Para onde nos leva o Senhor Presidente
É conhecido o particular fascínio que o Senhor Presidente da República nutre pelo estrangeiro e por tudo aquilo que lhe pareça internacional. Talvez assim se compreenda melhor o modo como se manifestou face ao abandono de funções do primeiro-ministro e o entusiasmo com que brindou a deserção daquele para Bruxelas. No meio deste entusiasmo, não cuidou, no entanto, que o seu contentamento trazia uma crise política no imediato e no médio prazo uma alteração dos equilíbrios partidários, logo dos equilíbrios do regime.
Entre outras coisas, isto resultará de uma obsessão formalista que contamina frequentemente a acção do Presidente da República, fazendo-o esquecer-se, em muitos casos, que a realidade não é uma coisa “estrangeira”, mas, sim, algo cheio de contradições e de distâncias face aos nossos imaginários formalizados. No que aqui interessa, quem pense que as eleições legislativas servem, de facto, para eleger listas de deputados e sufragar programas eleitorais, pura e simplesmente já se perdeu da realidade das coisas. Podíamos gostar que o mundo fosse de muitas outras maneiras (e todos gostávamos, certamente), mas a verdade é que nas legislativas, hoje em dia, elege-se o primeiro-ministro – tendo os próprios partidos a isso se habituado, organizando aliás campanhas centradas naquele objectivo. Pode-se invocar a Constituição, a experiência britânica ou o que se quiser, mas explicar a um eleitor que o dr. Durão pôs-se ao fresco e que sendo necessário proceder à sua substituição, em lugar de se eleger um novo Primeiro-Ministro, se recorre ao Presidente da Câmara de Lisboa é certamente difícil.
Aliás, não é só difícil, como também é complexo, designadamente se quisermos analisar as consequências que resultam de tal decisão. É que a transformação administrativa do dr. Santana em Primeiro-Ministro teve o mérito de produzir, de uma assentada, um sem número de consequências nefastas para o sistema, todas elas legítimas é verdade, mas sem a legitimidade do voto. Se não vejamos.
Antes de mais, do novo quadro resultará, pelo inevitável enviesamento populista e, não será exagerado dizê-lo, peronista que advirá da liderança de Santana Lopes um desviar do PSD para a direita, menorizando ainda mais a sua matriz social-democrata e tornando-o defnitivamente num partido popular. Ao mesmo tempo que, com a mudança de liderança no PS, há o risco de se assistir a um posicionamento diverso deste partido que, caindo no logro de invocar um centro mitificado que mais não é do que um ponto no espaço, subalternizar o factor que é comprovadamente mais mobilizador para os eleitores quando têm de escolher entre partidos de governo: a identificação e o reconhecimento claro de alternativas. Provavelmente desde o final dos mandatos de Eanes e da criação do PRD que o sistema partidário português, como o conhecemos, não sofria tamanho abalo.
No entanto, um dos aspectos mais confrangedores do muito infeliz discurso do Presidente na passada sexta-feira, tem a ver com o elemento de legitimação das políticas do actual/ex-governo. A defesa da continuidade de políticas que foi invocada como condição para o apoio presidencial só pode dar um arrepio na espinha a muitos portugueses.
Em primeiro lugar, porque ao fazê-lo o Presidente da República assume que aquilo que foi sufragado em 2002 foi também o que vinha sendo posto em prática pelo governo. Ora, precisamente uma das principais debilidades da actual maioria era o facto de ter feito um conjunto de promessas que, uma vez no poder, pura e simplesmente colocou na gaveta. Com o seu discurso, o Presidente deu um importante contributo para resolver o problema de legitimidade programática da coligação governamental.
Em segundo lugar, porque ao falar da continuidade das políticas, referindo-se nomeadamente à política externa e às políticas de consolidação orçamental, o Presidente conseguiu invocar precisamente um conjunto de dimensões onde a actual maioria mais falhou. É que quando se pensa em política externa nos dois últimos anos, não podemos deixar de nos recordar da participação portuguesa na tristemente célebre Cimeira das Lajes, enquanto falar em continuidade da consolidação orçamental quando, manigâncias à parte, o nosso défice está acima dos 5%, é, para não dizer outra coisa, do domínio do risível. É isto, portanto, o que o senhor Presidente propõe que seja continuado.
