O problema da credibilidade
Num artigo no DN de sexta-feira, escrito certamente ainda na ressaca do último “Prós e contras” a propósito do livro de Manuel Maria Carrilho, Fátima Campos Ferreira afirmava que “quem falar verdade ganha. (...) Por mais difícil que a ideia seja de aceitar, só a sinceridade convence”. Convenhamos que a afirmação, vinda de quem modera um dos poucos programas de debate político com audiências significativas na televisão portuguesa, gera alguma perplexidade. Tanto mais que a organização do próprio programa assenta em torno da clivagem entre os que estão a favor de uma determinada opção e os que estão contra.
Sinal dos tempos: a ideia de que ganhar depende não de divergências estratégicas, fundadas em princípios ideológicos distintos, mas, sim, de um conjunto de categorias politicamente neutras – “verdade”, “credibilidade”, “rigor”, “sinceridade” – tem feito caminho. Não há razão nenhuma para que de ambos os lados da barricada – entre os que estão “pró” e os que estão “contra” – estas qualidades não sejam regra. Convenhamos que quando a possibilidade de vencer radica naquelas categorias, é porque chegámos ao grau zero da política.
O recurso a categorias louváveis, mas neutras, como critério para escolhas tem como efeito um empobrecimento da disputa política, funcionando como obstáculo à clarificação das opções ideológicas em que devem assentar as preferências de sociedade.
De cada vez que um político se afirma pela “credibilidade”, pelo “trabalho”, pelo “rigor”, está a insinuar que o “outro”, o seu adversário, quer seja interno, quer externo, não tem essas qualidades. Entretanto, vai-se consolidando a deriva populista, alimentada pela indistinção ideológica e por uma perversa neutralidade axiológica. Não há, claro, problema na afirmação política através destas categorias. Mas há um sério problema quando a elas se encontra limitada.
Marques Mendes tem procurado construir a sua liderança em torno da ideia de credibilidade. Foram estas as regras do jogo que escolheu jogar: credibilidade por comparação com Santana Lopes; credibilidade na escolha dos candidatos autárquicos e credibilidade nas alternativas às políticas do Governo. Acontece que ao colocar a sua afirmação nestes termos, corre o risco de ser avaliado principalmente através desta mesma categoria. Para além da credibilidade, como aliás tem sido notado, não há no PSD um programa político alternativo e contrastante. E afirmar a credibilidade é a melhor forma de evitar escolher um caminho, baseado em diferenças políticas.
É por isso que é particularmente dramático o que se passou no último congresso do PSD, quando Marques Mendes propôs a criação de uma linha de financiamento no próximo Quadro Comunitário de Apoio para pagar as rescisões na Administração Pública. É que se a opção por diminuir o peso da despesa com salários na função pública é do domínio da salutar e necessária distinção política, já a proposta de recorrer aos fundos europeus para o fazer, revela um extraordinário desconhecimento das regras em que estes assentam, bem como das prioridades políticas da União Europeia (que conflituam claramente com o financiamento comunitário de tal medida). Não se exige a um líder da oposição que domine tecnicamente todos os assuntos. Mas neste caso há um problema de total ausência de credibilidade numa área central para a governação do País.
Para quem sublinha a credibilidade e usa a palavra como ‘leit-motiv’ da sua afirmação, é terrível aparecer com propostas políticas que não são credíveis, não por se basearem em opções ideológicas discutíveis, mas, sim, por assentarem num profundo desconhecimento técnico. Quando alguém busca sustento na credibilidade, de cada vez que falha nos aspectos técnicos das suas opções, está a chamar a atenção para a manifesta fragilidade da sua estratégia.
“Quem com ferro mata, com ferro morre”, costuma dizer-se. Pois quem da credibilidade procura viver politicamente, também é por ela que morre. Mas o mais grave é que a colocação do debate político nestes termos, empobrece as escolhas e fere de morte a própria ideia de debate concorrencial.
publicado no Diário Económico.
Sinal dos tempos: a ideia de que ganhar depende não de divergências estratégicas, fundadas em princípios ideológicos distintos, mas, sim, de um conjunto de categorias politicamente neutras – “verdade”, “credibilidade”, “rigor”, “sinceridade” – tem feito caminho. Não há razão nenhuma para que de ambos os lados da barricada – entre os que estão “pró” e os que estão “contra” – estas qualidades não sejam regra. Convenhamos que quando a possibilidade de vencer radica naquelas categorias, é porque chegámos ao grau zero da política.
O recurso a categorias louváveis, mas neutras, como critério para escolhas tem como efeito um empobrecimento da disputa política, funcionando como obstáculo à clarificação das opções ideológicas em que devem assentar as preferências de sociedade.
De cada vez que um político se afirma pela “credibilidade”, pelo “trabalho”, pelo “rigor”, está a insinuar que o “outro”, o seu adversário, quer seja interno, quer externo, não tem essas qualidades. Entretanto, vai-se consolidando a deriva populista, alimentada pela indistinção ideológica e por uma perversa neutralidade axiológica. Não há, claro, problema na afirmação política através destas categorias. Mas há um sério problema quando a elas se encontra limitada.
Marques Mendes tem procurado construir a sua liderança em torno da ideia de credibilidade. Foram estas as regras do jogo que escolheu jogar: credibilidade por comparação com Santana Lopes; credibilidade na escolha dos candidatos autárquicos e credibilidade nas alternativas às políticas do Governo. Acontece que ao colocar a sua afirmação nestes termos, corre o risco de ser avaliado principalmente através desta mesma categoria. Para além da credibilidade, como aliás tem sido notado, não há no PSD um programa político alternativo e contrastante. E afirmar a credibilidade é a melhor forma de evitar escolher um caminho, baseado em diferenças políticas.
É por isso que é particularmente dramático o que se passou no último congresso do PSD, quando Marques Mendes propôs a criação de uma linha de financiamento no próximo Quadro Comunitário de Apoio para pagar as rescisões na Administração Pública. É que se a opção por diminuir o peso da despesa com salários na função pública é do domínio da salutar e necessária distinção política, já a proposta de recorrer aos fundos europeus para o fazer, revela um extraordinário desconhecimento das regras em que estes assentam, bem como das prioridades políticas da União Europeia (que conflituam claramente com o financiamento comunitário de tal medida). Não se exige a um líder da oposição que domine tecnicamente todos os assuntos. Mas neste caso há um problema de total ausência de credibilidade numa área central para a governação do País.
Para quem sublinha a credibilidade e usa a palavra como ‘leit-motiv’ da sua afirmação, é terrível aparecer com propostas políticas que não são credíveis, não por se basearem em opções ideológicas discutíveis, mas, sim, por assentarem num profundo desconhecimento técnico. Quando alguém busca sustento na credibilidade, de cada vez que falha nos aspectos técnicos das suas opções, está a chamar a atenção para a manifesta fragilidade da sua estratégia.
“Quem com ferro mata, com ferro morre”, costuma dizer-se. Pois quem da credibilidade procura viver politicamente, também é por ela que morre. Mas o mais grave é que a colocação do debate político nestes termos, empobrece as escolhas e fere de morte a própria ideia de debate concorrencial.
publicado no Diário Económico.
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