Retratos da pobreza
Paradoxalmente, é no Verão, tempo de férias e de entrega a práticas menos comuns ao longo do ano, que mais clara se torna a pobreza do País. Não a pobreza material, que nos torna os mais desiguais da Europa a 15, envergonhando-nos a todos como sociedade, mas a que resultando desta se manifesta de muitas outras formas. Faça-se o exercício de sair do País, estar umas semanas fora e depois regressar, não abruptamente, de avião, mas aproximando-se aos poucos, de automóvel, do Norte da Europa para o Sul. Não há bandeirinhas à janela que nos salvem: continuamos a não resistir à comparação.
O primeiro choque é o da condução nas estradas. Em Portugal vive-se uma autêntica guerra civil, difícil de explicar por critérios racionais. Basta passar a fronteira para as velocidades moderadas serem substituídas pelos ases do volante, em excesso de velocidade permanente e a praticar o desporto nacional de encostar ao carro da frente. O que se passa nas estradas portuguesas não tem paralelo em nenhum País europeu e coloca-nos fora da civilidade, em territórios de pobreza absoluta.
Logo a seguir, o “planeamento” urbano do território. Do interior para o litoral, uma mancha desordenada, provando o empenho nacional em destruir o País: do campeonato de rotundas obtusas no interior norte, acompanhadas pela construção desprovida de identidade e pelo nacional-eucaliptismo, até à construção selvática, violentadora da orla costeira, no litoral. Olhe-se para a forma como se foi construindo em Portugal e não se pode deixar de hesitar entre duas hipóteses: ou incompetência pura de quem tem responsabilidades ou um qualquer eufemismo para corrupção. No fim, fica a dúvida sobre qual das hipóteses é pior. Também aqui somos bem mais pobres do que os nossos parceiros europeus e com a ameaça permanente que paira sobre o litoral alentejano – uma das poucas zonas relativamente imunes ao cataclismo urbanístico –, os sinais são de que queremos insistir no caminho da pobreza.
Depois, o desafio do turismo. Há já bons anos que Portugal, como se costuma dizer, aposta no turismo. Aposta mas é difícil ganhar a aposta quando, salvo excepções, os serviços associados ao turismo são de baixíssima qualidade. Há por exemplo um mito: em Portugal come-se bem. É, em parte, verdade. Mas comer bem implica ter um bom atendimento quando se come fora. Ora, entre nós, os restaurantes alternam entre os de bom preço com qualidade satisfatória e serviço amadorístico e aqueles que têm preços exorbitantes para o que se come e para a forma como somos atendidos. Há ainda a hesitação permanente entre a “opção Quarteira” e a “opção golfe”. No fim, acabamos por não ser competitivos em nenhuma das duas.
Mas, porventura, um dos aspectos mais reveladores da nossa pobreza é o modo como utilizamos os espaços públicos. Nas cidades e vilas do País, o que se vê são ruas desertas. Com um clima menos propício, os europeus vivem fora de casa, nos cafés, ao fim da tarde. Os portugueses – e aqui os jovens são a excepção – vivem fechados em casa, presos na dependência nacional à televisão e ao que ameaça tornar-se o eixo central da nossa identidade cultural: as telenovelas. O declínio da convivialidade e da utilização da rua é um sinal dum país mais pobre e enclausurado pela televisão – em média os portugueses vêem cerca de 3 horas e meia por dia de televisão.
É verdade que nas últimas três décadas e com particular intensidade desde a adesão, Portugal se transformou muito. Nenhum destes exemplos diminui o alcance das transformações sociais ocorridas: somos hoje menos desiguais e com menos pobres, produzimos mais riqueza, temos melhores cuidados de saúde, fizemos crescer exponencialmente a frequência do ensino. Em muitos domínios, designadamente nas práticas de consumo, somos mesmo dos mais “avançados”. Mas, ainda assim, os sinais de modernidade confundem-se com a persistência da pobreza. Ambos são mais visíveis quando nos comparamos com os nossos parceiros europeus. Em meados dos anos sessenta, Alexandre O’Neill, no poema País Relativo, falava dum “País pobrete e nada alegrete,/ baú fechado com um aloquete” (...) e que “engravatado todo o ano (se assoava) na gravata por engano”. Quarenta anos depois, continuamos demasiadamente assim: pobres, fechados e com uma aparência de modernidade que, ao primeiro embate, se esvanece.
