Os ministros independentes
Entre as singularidades da política portuguesa, encontram-se os ministros independentes. Apresentados aquando da formação dos governos como um sinal de abertura à “sociedade civil”, tendem mais tarde a revelar-se, com excepções, casos problemáticos. Os exemplos recentes de Freitas do Amaral ou, para nos mantermos no actual executivo, o de Campos e Cunha, estão aí para provar como uma vantagem aparente pode trazer problemas no médio prazo (ou porque revelam cansaço ou inabilidade política ou quebras de solidariedade com a linha governativa). Mas para além das idiossincrasias dos ministros, a “independência” é, acima de tudo, um sintoma da fragilidade do sistema político português e das dificuldades que enfrentam, desde a sua génese, os partidos do “arco governativo”.
Não se pense que o número crescente de ministros sem filiação partidária é um sinal de aproximação do nosso sistema à norma europeia. Pelo contrário. As democracias olhadas como exemplares e mais institucionalizadas, caracterizam-se precisamente pela ausência de ministros vindos de “fora” do sistema partidário. No Reino Unido, os membros do Governo são necessariamente deputados, eleitos em eleições competitivas, em círculos uninominais e nos países escandinavos, os governantes tendem a ser “políticos profissionais”, saídos dos aparelhos partidários. Num caso e noutro, há incentivos para que os melhores vão a votos e, não menos importante, se envolvam na vida partidária. Em Portugal há, exactamente, o incentivo contrário.
A este propósito, a saída de Freitas do Amaral do executivo gerou um tipo de comentário sintomático: o Governo passava a falar a uma só voz, tendo em conta que deixou de haver personalidades que ombreassem com o primeiro-ministro. Acresce que este facto é visto como uma desvantagem.
Percebo que se valorize o pluralismo, mas não me parece que haja qualquer vantagem em o País ter ministros que fazem ouvir as suas opiniões sobre política geral fora do Conselho de Ministros. A governabilidade – que dá-se o caso de ser absolutamente vital para o país – está mais bem garantida com um Governo coeso, do que com um conjunto de vozes independentes. Portugal precisa mais de Governos normalizados, estáveis e sem perturbações do que de vozes com autonomia.
Mas a nomeação de independentes é, antes de mais, sinal da fragilidade dos partidos. Com a agravante que tem como efeito reforçar essa mesma fragilidade.
Em primeiro lugar, porque é reveladora da personalização excessiva da política portuguesa em torno dos sucessivos líderes do Governo. Não por acaso, os partidos portugueses têm muito poucos ou nenhuns poderes de configuração dos executivos. Pelo que é natural que se os partidos servem para fazer campanhas e, uma vez estas terminadas, “recolhem” às sedes, haja uma secundarização dos quadros partidários. A isto há que juntar a percepção de que, para quem ambiciona governar, é uma vantagem não pertencer ao aparelho. A consequência é a degradação crescente da imagem dos partidos e dos seus militantes, compensada pela valorização dos independentes.
Depois, trata-se duma tentativa de os partidos resolverem o seu tradicional problema de falta de ancoragem social. Ao trazerem independentes para o Governo, o que os partidos estão a confirmar é que não são representativos da sociedade e que para se tornarem legítimos aos olhos do eleitorado, não lhes basta ganharem eleições. Enquanto o fazem, acabam por interiorizar ainda mais as suas fragilidades, quando o que deviam fazer era contrariá-las. A consequência, também aqui, é uma menorização da função representativa dos partidos – para a qual, convém lembrar, não é conhecida alternativa democrática.
O entusiasmo com que são recebidos os ministros independentes, os episódios que lhes costumam estar associados e o fechamento dos executivos que é imputado às suas saídas, são tudo sinais da fraca institucionalização da democracia portuguesa. O problema essencial é que são sinais que em lugar de serem contrariados tendem a ser reforçados por todos os actores – membros dos Governos, dirigentes partidários e comunicação social.
publicado no Diário Económico.
Não se pense que o número crescente de ministros sem filiação partidária é um sinal de aproximação do nosso sistema à norma europeia. Pelo contrário. As democracias olhadas como exemplares e mais institucionalizadas, caracterizam-se precisamente pela ausência de ministros vindos de “fora” do sistema partidário. No Reino Unido, os membros do Governo são necessariamente deputados, eleitos em eleições competitivas, em círculos uninominais e nos países escandinavos, os governantes tendem a ser “políticos profissionais”, saídos dos aparelhos partidários. Num caso e noutro, há incentivos para que os melhores vão a votos e, não menos importante, se envolvam na vida partidária. Em Portugal há, exactamente, o incentivo contrário.
A este propósito, a saída de Freitas do Amaral do executivo gerou um tipo de comentário sintomático: o Governo passava a falar a uma só voz, tendo em conta que deixou de haver personalidades que ombreassem com o primeiro-ministro. Acresce que este facto é visto como uma desvantagem.
Percebo que se valorize o pluralismo, mas não me parece que haja qualquer vantagem em o País ter ministros que fazem ouvir as suas opiniões sobre política geral fora do Conselho de Ministros. A governabilidade – que dá-se o caso de ser absolutamente vital para o país – está mais bem garantida com um Governo coeso, do que com um conjunto de vozes independentes. Portugal precisa mais de Governos normalizados, estáveis e sem perturbações do que de vozes com autonomia.
Mas a nomeação de independentes é, antes de mais, sinal da fragilidade dos partidos. Com a agravante que tem como efeito reforçar essa mesma fragilidade.
Em primeiro lugar, porque é reveladora da personalização excessiva da política portuguesa em torno dos sucessivos líderes do Governo. Não por acaso, os partidos portugueses têm muito poucos ou nenhuns poderes de configuração dos executivos. Pelo que é natural que se os partidos servem para fazer campanhas e, uma vez estas terminadas, “recolhem” às sedes, haja uma secundarização dos quadros partidários. A isto há que juntar a percepção de que, para quem ambiciona governar, é uma vantagem não pertencer ao aparelho. A consequência é a degradação crescente da imagem dos partidos e dos seus militantes, compensada pela valorização dos independentes.
Depois, trata-se duma tentativa de os partidos resolverem o seu tradicional problema de falta de ancoragem social. Ao trazerem independentes para o Governo, o que os partidos estão a confirmar é que não são representativos da sociedade e que para se tornarem legítimos aos olhos do eleitorado, não lhes basta ganharem eleições. Enquanto o fazem, acabam por interiorizar ainda mais as suas fragilidades, quando o que deviam fazer era contrariá-las. A consequência, também aqui, é uma menorização da função representativa dos partidos – para a qual, convém lembrar, não é conhecida alternativa democrática.
O entusiasmo com que são recebidos os ministros independentes, os episódios que lhes costumam estar associados e o fechamento dos executivos que é imputado às suas saídas, são tudo sinais da fraca institucionalização da democracia portuguesa. O problema essencial é que são sinais que em lugar de serem contrariados tendem a ser reforçados por todos os actores – membros dos Governos, dirigentes partidários e comunicação social.
publicado no Diário Económico.
<< Home