A flexigurança em Portugal
Como poucos países no espaço europeu, Portugal está tradicionalmente muito exposto aos exemplos estrangeiros de políticas de sucesso. Contudo, estes, com frequência, ou acabam por não ser transpostos por impossibilidade material e/ou institucional ou, quando o são, isso acontece com baixa eficácia. Correr-se-á o mesmo risco com a flexigurança?
Quando se fala de flexigurança, a referência é, na maior parte dos casos, a experiência dinamarquesa, na qual parceiros sociais e Estado acordaram num ‘trade-off’ em que a flexibilização das relações laborais foi trocada por maior protecção no desemprego e maiores possibilidades de qualificação. A flexigurança é, desse ponto de vista, uma política típica de “terceira-via” ‘avant la lettre’, que faz parte de um repertório de políticas públicas mais amplo: popularizado pelo New Labour, mas introduzido primeiro na Dinamarca e na Holanda (caso que tem mais pontos de comum com a situação nacional – a este propósito é particularmente actual o livro de Jelle Visser, ‘The dutch miracle’).
Tal como todas as políticas públicas que se revelam virtuosas, a flexigurança funciona, não em abstracto, mas perante problemas de natureza específica e quando estão reunidas determinadas condições institucionais e materiais.
Ora, não só a natureza dos problemas do mercado de trabalho português, como da nossa economia, é diferente do da Dinamarca de há uma década, como as condições que então estiveram presentes, estão longe de estarem reunidas entre nós.
Em primeiro lugar, uma cultura institucional que valoriza a busca de soluções partilhadas. Portugal, pese embora algumas excepções – por isso mesmo mais notáveis –, como a do recente acordo sobre salário mínimo, caracteriza-se por ter um padrão de diálogo social adversativo e pouco propenso aos pactos. A isto acresce que, contrariamente à experiência escandinava, em que a flexigurança radicou mais em pactos assinados ao nível sectorial ou de empresa, a capacidade de empregadores e trabalhadores se entenderem autonomamente é fraca e quando acontece muito circunscrita a matérias que se prendem com o tempo de trabalho.
Em segundo lugar, a componente segurança custa dinheiro e todo o padrão recente de transformação nas políticas públicas portuguesas não aponta para que haja folga orçamental, muito menos em sede de Segurança Social, para financiar este ‘trade-off’.
Isto não quer dizer que Portugal não tenha de transformar o seu modelo de relações laborais e ainda menos que não deva olhar para o modo como outros países ultrapassarem os seus bloqueios. Pelo contrário: Portugal precisa de flexibilizar muitas dimensões das suas relações de trabalho – o que não deve ser confundido com liberalização dos despedimentos –, essencialmente aquelas que promovem de facto a adaptabilidade das empresas, libertando-as de algumas formas de rigidez que não são suportáveis face às transformações que ocorreram na economia. Se nada mais, a atracção do investimento estrangeiro a isso obriga.
Mas, isto não nos deve fazer esquecer que um dos principais problemas que enfrenta o mercado de trabalho em Portugal continua a ser o da distância que vai da norma escrita (muito protectora) à prática social (de facto muito precária). Rígidos na lei, flexíveis na prática, acabamos por viver no pior de dois mundos.
Tem por isso toda a razão, Poul Rasmussen quando, no congresso do Partido Socialista Europeu, afirmou que o modelo de flexigurança deve ser seguido não como uma cópia, mas como um roteiro, sensível às especificidade de cada País.
Neste sentido, mais do que procurar aplicar a experiência de flexigurança a Portugal (como se fosse um modelo pronto-a-vestir), é mais interessante valorizar o método, aplicando um roteiro que contamine as relações laborais portuguesas com o princípio das soluções negociadas com custos repartidos, nomeadamente procurando um ‘trade-off’ entre flexibilidade e efectividade. Um modelo de “flexictividade” que visaria aproximar a norma das práticas sociais e tornar o mercado de trabalho mais adaptável, mas, em algumas dimensões, menos flexível do que de facto é e mais flexível do que aparenta ser.
publicado no Diário Económico.
