sistema político fechado e, pior que tudo, bloqueado.
publicado no Expresso
Quem está na oposição tende a diabolizar a capacidade propagandística do governo. No entanto, esta é uma consequência, em primeiro lugar, da inexistência de um estatuto da oposição adequado, da assimetria quer de posição (por exemplo, nos debates parlamentares), quer de acesso à informação, entre executivo e restantes partidos. A oposição procura sempre trazer para a agenda a valorização do seu estatuto; uma vez no poder a ideia é invariavelmente abandonada. Num país em que se fala tantas vezes em pactos de regime, este é um tema sobre o qual deveria procurar-se um entendimento.
Se o estatuto da oposição pode ser melhorado, há factores mais pesados que dificilmente se transformam. O principal é o código genético dos partidos de poder em Portugal: PS e PSD não nasceram de movimentos sociais, nem são o produto de clivagens sociais e ideológicas lineares. Ainda que com importantes diferenças, ambos são “partidos de cartel”, construídos por elites e assentes na distribuição de recursos públicos.
O seu principal factor de ancoragem social é a distribuição de poder. Na oposição há, naturalmente, menos poder para distribuir, pelo que se assiste a uma deserção de quadros e uma diminuição da capacidade de produzir alternativas.
A resposta funcional dos partidos à fraca ancoragem social é uma crescente ligação às dinâmicas concelhias. Os mecanismos de reprodução de poder interno vão-se tornando mais poderosos e assentando onde o poder é mais estável: nas autarquias. Este processo de ‘autarquização’ dos principais partidos esconde mecanismos que dificultam o exercício de oposição.
Primeiro de tudo, porque o poder dentro dos partidos emana, cada vez mais, de lutas marcadas pela posição face ao poder autárquico em cada concelho. Com o passar do tempo, esta tendência para o fechamento tem vindo a assumir maior relevo, curiosamente sempre a coberto de um discurso que fala de abertura à sociedade civil. Isto ocorre num contexto contaminado pelo financiamento partidário, nomeadamente na sua relação com dimensões muito perversas do estatuto da oposição nos executivos camarários.
Depois, porque as disputas locais não são susceptíveis de ser transpostas para causas nacionais. A oposição não pode limitar-se a federar causas particulares. Com isto, as direcções centrais ficam com poucos interlocutores, tornando-se difícil construir coligações internas robustas.
Uma vez chegado ao governo, o poder passa a emanar do Estado e o partido é secundarizado. Esta opção permite maior liberdade de movimentos e garante a governabilidade, mas há o reverso da medalha: no regresso à oposição é difícil defender novas políticas, estando-se limitado à informação que se tinha aquando no poder.
Com quadros pouco mobilizados e com o poder muito atomizado internamente, os partidos ficam sem capacidade de produzir alternativas e enredam-se na intriga interna. A isto acresce a fragilidade da sociedade civil e uma total ausência de think-tanks que poderiam injectar nos partidos novas ideias e políticas alternativas. A oposição ao governo fica quase reduzida a lugares comuns.
É por tudo isto que o que parece sobrar às sucessivas oposições é resistir internamente e esperar que o cansaço faça com que o eleitorado lhe caia nos braços. Resta saber até quando é que os portugueses verão como legítimo um sistema político fechado e, pior que tudo, bloqueado.
publicado no Expresso
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