da selecção a Timor
Com Timor e com a selecção nacional a pátria parece ressurgir. Numa época de intenso pessimismo, geram-se ondas de entusiasmo, sem ponderação crítica.
Percebe-se que assim seja em relação ao futebol. Gosta-se de futebol, ponto final. Não vale a pena tentar encontrar justificações racionais. Mas a selecção é um pouco diferente. Nela o que está em causa não é a ”clubite” aguda. O entusiasmo em torno da equipa das quinas estende-se para além dos que acompanham com religiosidade semanal os três grandes.
Este facto aumenta a responsabilidade da selecção. É por isso que uma coisa é um treinador de um clube entreter-se em declarações irresponsáveis. Não vincula ninguém. A selecção, pelo contrário, representa Portugal. Mas gerou-se uma onda de optimismo acrítico que quase proíbe o escrutínio do seus responsáveis: quem critica a selecção não é bom patriota. Acontece que o que a selecção faz e o que os seus responsáveis dizem deveria ser exemplar. Deveria mas não é.
Desse ponto de vista, o seleccionador nacional tem sido um exemplo paradigmático. Não estão em causa as suas opções desportivas. O futebol é um campo de saber democratizado, sobre o qual todos temos opiniões definitivas. O que está em causa é a sua reacção a críticas legítimas. Responder aos críticos insinuando que têm comportamentos xenófobos e não passam de intelectuais, são acusações muito graves, que remetem para uma genealogia ideológica populista e autoritária. Quem representa Portugal deveria saber estar à altura dessa responsabilidade. Na selecção, os resultados desportivos não podem ser a medida exclusiva de tudo.
Com Timor, Portugal reage também de modo emotivo. Haverá poucos assuntos geradores de tão grande unanimismo e em que o idealismo seja uma força tão dominante. Numa época de cinismos alargados, este facto é importante. Mas a política internacional gerida com base no idealismo revela-se normalmente perigosa. A intervenção dos EUA no Iraque está aí para mostrar como o voluntarismo, marginalizando todo o realismo, pode ter consequências desastrosas.
Portugal enviou, a pedido do Governo Timorense, um contigente da GNR. O consenso político-partidário em torno do tema foi total e a pressão mediática torna Timor um assunto de emoção nacional. Mas Timor é também uma questão bem mais complexa do que se quer fazer crer. E, para descomplexificar, nada melhor que arranjar um inimigo externo. Onde antes estava a Indonésia, ameaça agora estar a Austrália.
Entre bravatas diplomáticas do Estado português, ausência de comando no terreno, interesses perversos no petróleo e acusações de atitudes neocolonialistas, tudo tem servido para vestir à Austrália a pele de mau da fita. Pelo caminho, esquece-se que a Austrália – uma democracia liberal rodeada de países autoritários ou de democracias frágeis - tem como prioridade nacional garantir a estabilidade geopolítica na região e que nada é mais ameaçador deste objectivo do que um Estado falhado – que, após a saída prematura da ONU e com o golpe de Estado em vários tempos que parece estar em curso, é aquilo em que Timor se ameaça transformar.
Foi a Austrália que aceitou renegociar a exploração dos recursos naturais do Mar de Timor sem que a isso fosse, de facto, obrigada. Passando de uma quota de 82% dos lucros do ”Greater Sunrise” para 50%, o que por si só garante recursos financeiros muito importantes para Timor. Foi a Austrália que enviou um contingente militar muito significativo, dez vezes superior ao português, que faz de facto a diferença na estabilização do território. Mas, em Portugal, exactamente do outro lado do mundo, nada melhor do que encher o peito e achar que os nossos 120 GNR é que fazem a diferença. Será que será assim se, por infelicidade, as coisas correrem mal? Será que a questão do comando continuará a ser, nessa altura, um assunto ”técnico”?
O patriotismo acrítico não é bom conselheiro. No futebol, a consequência é relativamente inofensiva: a desilusão face aos maus resultados. Na política internacional, já não é bem assim: as bravatas podem tornar-se perigosas.
publicado no Diário Económico.
