"Sócrates vai à China"
Há na ciência política um argumento muito popular, inspirado na viagem do Presidente Nixon à China em 1972. O contexto é simples: em plena Guerra Fria, o então Presidente norte-americano, insuspeito de simpatias comunistas, deslocou-se, numa viagem preparada com grande secretismo, a Pequim, para reatar relações diplomáticas com a China e iniciar uma aproximação entre blocos de modo a colocar fim à Guerra Fria.
Desde então, a expressão ‘Nixon goes to China’ tem sido usada para explicar casos em que Governos e/ou actores políticos levam a cabo acções e estratégias que, à partida, seriam improváveis tendo em conta o seu posicionamento ideológico ou político-partidário. O argumento aplica-se, essencialmente, a opções baseadas no realismo e nas quais a capacidade política dos actores aumenta por força da distância face ao seu lugar de origem – ex., a um Presidente Republicano era mais fácil promover a aproximação a um país comunista, na medida em que não corria o risco de ser acusado, no caso, de ter simpatias pró-maoistas.
Isto vem a propósito das propostas do Governo para promover a sustentabilidade da segurança social. São medidas que decorrem de uma análise realista, mas são também medidas altamente impopulares, cuja adopção requer capacidade institucional e política.
O diagnóstico é partilhado: há um contrato social subjacente à garantia de pensões. Contudo, as condições em que aquele se baseia alteraram-se de tal modo que a sua sustentabilidade no médio prazo se tornou difícil (por força, por exemplo, das transformações nos modelos de família e da crescente feminização do mercado de trabalho, com a consequente baixa da natalidade, assim como do aumento da esperança de vida). Se a isto somarmos dinâmicas (até ver) conjunturais, temos um cenário ainda mais negro – o arrefecimento da economia, o crescimento da taxa de desemprego e o número muito significativo de pensionistas com carreiras contributivas curtas e fracas.
Desse ponto de vista, os custos da não mudança são muito superiores às mudanças propostas, ainda que estas coloquem em causa o contrato social em vigor. É que ou a segurança social é reformada agora ou é a própria existência de uma segurança social pública que corre o risco de se reformar.
Mas uma coisa é o diagnóstico e as medidas apresentadas para lhe responder, outra, diferente, é a capacidade institucional e política para as levar a cabo. Aqui reside, provavelmente, a grande diferença do actual contexto político e que leva a que se possa falar de uma ida de José Sócrates à ”China”.
Primeiro, porque vivemos um ambiente em que a disponibilidade colectiva para aceitar sacrifícios é assinalável. Naturalmente, que a disseminação de leituras ”realistas” não chega. Sem capacidade política de pouco serviria a unanimidade em torno da necessidade de fazer alguma coisa. Ora este Governo tem a seu favor o contexto, mas tem também condições políticas únicas para levar a cabo medidas que sendo necessárias, são, pela sua impopularidade, de difícil implementação.
Não tenhamos dúvidas, é mais fácil a um governo do PS, ainda para mais com um Ministro da segurança social insuspeito de tendências privatizadoras ou de inclinações neo-liberais, reformar a segurança social do que a um governo do PSD. Esqueçamos, por um momento, divergências nas soluções propostas e rapidamente nos apercebemos que este mesmo pacote teria sido recebido com uma enorme desconfiança se apresentado por um executivo de centro-direita. Este facto é, no actual contexto económico e social, um trunfo muito valioso para o país, usado agora na segurança social mas que deve ser alargado a outras áreas.
Por paradoxal que possa parecer, não é apenas a existência de uma maioria absoluta ou a partilha da ideia de que ”o país está mal” que tem permitido a este Governo uma atitude reformista. É também o lugar político de onde parte que o capacita para adoptar esta estratégia. Convém é não esquecer que ”as idas à China” trazem consigo sérios problemas. Entre eles as condições em que se regressa ao ponto de partida.
publicado no Diário Económico.
Desde então, a expressão ‘Nixon goes to China’ tem sido usada para explicar casos em que Governos e/ou actores políticos levam a cabo acções e estratégias que, à partida, seriam improváveis tendo em conta o seu posicionamento ideológico ou político-partidário. O argumento aplica-se, essencialmente, a opções baseadas no realismo e nas quais a capacidade política dos actores aumenta por força da distância face ao seu lugar de origem – ex., a um Presidente Republicano era mais fácil promover a aproximação a um país comunista, na medida em que não corria o risco de ser acusado, no caso, de ter simpatias pró-maoistas.
Isto vem a propósito das propostas do Governo para promover a sustentabilidade da segurança social. São medidas que decorrem de uma análise realista, mas são também medidas altamente impopulares, cuja adopção requer capacidade institucional e política.
O diagnóstico é partilhado: há um contrato social subjacente à garantia de pensões. Contudo, as condições em que aquele se baseia alteraram-se de tal modo que a sua sustentabilidade no médio prazo se tornou difícil (por força, por exemplo, das transformações nos modelos de família e da crescente feminização do mercado de trabalho, com a consequente baixa da natalidade, assim como do aumento da esperança de vida). Se a isto somarmos dinâmicas (até ver) conjunturais, temos um cenário ainda mais negro – o arrefecimento da economia, o crescimento da taxa de desemprego e o número muito significativo de pensionistas com carreiras contributivas curtas e fracas.
Desse ponto de vista, os custos da não mudança são muito superiores às mudanças propostas, ainda que estas coloquem em causa o contrato social em vigor. É que ou a segurança social é reformada agora ou é a própria existência de uma segurança social pública que corre o risco de se reformar.
Mas uma coisa é o diagnóstico e as medidas apresentadas para lhe responder, outra, diferente, é a capacidade institucional e política para as levar a cabo. Aqui reside, provavelmente, a grande diferença do actual contexto político e que leva a que se possa falar de uma ida de José Sócrates à ”China”.
Primeiro, porque vivemos um ambiente em que a disponibilidade colectiva para aceitar sacrifícios é assinalável. Naturalmente, que a disseminação de leituras ”realistas” não chega. Sem capacidade política de pouco serviria a unanimidade em torno da necessidade de fazer alguma coisa. Ora este Governo tem a seu favor o contexto, mas tem também condições políticas únicas para levar a cabo medidas que sendo necessárias, são, pela sua impopularidade, de difícil implementação.
Não tenhamos dúvidas, é mais fácil a um governo do PS, ainda para mais com um Ministro da segurança social insuspeito de tendências privatizadoras ou de inclinações neo-liberais, reformar a segurança social do que a um governo do PSD. Esqueçamos, por um momento, divergências nas soluções propostas e rapidamente nos apercebemos que este mesmo pacote teria sido recebido com uma enorme desconfiança se apresentado por um executivo de centro-direita. Este facto é, no actual contexto económico e social, um trunfo muito valioso para o país, usado agora na segurança social mas que deve ser alargado a outras áreas.
Por paradoxal que possa parecer, não é apenas a existência de uma maioria absoluta ou a partilha da ideia de que ”o país está mal” que tem permitido a este Governo uma atitude reformista. É também o lugar político de onde parte que o capacita para adoptar esta estratégia. Convém é não esquecer que ”as idas à China” trazem consigo sérios problemas. Entre eles as condições em que se regressa ao ponto de partida.
publicado no Diário Económico.
<< Home