”O Independente” não acabou
”O Independente” acabou na passada sexta-feira. A propósito escreveram-se muitos lamentos, no essencial sublinhando que, tendo em conta que o jornal fundado por Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas tinha produzido uma ruptura com o Portugal cinzento e amorfo do final dos anos oitenta, o seu fim representava um regresso a esse mesmo País. Com a diferença de que onde antes estava Cavaco está agora Sócrates. Do mesmo modo, o encerramento de ”O Independente” faria diminuir as opções disponíveis na imprensa portuguesa, recuando o País a uma situação de hegemonia da comunicação social supostamente baseada numa neutralidade ideológica. Acontece que ”O Independente” não acabou, o que acabou foi apenas uma versão pífia do jornal que se arrastava pelas bancas há uma série de anos.
Para o bem e para o mal, as três características principais que estiveram na base de ”O Independente” fizeram caminho na sociedade portuguesa: um olhar cínico sobre a política; a escrita arejada e irónica e a tentativa de refundar a direita. ”O Independente” combinou de modo inédito esses traços e apesar do fim do título – de facto há uma década e formalmente na semana passada – o seu estilo contaminou toda a comunicação social portuguesa e não só. A este propósito, basta navegar um pouco pela blogoesfera portuguesa para rapidamente se perceber que estas três características são quase hegemónicas.
Mas se o Caderno 3 representou, de facto, uma ruptura geracional com a abordagem da cultura na imprensa escrita, ajudando a conquistar muitos leitores que não se reviam nas opções ideológicas do jornal, já ”O Independente” como projecto político nada de bom trouxe à sociedade portuguesa.
Sob uma suposta manta de jornalismo de investigação, o que se escondeu invariavelmente foi um jornalismo baseado nas fontes anónimas e na calúnia frequentemente impune. A investigação, afinal, limitava-se nuns casos a inaugurar uma relação promíscua entre imprensa e investigação judicial (que passariam a funcionar como aliados, pondo fim à asserção tantas vezes repetida de que ”à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”) e noutros a amplificar a política baseada na intriga feita nos corredores do poder pelo ”inimigo interno”.
Foi também com ”O Independente” que a arma populista primeiro se revelou como instrumento privilegiado para servir um projecto político-partidário. O PP de 1995 de Monteiro/Portas/Moura Guedes, com os sinistros ‘outdoors’ com tachos, só era possível porque tinha existido antes ”O Independente”, onde transvestido de jornalista, Paulo Portas fazia política. E aí não se olhava a meios: se era preciso promover um secretário de Estado, nada como acusar um ministro de roubar uma manta num avião; se era preciso sublinhar o cosmopolitismo, bastava promover uma ignóbil campanha baseada no racismo social, como a que foi feita contra Macário Correia.
É verdade que ”O Independente” deu visibilidade a muitos casos de corrupção e clientelismo associados à política. Mas se o preço a pagar pela revelação de algumas verdades é o lançar lama sobre uma classe inteira e sobre uma esfera essencial da vida pública, tenho dúvidas que valha a pena. Sei que a corrupção está a corroer a credibilidade da política, mas sei também que essa credibilidade está a ser igualmente destruída pelos olhares cínicos e pela calúnia impune que desde ”O Independente” se tornaram moda. Além de que nada protege melhor os verdadeiros corruptos e prevaricadores do que o envolvimento leviano de quem tem condutas exemplares.
O problema é que enquanto ”O Independente” acabou, deixando jornalistas no desemprego e calúnias por serem ressarcidas, pelo menos materialmente, a lógica que inaugurou mantém-se presente na comunicação social portuguesa. Hoje, ”O Independente” já não existe, mas a classe política mantém-se suspeita até prova em contrário, o sistema judicial acusa na praça pública sem provas minimamente sólidas e a comunicação social alimenta parangonas e não se coíbe de destruir reputações de forma leviana, ficando impune. Se para romper com o cinzentismo cultural e jornalístico do Portugal dos anos oitenta era preciso chegarmos ao estado em que nos encontramos, que regresse então o cinzentismo e com ele a seriedade.
publicado no Diário Económico.
Para o bem e para o mal, as três características principais que estiveram na base de ”O Independente” fizeram caminho na sociedade portuguesa: um olhar cínico sobre a política; a escrita arejada e irónica e a tentativa de refundar a direita. ”O Independente” combinou de modo inédito esses traços e apesar do fim do título – de facto há uma década e formalmente na semana passada – o seu estilo contaminou toda a comunicação social portuguesa e não só. A este propósito, basta navegar um pouco pela blogoesfera portuguesa para rapidamente se perceber que estas três características são quase hegemónicas.
Mas se o Caderno 3 representou, de facto, uma ruptura geracional com a abordagem da cultura na imprensa escrita, ajudando a conquistar muitos leitores que não se reviam nas opções ideológicas do jornal, já ”O Independente” como projecto político nada de bom trouxe à sociedade portuguesa.
Sob uma suposta manta de jornalismo de investigação, o que se escondeu invariavelmente foi um jornalismo baseado nas fontes anónimas e na calúnia frequentemente impune. A investigação, afinal, limitava-se nuns casos a inaugurar uma relação promíscua entre imprensa e investigação judicial (que passariam a funcionar como aliados, pondo fim à asserção tantas vezes repetida de que ”à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”) e noutros a amplificar a política baseada na intriga feita nos corredores do poder pelo ”inimigo interno”.
Foi também com ”O Independente” que a arma populista primeiro se revelou como instrumento privilegiado para servir um projecto político-partidário. O PP de 1995 de Monteiro/Portas/Moura Guedes, com os sinistros ‘outdoors’ com tachos, só era possível porque tinha existido antes ”O Independente”, onde transvestido de jornalista, Paulo Portas fazia política. E aí não se olhava a meios: se era preciso promover um secretário de Estado, nada como acusar um ministro de roubar uma manta num avião; se era preciso sublinhar o cosmopolitismo, bastava promover uma ignóbil campanha baseada no racismo social, como a que foi feita contra Macário Correia.
É verdade que ”O Independente” deu visibilidade a muitos casos de corrupção e clientelismo associados à política. Mas se o preço a pagar pela revelação de algumas verdades é o lançar lama sobre uma classe inteira e sobre uma esfera essencial da vida pública, tenho dúvidas que valha a pena. Sei que a corrupção está a corroer a credibilidade da política, mas sei também que essa credibilidade está a ser igualmente destruída pelos olhares cínicos e pela calúnia impune que desde ”O Independente” se tornaram moda. Além de que nada protege melhor os verdadeiros corruptos e prevaricadores do que o envolvimento leviano de quem tem condutas exemplares.
O problema é que enquanto ”O Independente” acabou, deixando jornalistas no desemprego e calúnias por serem ressarcidas, pelo menos materialmente, a lógica que inaugurou mantém-se presente na comunicação social portuguesa. Hoje, ”O Independente” já não existe, mas a classe política mantém-se suspeita até prova em contrário, o sistema judicial acusa na praça pública sem provas minimamente sólidas e a comunicação social alimenta parangonas e não se coíbe de destruir reputações de forma leviana, ficando impune. Se para romper com o cinzentismo cultural e jornalístico do Portugal dos anos oitenta era preciso chegarmos ao estado em que nos encontramos, que regresse então o cinzentismo e com ele a seriedade.
publicado no Diário Económico.
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