Uma questão de carácter
Não conheço nenhuma sondagem que, nos últimos tempos, tenha avaliado a popularidade de Maria José Nogueira Pinto. Mas a existir, arrisco apostar que estaria em alta. Não surpreende: como tem sido assinalado, a ex-dirigente de CDS tem um passado de autonomia, de defesa de convicções e por onde passou deixou a sua marca. Para ajudar, nas últimas semanas, foi vista como tendo sido vítima do lado mais negro da vida partidária – as disputas internas e processuais – e, depois, revelou um desapego ao poder incomum, ao abandonar o lugar de vereadora da Câmara de Lisboa (que tendo em conta a campanha personalizada que desenvolveu, era, de facto, seu). Tudo somado, é provável que, por agora, os níveis de aprovação de Maria José Nogueira Pinto sejam elevados.
Contudo, o exemplo de Maria José Nogueira Pinto não tem nada de exemplar. É antes revelador da degradação da vida pública e política aos olhos dos portugueses. Poucos casos condensam de modo tão preciso a debilidade do nosso sistema político e mostram o caminho de desafectação crescente entre partidos e sociedade.
Antes de mais, a crescente fulanização e individualização da disputa política. Os incidentes internos ao CDS servem para fortalecer essa tendência. De uma assentada, expõe a todo o país o nível de degradação que é possível alcançar numa eleição interna de um partido político e ajudam a descredibilizar – ainda um pouco mais, se tal é possível – o papel destes como instituições intermediadoras e representativas da sociedade. Perante o que se assiste, por que razão não hão-de os portugueses preferir, usando uma expressão muito popular, “votar em pessoas em vez de ideologias ou partidos”. Expressão que adquire um sentido redobrado quando aqueles que são vistos como os melhores se afastam dos partidos (um acto que tem como consequência imediata o reforço da já frágil credibilidade destas instituições).
A tendência para a fulanização da política é um sinal de fraca institucionalização da nossa democracia e traduz-se em instabilidade programática dos partidos e, de uma só vez, potencia a sua plasticidade ideológica e diminui a sua ancoragem social. Se não são os partidos a agregar interesses, dificilmente outra instituição o fará e se aqueles são entidades usadas de modo volátil para servirem o líder de cada momento, cada vez menos os portugueses se sentirão representados. Se o que cada vez mais conta são as pessoas e cada vez menos a organização, a tendência é para a pulverização e para a fragmentação. O que não nos levará colectivamente a bom porto.
Mas ao votar-se em pessoas e não em ideologias está-se, também, a abrir a porta para escolhas políticas baseadas em avaliações de carácter. Um caminho que permite todos os populismos. Antes de mais, porque não se conhecem formas credíveis de escrutínio público de caracteres. Pelo contrário, o risco é precisamente o de se produzirem resultados enviesados. Pelo mundo fora, nos mais diversos quadrantes políticos, abundam os exemplos de lideranças fortemente personalizadas e altamente populistas.
É evidente que Maria José Nogueira Pinto não representa, de modo algum, o lado perverso da política baseada nas “pessoas”. É precisamente por isso que é negativa a sua demissão. Pode parecer contraditório, mas na situação em que nos encontramos, o que os partidos precisam para se revigorarem é de pessoas que tenham autonomia, credibilidade, se movam por princípios estáveis e não por flutuações de conveniência e combinem essas características com vontade de poder. São cada vez mais raras nos nossos dias e em todo o espectro partidário essas pessoas, mas Maria José Nogueira Pinto reunia as condições necessárias. Do que virá no futuro do CDS – numa asserção que é válida para todos os partidos – não tenho a certeza que se possa dizer o mesmo. É por isso que perante o dilema que enfrentou, tenho pena que ela não tenha ficado. Compreendo que não o tenha feito. Era pessoalmente muito difícil, não duvido, mas era politicamente muito importante.
publicado no Diário Económico.
Contudo, o exemplo de Maria José Nogueira Pinto não tem nada de exemplar. É antes revelador da degradação da vida pública e política aos olhos dos portugueses. Poucos casos condensam de modo tão preciso a debilidade do nosso sistema político e mostram o caminho de desafectação crescente entre partidos e sociedade.
Antes de mais, a crescente fulanização e individualização da disputa política. Os incidentes internos ao CDS servem para fortalecer essa tendência. De uma assentada, expõe a todo o país o nível de degradação que é possível alcançar numa eleição interna de um partido político e ajudam a descredibilizar – ainda um pouco mais, se tal é possível – o papel destes como instituições intermediadoras e representativas da sociedade. Perante o que se assiste, por que razão não hão-de os portugueses preferir, usando uma expressão muito popular, “votar em pessoas em vez de ideologias ou partidos”. Expressão que adquire um sentido redobrado quando aqueles que são vistos como os melhores se afastam dos partidos (um acto que tem como consequência imediata o reforço da já frágil credibilidade destas instituições).
A tendência para a fulanização da política é um sinal de fraca institucionalização da nossa democracia e traduz-se em instabilidade programática dos partidos e, de uma só vez, potencia a sua plasticidade ideológica e diminui a sua ancoragem social. Se não são os partidos a agregar interesses, dificilmente outra instituição o fará e se aqueles são entidades usadas de modo volátil para servirem o líder de cada momento, cada vez menos os portugueses se sentirão representados. Se o que cada vez mais conta são as pessoas e cada vez menos a organização, a tendência é para a pulverização e para a fragmentação. O que não nos levará colectivamente a bom porto.
Mas ao votar-se em pessoas e não em ideologias está-se, também, a abrir a porta para escolhas políticas baseadas em avaliações de carácter. Um caminho que permite todos os populismos. Antes de mais, porque não se conhecem formas credíveis de escrutínio público de caracteres. Pelo contrário, o risco é precisamente o de se produzirem resultados enviesados. Pelo mundo fora, nos mais diversos quadrantes políticos, abundam os exemplos de lideranças fortemente personalizadas e altamente populistas.
É evidente que Maria José Nogueira Pinto não representa, de modo algum, o lado perverso da política baseada nas “pessoas”. É precisamente por isso que é negativa a sua demissão. Pode parecer contraditório, mas na situação em que nos encontramos, o que os partidos precisam para se revigorarem é de pessoas que tenham autonomia, credibilidade, se movam por princípios estáveis e não por flutuações de conveniência e combinem essas características com vontade de poder. São cada vez mais raras nos nossos dias e em todo o espectro partidário essas pessoas, mas Maria José Nogueira Pinto reunia as condições necessárias. Do que virá no futuro do CDS – numa asserção que é válida para todos os partidos – não tenho a certeza que se possa dizer o mesmo. É por isso que perante o dilema que enfrentou, tenho pena que ela não tenha ficado. Compreendo que não o tenha feito. Era pessoalmente muito difícil, não duvido, mas era politicamente muito importante.
publicado no Diário Económico.
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