A política maniatada
Nas últimas semanas, ficámos a saber que um vereador da Câmara de Lisboa tem por regra mais assessores do que qualquer ministro e que o presidente da mesma autarquia bate o primeiro-ministro aos pontos na necessidade de aconselhamento no seu gabinete – certamente sinal da complexidade das funções que exerce. Não foi necessário que passassem muitos dias para ficarmos a “desconhecer” os contornos dum negócio entre a Câmara de Lisboa e, como se usa dizer, um “promotor” imobiliário (entre outras coisas, conhecido por se vangloriar pelo facto de não pagar IRS e por invadir treinos do Benfica) – espantoso, tantos assessores e nenhum cuidou de, pelo menos, manter as aparências. Já no final da semana passada, os vereadores do PS em Oeiras fizeram o que, dum modo ou outro, sempre fizeram: aceitaram integrar o executivo liderado por Isaltino de Morais.
Nenhum destes acontecimentos é particularmente surpreendente. Pelo contrário, são histórias que, ainda que com actores diferentes, tendem a repetir-se, até no modo relativamente pacífico como são recebidas pela opinião pública. No fundo, trata-se apenas do cumprimento de expectativas: as pessoas sabem que o mundo autárquico tende, em muitos casos, a funcionar assim e aceitam esse funcionamento com o cinismo com que olham crescentemente para a política. Mas o que está em causa não é apenas o modo como estes episódios servem para confirmar a imagem degradada da política, é também a forma como a vida político-partidária se encontra maniatada pelas dinâmicas, frequentemente, perversas do poder autárquico.
Se a urbanização da Infante Santo, dado o carácter insatisfatório das explicações dadas, aparenta ser um caso da esfera judicial, já o exército de assessores da Câmara de Lisboa e a participação dos vereadores do PS no executivo de Isaltino de Morais tratam-se de fenómenos comuns ao poder autárquico. Fenómenos que são fruto de mecanismos perversos e que se encontram mais ligados do que aparentam. Aliás, é isso que ajuda a explicar as reacções muito moderadas das oposições. Todos parecem ter “rabos de palha”.
Hoje em dia, as câmaras municipais são, frequentemente, espaços privilegiados de criação de clientelas partidárias, tornando-se instrumentos fundamentais para a reprodução do poder interno aos partidos. Desse ponto de vista seria interessante saber com exactidão quem são os assessores da Câmara de Lisboa. Mas se numa autarquia de grande dimensão a questão já é complicada, ainda mais se torna em concelhos pequenos, que por si só já estão longe de serem espaços abertos e plurais. Aí, todo o poder político gira em torno do poder autárquico (ou da sua variante, as empresas municipais) e as lógicas de fechamento tornam-se ainda mais poderosas.
A questão é que não é só quem ganha as eleições autárquicas que beneficia da distribuição de poder através das autarquias. Quem perde também o faz frequentemente. O que nos leva até Oeiras. A lei eleitoral autárquica em Portugal permite, em caso de maioria relativa, a integração da oposição no executivo. Isto é, há membros do executivo que nele participam com funções de gestão, à margem do programa maioritário sufragado. Por absurdo, seria o mesmo que termos os partidos da oposição a participar no Conselho de Ministros. Trata-se, no fundo, dum sistema que serve para acomodar as vozes “críticas”, com precarização das regras da transparência e da fiscalização, ao mesmo tempo que cria espaços para que todos os partidos possam “alimentar” clientelas. As mesmas que depois se encarregarão de reproduzir, de forma circular, o poder interno.
Ora se pensarmos que o poder nos partidos é, em larga medida, a soma destes poderes locais, temos um cenário nada optimista. Daí a importância de alterar a lei eleitoral autárquica para que os executivos passem a ser monocolores, formados pelo partido mais votado, reforçando os poderes de fiscalização da sua acção pelas assembleias municipais. Em nome da transparência.
Podemos entreter-nos a afirmar que o poder local foi uma das principais conquistas de Abril, mas se nada for feito para contrariar as lógicas clientelares e os conluios que frequentemente lhe estão associados, o mesmo poder autárquico encarregar-se-á de minar ainda mais a credibilidade da democracia política. Pelo caminho perdemos todos e perdem também as centenas de excelentes autarcas que continuam a existir.
publicado no Diário Económico.
Nenhum destes acontecimentos é particularmente surpreendente. Pelo contrário, são histórias que, ainda que com actores diferentes, tendem a repetir-se, até no modo relativamente pacífico como são recebidas pela opinião pública. No fundo, trata-se apenas do cumprimento de expectativas: as pessoas sabem que o mundo autárquico tende, em muitos casos, a funcionar assim e aceitam esse funcionamento com o cinismo com que olham crescentemente para a política. Mas o que está em causa não é apenas o modo como estes episódios servem para confirmar a imagem degradada da política, é também a forma como a vida político-partidária se encontra maniatada pelas dinâmicas, frequentemente, perversas do poder autárquico.
Se a urbanização da Infante Santo, dado o carácter insatisfatório das explicações dadas, aparenta ser um caso da esfera judicial, já o exército de assessores da Câmara de Lisboa e a participação dos vereadores do PS no executivo de Isaltino de Morais tratam-se de fenómenos comuns ao poder autárquico. Fenómenos que são fruto de mecanismos perversos e que se encontram mais ligados do que aparentam. Aliás, é isso que ajuda a explicar as reacções muito moderadas das oposições. Todos parecem ter “rabos de palha”.
Hoje em dia, as câmaras municipais são, frequentemente, espaços privilegiados de criação de clientelas partidárias, tornando-se instrumentos fundamentais para a reprodução do poder interno aos partidos. Desse ponto de vista seria interessante saber com exactidão quem são os assessores da Câmara de Lisboa. Mas se numa autarquia de grande dimensão a questão já é complicada, ainda mais se torna em concelhos pequenos, que por si só já estão longe de serem espaços abertos e plurais. Aí, todo o poder político gira em torno do poder autárquico (ou da sua variante, as empresas municipais) e as lógicas de fechamento tornam-se ainda mais poderosas.
A questão é que não é só quem ganha as eleições autárquicas que beneficia da distribuição de poder através das autarquias. Quem perde também o faz frequentemente. O que nos leva até Oeiras. A lei eleitoral autárquica em Portugal permite, em caso de maioria relativa, a integração da oposição no executivo. Isto é, há membros do executivo que nele participam com funções de gestão, à margem do programa maioritário sufragado. Por absurdo, seria o mesmo que termos os partidos da oposição a participar no Conselho de Ministros. Trata-se, no fundo, dum sistema que serve para acomodar as vozes “críticas”, com precarização das regras da transparência e da fiscalização, ao mesmo tempo que cria espaços para que todos os partidos possam “alimentar” clientelas. As mesmas que depois se encarregarão de reproduzir, de forma circular, o poder interno.
Ora se pensarmos que o poder nos partidos é, em larga medida, a soma destes poderes locais, temos um cenário nada optimista. Daí a importância de alterar a lei eleitoral autárquica para que os executivos passem a ser monocolores, formados pelo partido mais votado, reforçando os poderes de fiscalização da sua acção pelas assembleias municipais. Em nome da transparência.
Podemos entreter-nos a afirmar que o poder local foi uma das principais conquistas de Abril, mas se nada for feito para contrariar as lógicas clientelares e os conluios que frequentemente lhe estão associados, o mesmo poder autárquico encarregar-se-á de minar ainda mais a credibilidade da democracia política. Pelo caminho perdemos todos e perdem também as centenas de excelentes autarcas que continuam a existir.
publicado no Diário Económico.
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