Central de Vendas
No meio da continuidade que o Dr. Sampaio exigiu fosse assegurada, o Governo dos Drs. Santana e Portas tem, ao longo de dois meses, dado alguns sinais importantes de descontinuidade. À cabeça, a forma como a informação e a mensagem passaram a ser geridas. Sintomático disso mesmo foi a forma despudorada como o próprio executivo criou uma central de comunicação, presume-se com o objectivo de dissimular a inacção em que lançou Portugal. É que onde o anterior governo juntava a inépcia política de alguns ministros, com a vontade quase sádica de fazer sofrer o país de outros, o actual combina o combate interno entre os ministros do PP e os do PSD, com uma gestão a conta-gotas das notícias, que parecem sempre prometer mundos e fundos, ainda que acabem por esconder uma outra realidade.
Tem sido assim desde o início. Primeiro o Governo, através das “fontes próximas” que hoje quase monopolizam a informação em Portugal, lança uns factos que vão de encontro ao senso comum, generosamente instalado na sociedade portuguesa. O método é simples e recorrente. Antes de mais, é dada uma ideia positiva do que vai ser feito para que, depois, quando se conhece a outra face da moeda, o trabalho de desconstrução da notícia seja mais difícil, na medida em que há que contrariar uma impressão que já se instalou. Este é um dos sinais de que essa autêntica central de vendas está já em actividade.
Foi o que aconteceu, por exemplo, aquando da formação do Governo. Recorde-se que este seria constituído por esses “grandes nomes” que de tempos a tempos surgem para legitimar o que for necessário – um Êrnani Lopes, um António Borges. Depois, quando já era evidente que aqueles não o integrariam, lançaram-se dois ou três ministros, os tais que não são do aparelho e que, também por isso, caem no goto dos media. Com a opinião já formatada e assegurada a imagem de que este era um executivo de competentes, de técnicos de primeira, acima da disputa politiqueira, estava então criado o clima para a aceitação pública da avalanche de ministros amigos, nomeados para satisfazer os equilíbrios em que assentou a chegada ao poder do Dr. Santana e ainda os outros, que servem para garantir a continuidade da coligação.
Desde então, os casos em que a informação é gerida a conta-gotas têm-se sucedido. Quase sempre sem possibilidade de avaliação posterior, também por força de uma comunicação social amorfa. Com os aumentos dos salários da função pública, que todos os dias parecem ser menos reais do que foi inicialmente dito; com a nova lei das rendas, que ao contrário do prometido parece agora ser atirada para as “calendas gregas” ou, mais recentemente, com a avalanche de alterações fiscais do Dr. Bagão que, para lá de fazerem corar a Drª. Ferreira Leite, serão de cumprimento duvidoso e, suspeito, servirão apenas dois objectivos: permitir ao PP continuar a aparecer como o fazedor da agenda e, simultaneamente, criar a ilusão de o Governo tem uma dimensão social.
Entretanto, o Primeiro-Ministro, naquele jeito certamente formado aquando da sua passagem pelo mundo do futebol, teima em não despir o seu fato natural, o de comentador. Perante os factos políticos mais relevantes ocorridos desde a sua posse, é isso que tem feito. Comentar e fazê-lo invariavelmente indo ao encontro do sentimento mais popular. Da barracada na abertura do ano lectivo, ao Barco do Aborto, passando pelos salários da função pública, o Dr. Santana fala como se estivesse de fora. Umas vezes mostrando solidariedade com as famílias que não têm as escolas dos filhos a funcionar, outras revelando disponibilidade para debater a descriminalização do aborto, ao mesmo tempo que o seu governo mantinha o barco holandês ao largo, sob ameaça da Marinha. É isso que agora temos, um Primeiro-Ministro que fala e fala e fala e que, num tom esquizofrénico, parece querer fazer oposição ao governo que lidera, dizendo uma coisa, para depois, sem qualquer dificuldade, ao virar da esquina, dizer outra. Tudo isto quando era preciso um Primeiro-Ministro que fizesse e que, fazendo, desse um mínimo de sentido ao slogan “Portugal em Acção”, que, de modo patético, o executivo insiste em usar.