Quando se fala de flexigurança, a referência é, na maior parte dos casos, a experiência dinamarquesa, na qual parceiros sociais e Estado acordaram num ‘trade-off’ em que a flexibilização das relações laborais foi trocada por maior protecção no desemprego e maiores possibilidades de qualificação. A flexigurança é, desse ponto de vista, uma política típica de “terceira-via” ‘avant la lettre’, que faz parte de um repertório de políticas públicas mais amplo: popularizado pelo New Labour, mas introduzido primeiro na Dinamarca e na Holanda (caso que tem mais pontos de comum com a situação nacional – a este propósito é particularmente actual o livro de Jelle Visser, ‘The dutch miracle’).
Tal como todas as políticas públicas que se revelam virtuosas, a flexigurança funciona, não em abstracto, mas perante problemas de natureza específica e quando estão reunidas determinadas condições institucionais e materiais.
Ora, não só a natureza dos problemas do mercado de trabalho português, como da nossa economia, é diferente do da Dinamarca de há uma década, como as condições que então estiveram presentes, estão longe de estarem reunidas entre nós.
Em primeiro lugar, uma cultura institucional que valoriza a busca de soluções partilhadas. Portugal, pese embora algumas excepções – por isso mesmo mais notáveis –, como a do recente acordo sobre salário mínimo, caracteriza-se por ter um padrão de diálogo social adversativo e pouco propenso aos pactos. A isto acresce que, contrariamente à experiência escandinava, em que a flexigurança radicou mais em pactos assinados ao nível sectorial ou de empresa, a capacidade de empregadores e trabalhadores se entenderem autonomamente é fraca e quando acontece muito circunscrita a matérias que se prendem com o tempo de trabalho.
Em segundo lugar, a componente segurança custa dinheiro e todo o padrão recente de transformação nas políticas públicas portuguesas não aponta para que haja folga orçamental, muito menos em sede de Segurança Social, para financiar este ‘trade-off’.
Isto não quer dizer que Portugal não tenha de transformar o seu modelo de relações laborais e ainda menos que não deva olhar para o modo como outros países ultrapassarem os seus bloqueios. Pelo contrário: Portugal precisa de flexibilizar muitas dimensões das suas relações de trabalho – o que não deve ser confundido com liberalização dos despedimentos –, essencialmente aquelas que promovem de facto a adaptabilidade das empresas, libertando-as de algumas formas de rigidez que não são suportáveis face às transformações que ocorreram na economia. Se nada mais, a atracção do investimento estrangeiro a isso obriga.
Mas, isto não nos deve fazer esquecer que um dos principais problemas que enfrenta o mercado de trabalho em Portugal continua a ser o da distância que vai da norma escrita (muito protectora) à prática social (de facto muito precária). Rígidos na lei, flexíveis na prática, acabamos por viver no pior de dois mundos.
Tem por isso toda a razão, Poul Rasmussen quando, no congresso do Partido Socialista Europeu, afirmou que o modelo de flexigurança deve ser seguido não como uma cópia, mas como um roteiro, sensível às especificidade de cada País.
Neste sentido, mais do que procurar aplicar a experiência de flexigurança a Portugal (como se fosse um modelo pronto-a-vestir), é mais interessante valorizar o método, aplicando um roteiro que contamine as relações laborais portuguesas com o princípio das soluções negociadas com custos repartidos, nomeadamente procurando um ‘trade-off’ entre flexibilidade e efectividade. Um modelo de “flexictividade” que visaria aproximar a norma das práticas sociais e tornar o mercado de trabalho mais adaptável, mas, em algumas dimensões, menos flexível do que de facto é e mais flexível do que aparenta ser.
publicado no Diário Económico.
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