A receita para o desastre
A política portuguesa parece estar bloqueada num circuito
fechado. Semana sim, semana não, surge um apelo salvífico ao consenso para,
logo depois, se assistir a um extremar, se possível ainda maior, de posições.
Desta feita foi Rui Rio quem afirmou não ver “hipóteses nenhumas de sair desta
crise política - e não económica - sem um entendimento entre os partidos do
regime”.
Vale
a pena tentar perceber qual a razão para termos esta relação fetichista com os
consensos, ao mesmo tempo que somos incapazes de concertar posições nas
políticas.
Não
é por acaso que quem busca um espaço de afirmação política opta,
sistematicamente, pelos pedidos de entendimentos. Há de facto em Portugal uma
desconfiança em relação à dissensão e à politização das opções que favorece os
discursos que cavalgam a desconfiança face aos partidos e que se procuram
colocar acima da política. É, aliás, uma tendência com lastro histórico. De tal
forma que a encontramos nos lugares mais insuspeitos. A semana passada, na
comemoração dos 40 anos do Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, a
historiadora Luísa Tiago Oliveira recordava que no congresso de 1973, entre as
teses sobre organização do Estado, era reivindicada a legalização dos partidos,
a par com as organizações juvenis, as coletividades e os cineclubes. Como
desvalorização simbólica dos partidos como espaço de representação estamos
conversados.
Parece,
por isso, paradoxal que os apelos não se traduzam em consensos de facto. Mas há
razões para que assim seja.
Em
Portugal, procuramos entendimentos com base em posições ideológicas em lugar de
procurá-los em torno de políticas concretas (que são, naturalmente, emanações
de preferências ideológicas). Ora, enquanto as discussões ideológicas tendem a
favorecer o imobilismo ou o extremar de posições, a discussão sobre políticas,
se for baseada na informação factual e no conhecimento, torna o diálogo
possível. Mais, um esforço de concertação – que é diferente do consenso –
permite preservar distinções programáticas enquanto favorece a estabilidade das
políticas.
Um
contexto em que a política é desvalorizada e em que somos incapazes de
valorizar a avaliação das políticas (como revela, por exemplo, o silêncio do
Ministro Crato face aos resultados do relatório PISA) é o caldo perfeito para
que os apelos ao consenso coexistam com instabilidade nas políticas e uma
tendência para ignorar os legados, desmantelando programas que, podendo estar a
funcionar, são substituídos.
Vivemos
de facto uma crise política. Mas uma crise que assenta numa combinação de fanatismo
ideológico que inviabiliza o diálogo com uma propensão notável para
desconsiderar os factos. A receita para o desastre assenta num espírito de
cruzada insensível aos sinais dados pela realidade. Precisamos, de facto, de
concertação, mas a primeira coisa a fazer é voltar a considerar a realidade
como uma variável relevante. Será pedir muito?