O drama de Lisboa
Não é fácil encontrar um observatório tão conciso das causas que afastam os portugueses da política como os últimos tempos na Câmara de Lisboa. Passo a passo, foram surgindo todos os factores de desconfiança dos cidadãos na política: as relações perigosas entre o poder autárquico e os interesses ligados à construção civil (a que parecem não escapar nenhum partido); a crescente tendência para a partir do Ministério Público ser feita política, aceite explícita ou implicitamente pelos partidos; o fechamento claustrofóbico das estruturas partidárias locais, que já não representam quase nada e sustentam-se em mecanismos de reprodução de poder em circuito fechado, assentes em sinecuras na órbita do poder autárquico; e, finalmente, a lógica politiqueira, que valoriza a intriga de fontes anónimas com eco em jornais, em lugar de aceitar a dissensão com base em diferenças aceites abertamente e acomodadas organicamente.
Em política, o que parece é. E o que parece que se passou em Lisboa é exactamente uma combinação de todos estes factores. O drama de Lisboa não é só a desordem na administração da cidade e o descalabro financeiro, é ter-se tornado um paradigma da degradação da política.
Engane-se, por isso, quem pensa que a queda do executivo representa a vitória de uns e a derrota de outros. Não. Ninguém sai bem da fotografia e todos perderam. Claro que há dois grandes perdedores. Carmona Rodrigues, que se mostrou politicamente incapaz de exercer o mandato para o qual, verdade seja dita, nunca esteve talhado e Marques Mendes, que viu tornar-se claro quão perversos eram os caminhos por si iniciados ao estabelecer o princípio do impedimento do arguido. Ao procurar encontrar um argumento jurídico para resolver os casos eminentemente políticos de Isaltino Morais e Valentim Loureiro, o líder do PSD acabou por criar um problema político que dificilmente conseguirá ultrapassar.
As consequências estão, desde já, à vista: pulverização de candidaturas e possível surgimento de vários candidatos independentes. Se nada for feito, o resultado final do que se tem passado, temo, será a desmobilização e a abstenção. Ninguém pode estar contente com aquilo a que se tem assistido.
Para grandes males, grandes remédios, costuma dizer-se. É o que Lisboa está a precisar. Uma resposta política forte e com autoridade. Desse ponto de vista, a hipótese, aventada nos últimos dias, da candidatura de António Costa é adequada. Trata-se de um candidato de perfil elevado, com peso político próprio e autonomia de movimentos. Capaz, por isso, de levar a cabo um duplo exercício de autoridade, impondo a sua vontade perante o aparelho partidário local e enfrentando os interesses que circundam a Câmara de Lisboa. No fundo, alguém capaz de tratar da política, o que é para já a prioridade em Lisboa, para que depois haja condições para se tratar das políticas.
Após três desaires eleitorais sucessivos (autárquicas, presidenciais e regionais), as eleições intercalares em Lisboa são um enorme desafio para o Governo: o pior que poderia acontecer a José Sócrates era perder novamente Lisboa. Pelo peso simbólico de se tratar da capital e porque uma derrota diminuiria a capacidade reformista do Governo. Neste quadro, a eventual saída de António Costa não fragiliza politicamente o Governo. Pelo contrário, o que fragilizaria, de facto, o executivo seria uma derrota do PS em Lisboa.
A candidatura do número dois do executivo aumenta, contudo, a pressão sobre Marques Mendes. No actual contexto, a alternativa que resta ao PSD é apresentar também um nome de primeira linha. Se José Sócrates joga muito nas eleições da capital, Marques Mendes joga a capacidade de, de facto, ser um candidato competitivo a primeiro-ministro daqui a dois anos.
Depois de um ano e meio de degradação institucional, que expôs o “mal da política” nacional, os dois principais partidos têm, nas eleições intercalares, a responsabilidade de mostrar que estão activamente empenhados, não apenas em governar Lisboa, mas, também, em combater as causas que levaram à queda do executivo camarário. O que vai estar em jogo em Lisboa vai muito para além das escolhas de políticas para a cidade. Saibam PS e PSD assumir a responsabilidade e aproveitar a oportunidade.
Publicado no Diário Económico.
Em política, o que parece é. E o que parece que se passou em Lisboa é exactamente uma combinação de todos estes factores. O drama de Lisboa não é só a desordem na administração da cidade e o descalabro financeiro, é ter-se tornado um paradigma da degradação da política.
Engane-se, por isso, quem pensa que a queda do executivo representa a vitória de uns e a derrota de outros. Não. Ninguém sai bem da fotografia e todos perderam. Claro que há dois grandes perdedores. Carmona Rodrigues, que se mostrou politicamente incapaz de exercer o mandato para o qual, verdade seja dita, nunca esteve talhado e Marques Mendes, que viu tornar-se claro quão perversos eram os caminhos por si iniciados ao estabelecer o princípio do impedimento do arguido. Ao procurar encontrar um argumento jurídico para resolver os casos eminentemente políticos de Isaltino Morais e Valentim Loureiro, o líder do PSD acabou por criar um problema político que dificilmente conseguirá ultrapassar.
As consequências estão, desde já, à vista: pulverização de candidaturas e possível surgimento de vários candidatos independentes. Se nada for feito, o resultado final do que se tem passado, temo, será a desmobilização e a abstenção. Ninguém pode estar contente com aquilo a que se tem assistido.
Para grandes males, grandes remédios, costuma dizer-se. É o que Lisboa está a precisar. Uma resposta política forte e com autoridade. Desse ponto de vista, a hipótese, aventada nos últimos dias, da candidatura de António Costa é adequada. Trata-se de um candidato de perfil elevado, com peso político próprio e autonomia de movimentos. Capaz, por isso, de levar a cabo um duplo exercício de autoridade, impondo a sua vontade perante o aparelho partidário local e enfrentando os interesses que circundam a Câmara de Lisboa. No fundo, alguém capaz de tratar da política, o que é para já a prioridade em Lisboa, para que depois haja condições para se tratar das políticas.
Após três desaires eleitorais sucessivos (autárquicas, presidenciais e regionais), as eleições intercalares em Lisboa são um enorme desafio para o Governo: o pior que poderia acontecer a José Sócrates era perder novamente Lisboa. Pelo peso simbólico de se tratar da capital e porque uma derrota diminuiria a capacidade reformista do Governo. Neste quadro, a eventual saída de António Costa não fragiliza politicamente o Governo. Pelo contrário, o que fragilizaria, de facto, o executivo seria uma derrota do PS em Lisboa.
A candidatura do número dois do executivo aumenta, contudo, a pressão sobre Marques Mendes. No actual contexto, a alternativa que resta ao PSD é apresentar também um nome de primeira linha. Se José Sócrates joga muito nas eleições da capital, Marques Mendes joga a capacidade de, de facto, ser um candidato competitivo a primeiro-ministro daqui a dois anos.
Depois de um ano e meio de degradação institucional, que expôs o “mal da política” nacional, os dois principais partidos têm, nas eleições intercalares, a responsabilidade de mostrar que estão activamente empenhados, não apenas em governar Lisboa, mas, também, em combater as causas que levaram à queda do executivo camarário. O que vai estar em jogo em Lisboa vai muito para além das escolhas de políticas para a cidade. Saibam PS e PSD assumir a responsabilidade e aproveitar a oportunidade.
Publicado no Diário Económico.
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