A febre dos independentes
Muito se tem dito sobre o carácter nacional das eleições intercalares em Lisboa: que, por força do envolvimento político, em 2005, de Marques Mendes na escolha de Carmona Rodrigues, está em causa a actual liderança do principal partido da oposição; que, tendo em conta a candidatura do número dois do executivo, será um momento de avaliação da acção do Governo. No entanto, se as extrapolações conjunturais são legítimas, estas autárquicas serão um barómetro para um outro tema nacional, bem mais estrutural – a crescente rejeição dos partidos e a popularidade dos candidatos ditos independentes. Com as candidaturas de Carmona Rodrigues e Helena Roseta, já não se trata, apenas, de uma escolha para governar a cidade e de um momento de avaliação das popularidades relativas dos dois principais partidos portugueses. Os lisboetas estarão também a fazer um voto sobre o lugar e o papel que ainda ocupam os partidos políticos.
Contudo, convém ter presente que não há nenhuma verdadeira candidatura independente à Câmara de Lisboa. Nem a candidatura de Carmona Rodrigues, nem a de Helena Roseta resultam de movimentos organizados, com encastramento na sociedade civil e vindos de fora dos partidos. Pelo contrário, ambas as candidaturas resultam de zangas com os partidos e exploram, mais ou menos oportunisticamente, a má imagem destes. Helena Roseta fez a sua carreira política nos partidos. Recentemente, discordando da escolha legítima do partido a que pertencia, optou por se candidatar como independente; Carmona Rodrigues é a criação de uma lista partidária, tendo, há dois anos, sido instrumental para o PSD resolver um problema político. Agora, depois de um processo de degradação institucional difícil de compreender, candidata-se contra o partido que o apoiou e ao qual deu cobertura, designadamente através da concessão de um número extraordinário de sinecuras partidárias enquanto presidiu à Câmara.
É legítimo e percebem-se bem as razões porque ambos se candidatam, mas é errado confundir estas candidaturas com a abertura de novos espaços de cidadania ou com o surgimento de algo de novo. A proliferação de candidatos independentes à Câmara de Lisboa é sintoma da desconfiança face aos partidos, mas não contribui em nada para melhorar o estado de coisas.
Nada disto deve impedir que os partidos interpretem estes sinais. Não é por acaso que, nas três sondagens já publicadas, a soma de votos de Carmona Rodrigues e Helena Roseta anda sempre em redor dos 30%. Os partidos são cada vez mais vistos como entidades fechadas e pouco representativas. A reprodução do poder partidário é o mecanismo agregador por excelência e em lugar da representação orgânica de interesses, os partidos competem para saber quem é melhor gestor da coisa pública, neutralizando a diferenciação ideológica. A consequência é que o campo fica aberto para todos os populismos. Há, de facto, bons motivos para a desafectação face aos partidos e nas intercalares de Lisboa há uma oportunidade para os eleitores os castigarem, sem que daí advenham demasiados custos.
No actual contexto, há dois cenários para a reabilitação da vida pública. Ou o surgimento de movimentos organizados e com encastramento social que promovam novas formas de participação – o que, convenhamos, em Portugal, com uma sociedade civil anémica, atomizada e dependente, é uma impossibilidade em absoluto – ou serem os próprios partidos a promover uma regeneração das suas práticas internas e prioridades públicas.
O que se espera do PSD e do PS nas eleições de Lisboa é, por isso, que renovem as suas respectivas “marcas partidárias”: cortando com o seu passado autárquico; colocando, sem eufemismos, o combate à corrupção e uma discussão séria sobre o financiamento partidário no topo da agenda; e enfrentando a espessa, ainda que nem sempre visível, coligação de interesses que, através do poder autárquico, numa rede tentacular a que poucos escapam, fragiliza a democracia portuguesa. As candidaturas de Carmona Rodrigues e Helena Roseta não resolvem nenhum destes problemas, mas, pelo menos, podem servir para pressionar os partidos a enfrentá-los.
publicado no Diário Económico.
Contudo, convém ter presente que não há nenhuma verdadeira candidatura independente à Câmara de Lisboa. Nem a candidatura de Carmona Rodrigues, nem a de Helena Roseta resultam de movimentos organizados, com encastramento na sociedade civil e vindos de fora dos partidos. Pelo contrário, ambas as candidaturas resultam de zangas com os partidos e exploram, mais ou menos oportunisticamente, a má imagem destes. Helena Roseta fez a sua carreira política nos partidos. Recentemente, discordando da escolha legítima do partido a que pertencia, optou por se candidatar como independente; Carmona Rodrigues é a criação de uma lista partidária, tendo, há dois anos, sido instrumental para o PSD resolver um problema político. Agora, depois de um processo de degradação institucional difícil de compreender, candidata-se contra o partido que o apoiou e ao qual deu cobertura, designadamente através da concessão de um número extraordinário de sinecuras partidárias enquanto presidiu à Câmara.
É legítimo e percebem-se bem as razões porque ambos se candidatam, mas é errado confundir estas candidaturas com a abertura de novos espaços de cidadania ou com o surgimento de algo de novo. A proliferação de candidatos independentes à Câmara de Lisboa é sintoma da desconfiança face aos partidos, mas não contribui em nada para melhorar o estado de coisas.
Nada disto deve impedir que os partidos interpretem estes sinais. Não é por acaso que, nas três sondagens já publicadas, a soma de votos de Carmona Rodrigues e Helena Roseta anda sempre em redor dos 30%. Os partidos são cada vez mais vistos como entidades fechadas e pouco representativas. A reprodução do poder partidário é o mecanismo agregador por excelência e em lugar da representação orgânica de interesses, os partidos competem para saber quem é melhor gestor da coisa pública, neutralizando a diferenciação ideológica. A consequência é que o campo fica aberto para todos os populismos. Há, de facto, bons motivos para a desafectação face aos partidos e nas intercalares de Lisboa há uma oportunidade para os eleitores os castigarem, sem que daí advenham demasiados custos.
No actual contexto, há dois cenários para a reabilitação da vida pública. Ou o surgimento de movimentos organizados e com encastramento social que promovam novas formas de participação – o que, convenhamos, em Portugal, com uma sociedade civil anémica, atomizada e dependente, é uma impossibilidade em absoluto – ou serem os próprios partidos a promover uma regeneração das suas práticas internas e prioridades públicas.
O que se espera do PSD e do PS nas eleições de Lisboa é, por isso, que renovem as suas respectivas “marcas partidárias”: cortando com o seu passado autárquico; colocando, sem eufemismos, o combate à corrupção e uma discussão séria sobre o financiamento partidário no topo da agenda; e enfrentando a espessa, ainda que nem sempre visível, coligação de interesses que, através do poder autárquico, numa rede tentacular a que poucos escapam, fragiliza a democracia portuguesa. As candidaturas de Carmona Rodrigues e Helena Roseta não resolvem nenhum destes problemas, mas, pelo menos, podem servir para pressionar os partidos a enfrentá-los.
publicado no Diário Económico.