No fim de tudo, com a discursata da semana passada, o Dr. Sampaio conseguiu também algo de simbólico e de afectivo – a alienação do seu próprio eleitorado e base social de apoio. Foram por isso certeiras as palavras de Ana Gomes, dando voz a centenas de milhares de portugueses, quando se disse arrependida de ter votado Sampaio em 2001. Em política, como no resto, "quem não se sente, não é filho de boa gente". E o dr. Sampaio, mais uma vez sublinhe-se, não só defraudou as expectativas daqueles que o apoiaram, como empurrou o país para um caminho que colectivamente não nos convém.
artigo publicado em a Capital
Entre outras coisas, isto resultará de uma obsessão formalista que contamina frequentemente a acção do Presidente da República, fazendo-o esquecer-se, em muitos casos, que a realidade não é uma coisa “estrangeira”, mas, sim, algo cheio de contradições e de distâncias face aos nossos imaginários formalizados. No que aqui interessa, quem pense que as eleições legislativas servem, de facto, para eleger listas de deputados e sufragar programas eleitorais, pura e simplesmente já se perdeu da realidade das coisas. Podíamos gostar que o mundo fosse de muitas outras maneiras (e todos gostávamos, certamente), mas a verdade é que nas legislativas, hoje em dia, elege-se o primeiro-ministro – tendo os próprios partidos a isso se habituado, organizando aliás campanhas centradas naquele objectivo. Pode-se invocar a Constituição, a experiência britânica ou o que se quiser, mas explicar a um eleitor que o dr. Durão pôs-se ao fresco e que sendo necessário proceder à sua substituição, em lugar de se eleger um novo Primeiro-Ministro, se recorre ao Presidente da Câmara de Lisboa é certamente difícil.
Aliás, não é só difícil, como também é complexo, designadamente se quisermos analisar as consequências que resultam de tal decisão. É que a transformação administrativa do dr. Santana em Primeiro-Ministro teve o mérito de produzir, de uma assentada, um sem número de consequências nefastas para o sistema, todas elas legítimas é verdade, mas sem a legitimidade do voto. Se não vejamos.
Antes de mais, do novo quadro resultará, pelo inevitável enviesamento populista e, não será exagerado dizê-lo, peronista que advirá da liderança de Santana Lopes um desviar do PSD para a direita, menorizando ainda mais a sua matriz social-democrata e tornando-o defnitivamente num partido popular. Ao mesmo tempo que, com a mudança de liderança no PS, há o risco de se assistir a um posicionamento diverso deste partido que, caindo no logro de invocar um centro mitificado que mais não é do que um ponto no espaço, subalternizar o factor que é comprovadamente mais mobilizador para os eleitores quando têm de escolher entre partidos de governo: a identificação e o reconhecimento claro de alternativas. Provavelmente desde o final dos mandatos de Eanes e da criação do PRD que o sistema partidário português, como o conhecemos, não sofria tamanho abalo.
No entanto, um dos aspectos mais confrangedores do muito infeliz discurso do Presidente na passada sexta-feira, tem a ver com o elemento de legitimação das políticas do actual/ex-governo. A defesa da continuidade de políticas que foi invocada como condição para o apoio presidencial só pode dar um arrepio na espinha a muitos portugueses.
Em primeiro lugar, porque ao fazê-lo o Presidente da República assume que aquilo que foi sufragado em 2002 foi também o que vinha sendo posto em prática pelo governo. Ora, precisamente uma das principais debilidades da actual maioria era o facto de ter feito um conjunto de promessas que, uma vez no poder, pura e simplesmente colocou na gaveta. Com o seu discurso, o Presidente deu um importante contributo para resolver o problema de legitimidade programática da coligação governamental.
Em segundo lugar, porque ao falar da continuidade das políticas, referindo-se nomeadamente à política externa e às políticas de consolidação orçamental, o Presidente conseguiu invocar precisamente um conjunto de dimensões onde a actual maioria mais falhou. É que quando se pensa em política externa nos dois últimos anos, não podemos deixar de nos recordar da participação portuguesa na tristemente célebre Cimeira das Lajes, enquanto falar em continuidade da consolidação orçamental quando, manigâncias à parte, o nosso défice está acima dos 5%, é, para não dizer outra coisa, do domínio do risível. É isto, portanto, o que o senhor Presidente propõe que seja continuado.
No fim de tudo, com a discursata da semana passada, o Dr. Sampaio conseguiu também algo de simbólico e de afectivo – a alienação do seu próprio eleitorado e base social de apoio. Foram por isso certeiras as palavras de Ana Gomes, dando voz a centenas de milhares de portugueses, quando se disse arrependida de ter votado Sampaio em 2001. Em política, como no resto, "quem não se sente, não é filho de boa gente". E o dr. Sampaio, mais uma vez sublinhe-se, não só defraudou as expectativas daqueles que o apoiaram, como empurrou o país para um caminho que colectivamente não nos convém.
artigo publicado em a Capital
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