Percebe-se que assim seja em relação ao futebol. Gosta-se de futebol, ponto final. Não vale a pena tentar encontrar justificações racionais. Mas a selecção é um pouco diferente. Nela o que está em causa não é a ”clubite” aguda. O entusiasmo em torno da equipa das quinas estende-se para além dos que acompanham com religiosidade semanal os três grandes.
Este facto aumenta a responsabilidade da selecção. É por isso que uma coisa é um treinador de um clube entreter-se em declarações irresponsáveis. Não vincula ninguém. A selecção, pelo contrário, representa Portugal. Mas gerou-se uma onda de optimismo acrítico que quase proíbe o escrutínio do seus responsáveis: quem critica a selecção não é bom patriota. Acontece que o que a selecção faz e o que os seus responsáveis dizem deveria ser exemplar. Deveria mas não é.
Desse ponto de vista, o seleccionador nacional tem sido um exemplo paradigmático. Não estão em causa as suas opções desportivas. O futebol é um campo de saber democratizado, sobre o qual todos temos opiniões definitivas. O que está em causa é a sua reacção a críticas legítimas. Responder aos críticos insinuando que têm comportamentos xenófobos e não passam de intelectuais, são acusações muito graves, que remetem para uma genealogia ideológica populista e autoritária. Quem representa Portugal deveria saber estar à altura dessa responsabilidade. Na selecção, os resultados desportivos não podem ser a medida exclusiva de tudo.
Com Timor, Portugal reage também de modo emotivo. Haverá poucos assuntos geradores de tão grande unanimismo e em que o idealismo seja uma força tão dominante. Numa época de cinismos alargados, este facto é importante. Mas a política internacional gerida com base no idealismo revela-se normalmente perigosa. A intervenção dos EUA no Iraque está aí para mostrar como o voluntarismo, marginalizando todo o realismo, pode ter consequências desastrosas.
Portugal enviou, a pedido do Governo Timorense, um contigente da GNR. O consenso político-partidário em torno do tema foi total e a pressão mediática torna Timor um assunto de emoção nacional. Mas Timor é também uma questão bem mais complexa do que se quer fazer crer. E, para descomplexificar, nada melhor que arranjar um inimigo externo. Onde antes estava a Indonésia, ameaça agora estar a Austrália.
Entre bravatas diplomáticas do Estado português, ausência de comando no terreno, interesses perversos no petróleo e acusações de atitudes neocolonialistas, tudo tem servido para vestir à Austrália a pele de mau da fita. Pelo caminho, esquece-se que a Austrália – uma democracia liberal rodeada de países autoritários ou de democracias frágeis - tem como prioridade nacional garantir a estabilidade geopolítica na região e que nada é mais ameaçador deste objectivo do que um Estado falhado – que, após a saída prematura da ONU e com o golpe de Estado em vários tempos que parece estar em curso, é aquilo em que Timor se ameaça transformar.
Foi a Austrália que aceitou renegociar a exploração dos recursos naturais do Mar de Timor sem que a isso fosse, de facto, obrigada. Passando de uma quota de 82% dos lucros do ”Greater Sunrise” para 50%, o que por si só garante recursos financeiros muito importantes para Timor. Foi a Austrália que enviou um contingente militar muito significativo, dez vezes superior ao português, que faz de facto a diferença na estabilização do território. Mas, em Portugal, exactamente do outro lado do mundo, nada melhor do que encher o peito e achar que os nossos 120 GNR é que fazem a diferença. Será que será assim se, por infelicidade, as coisas correrem mal? Será que a questão do comando continuará a ser, nessa altura, um assunto ”técnico”?
O patriotismo acrítico não é bom conselheiro. No futebol, a consequência é relativamente inofensiva: a desilusão face aos maus resultados. Na política internacional, já não é bem assim: as bravatas podem tornar-se perigosas.
publicado no Diário Económico.
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