Publicado no Diário Económico.
O primeiro choque é o da condução nas estradas. Em Portugal vive-se uma autêntica guerra civil, difícil de explicar por critérios racionais. Basta passar a fronteira para as velocidades moderadas serem substituídas pelos ases do volante, em excesso de velocidade permanente e a praticar o desporto nacional de encostar ao carro da frente. O que se passa nas estradas portuguesas não tem paralelo em nenhum País europeu e coloca-nos fora da civilidade, em territórios de pobreza absoluta.
Logo a seguir, o “planeamento” urbano do território. Do interior para o litoral, uma mancha desordenada, provando o empenho nacional em destruir o País: do campeonato de rotundas obtusas no interior norte, acompanhadas pela construção desprovida de identidade e pelo nacional-eucaliptismo, até à construção selvática, violentadora da orla costeira, no litoral. Olhe-se para a forma como se foi construindo em Portugal e não se pode deixar de hesitar entre duas hipóteses: ou incompetência pura de quem tem responsabilidades ou um qualquer eufemismo para corrupção. No fim, fica a dúvida sobre qual das hipóteses é pior. Também aqui somos bem mais pobres do que os nossos parceiros europeus e com a ameaça permanente que paira sobre o litoral alentejano – uma das poucas zonas relativamente imunes ao cataclismo urbanístico –, os sinais são de que queremos insistir no caminho da pobreza.
Depois, o desafio do turismo. Há já bons anos que Portugal, como se costuma dizer, aposta no turismo. Aposta mas é difícil ganhar a aposta quando, salvo excepções, os serviços associados ao turismo são de baixíssima qualidade. Há por exemplo um mito: em Portugal come-se bem. É, em parte, verdade. Mas comer bem implica ter um bom atendimento quando se come fora. Ora, entre nós, os restaurantes alternam entre os de bom preço com qualidade satisfatória e serviço amadorístico e aqueles que têm preços exorbitantes para o que se come e para a forma como somos atendidos. Há ainda a hesitação permanente entre a “opção Quarteira” e a “opção golfe”. No fim, acabamos por não ser competitivos em nenhuma das duas.
Mas, porventura, um dos aspectos mais reveladores da nossa pobreza é o modo como utilizamos os espaços públicos. Nas cidades e vilas do País, o que se vê são ruas desertas. Com um clima menos propício, os europeus vivem fora de casa, nos cafés, ao fim da tarde. Os portugueses – e aqui os jovens são a excepção – vivem fechados em casa, presos na dependência nacional à televisão e ao que ameaça tornar-se o eixo central da nossa identidade cultural: as telenovelas. O declínio da convivialidade e da utilização da rua é um sinal dum país mais pobre e enclausurado pela televisão – em média os portugueses vêem cerca de 3 horas e meia por dia de televisão.
É verdade que nas últimas três décadas e com particular intensidade desde a adesão, Portugal se transformou muito. Nenhum destes exemplos diminui o alcance das transformações sociais ocorridas: somos hoje menos desiguais e com menos pobres, produzimos mais riqueza, temos melhores cuidados de saúde, fizemos crescer exponencialmente a frequência do ensino. Em muitos domínios, designadamente nas práticas de consumo, somos mesmo dos mais “avançados”. Mas, ainda assim, os sinais de modernidade confundem-se com a persistência da pobreza. Ambos são mais visíveis quando nos comparamos com os nossos parceiros europeus. Em meados dos anos sessenta, Alexandre O’Neill, no poema País Relativo, falava dum “País pobrete e nada alegrete,/ baú fechado com um aloquete” (...) e que “engravatado todo o ano (se assoava) na gravata por engano”. Quarenta anos depois, continuamos demasiadamente assim: pobres, fechados e com uma aparência de modernidade que, ao primeiro embate, se esvanece.
Publicado no Diário Económico.