São, por isto, terrenos pantanosos estes onde se move a política portuguesa. Com os papéis dos actores em larga medida trocados e com um enorme potencial hegemónico da parte de quem apoia este governo – por via de uma governamentalização inédita da quase totalidade dos órgãos de comunicação social – o que está, hoje, permanentemente em causa, não é apenas a incompetência e as opções políticas erradas que têm sido levadas a cabo pelo PSD/PP, é a própria garantia de institucionalização de uma democracia liberal. Confirmando, aliás, que o qualificativo liberal foi sempre o elo mais fraco da jovem democracia portuguesa.
artigo publicado em A Capital, 22 de Setembro
Tem sido assim desde o início. Primeiro o Governo, através das “fontes próximas” que hoje quase monopolizam a informação em Portugal, lança uns factos que vão de encontro ao senso comum, generosamente instalado na sociedade portuguesa. O método é simples e recorrente. Antes de mais, é dada uma ideia positiva do que vai ser feito para que, depois, quando se conhece a outra face da moeda, o trabalho de desconstrução da notícia seja mais difícil, na medida em que há que contrariar uma impressão que já se instalou. Este é um dos sinais de que essa autêntica central de vendas está já em actividade.
Foi o que aconteceu, por exemplo, aquando da formação do Governo. Recorde-se que este seria constituído por esses “grandes nomes” que de tempos a tempos surgem para legitimar o que for necessário – um Êrnani Lopes, um António Borges. Depois, quando já era evidente que aqueles não o integrariam, lançaram-se dois ou três ministros, os tais que não são do aparelho e que, também por isso, caem no goto dos media. Com a opinião já formatada e assegurada a imagem de que este era um executivo de competentes, de técnicos de primeira, acima da disputa politiqueira, estava então criado o clima para a aceitação pública da avalanche de ministros amigos, nomeados para satisfazer os equilíbrios em que assentou a chegada ao poder do Dr. Santana e ainda os outros, que servem para garantir a continuidade da coligação.
Desde então, os casos em que a informação é gerida a conta-gotas têm-se sucedido. Quase sempre sem possibilidade de avaliação posterior, também por força de uma comunicação social amorfa. Com os aumentos dos salários da função pública, que todos os dias parecem ser menos reais do que foi inicialmente dito; com a nova lei das rendas, que ao contrário do prometido parece agora ser atirada para as “calendas gregas” ou, mais recentemente, com a avalanche de alterações fiscais do Dr. Bagão que, para lá de fazerem corar a Drª. Ferreira Leite, serão de cumprimento duvidoso e, suspeito, servirão apenas dois objectivos: permitir ao PP continuar a aparecer como o fazedor da agenda e, simultaneamente, criar a ilusão de o Governo tem uma dimensão social.
Entretanto, o Primeiro-Ministro, naquele jeito certamente formado aquando da sua passagem pelo mundo do futebol, teima em não despir o seu fato natural, o de comentador. Perante os factos políticos mais relevantes ocorridos desde a sua posse, é isso que tem feito. Comentar e fazê-lo invariavelmente indo ao encontro do sentimento mais popular. Da barracada na abertura do ano lectivo, ao Barco do Aborto, passando pelos salários da função pública, o Dr. Santana fala como se estivesse de fora. Umas vezes mostrando solidariedade com as famílias que não têm as escolas dos filhos a funcionar, outras revelando disponibilidade para debater a descriminalização do aborto, ao mesmo tempo que o seu governo mantinha o barco holandês ao largo, sob ameaça da Marinha. É isso que agora temos, um Primeiro-Ministro que fala e fala e fala e que, num tom esquizofrénico, parece querer fazer oposição ao governo que lidera, dizendo uma coisa, para depois, sem qualquer dificuldade, ao virar da esquina, dizer outra. Tudo isto quando era preciso um Primeiro-Ministro que fizesse e que, fazendo, desse um mínimo de sentido ao slogan “Portugal em Acção”, que, de modo patético, o executivo insiste em usar.
São, por isto, terrenos pantanosos estes onde se move a política portuguesa. Com os papéis dos actores em larga medida trocados e com um enorme potencial hegemónico da parte de quem apoia este governo – por via de uma governamentalização inédita da quase totalidade dos órgãos de comunicação social – o que está, hoje, permanentemente em causa, não é apenas a incompetência e as opções políticas erradas que têm sido levadas a cabo pelo PSD/PP, é a própria garantia de institucionalização de uma democracia liberal. Confirmando, aliás, que o qualificativo liberal foi sempre o elo mais fraco da jovem democracia portuguesa.
artigo publicado em A Capital, 22 de Setembro
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