O que é nacional é europeu
A ideia generalizou-se apesar de, como muitas das ideias que se generalizam, ser falsa. A crer em dezenas de artigos de jornais e opiniões televisivas, na campanha para as eleições europeias não têm sido discutidas as questões europeias. Claro que o paradoxo, de tanto repetido, lá foi fazendo o seu caminho e instalou-se na cabeça de toda a gente. Sintomático disso mesmo é o resultado do barómetro on-line do jornal Público. Entre mais de 3 500 “votantes”, 97% “acha” que os partidos não andam a debater os temas europeus. Mas porque andará toda a gente a pensar assim?
Antes de mais, porque a distinção entre temas nacionais e temas europeus é, em si mesma, falaciosa. Já não existem temas políticos cuja natureza seja exclusivamente doméstica, como - ainda mais importante - a resposta às questões politicamente mais relevantes (como o desemprego ou a guerra do Iraque) depende de posicionamentos internos face às políticas europeias.
Desengane-se quem pensa que o combate ao desemprego se faz com voluntarismos nacionais. O essencial do desemprego combate-se com a revisão, na Europa, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e, simultaneamente, contrariando a interpretação, estúpida, que o Governo português tem feito deste mesmo pacto. Do mesmo modo o combate ao terrorismo e a construção de uma ordem internacional baseada na legalidade e no direito depende, em larga escala, da capacidade da Europa agir a uma só voz, combinando dinâmicas domésticas com europeias. E a verdade é que, à parte os insultos da direita e os fait-divers que fizeram o essencial da mediatização da campanha eleitoral, a agenda das últimas semanas centrou-se, e bem, na discussão daqueles temas e nas divergências que a este nível existem entre os partidos da coligação e da oposição, ou mais ainda entre os dois partidos da coligação de direita.
Apesar do que tem sido dito, as questões europeias ditas “puras”, que aparentam viver em compartimentos estanques não contaminados pelas lógicas nacionais, foram abundantemente tratadas durante as últimas semanas. Há uma distância enorme que vai do que é discutido ao que é transmitido. Podem os candidatos e os partidos matraquear, dia após dia, os “pobres” dos eleitores com o que os distingue em termos europeus que a sua mensagem é recebida com a mais fria das indiferenças. Antes de tudo, indiferença da parte dos jornalistas que intermedeiam a mensagem e que invariavelmente classificam as intervenções europeias “puras” como mornas e sem interesse. No ranking dos sound-bytes, quem se atreve a um mínimo de pedagogia europeia está inevitavelmente votado ao fracasso político. Os mediadores deixam-se “adormecer” com as questões europeias, e com isto criam o contexto que faz com que nas agendas de campanha, mesmo quando de facto se fala de Europa, esta seja empurrada para uma clandestinidade silenciosa. Afinal, décadas de política mediatizada mostram que só acontece o que aparece. E por muita discussão que os partidos, ainda que de modo desigual, tenham promovido sobre a Europa, só aquela que aparece é que acontece.
Ainda assim, o essencial do problema não tem tanto a ver com a importância das questões europeias e com o facto de a sua discussão aparecer negligenciada. O essencial do problema é o paradoxo que resulta deste processo. Um paradoxo que vicia e vai ferindo quase irremediavelmente todo o jogo político. É que, cada vez mais, os políticos são impelidos a fazerem um discurso que preencha os requisitos de sound-bytes, para logo depois serem acusados por quem cria essa mesmíssima expectativa de não debaterem as questões que à partida foram silenciadas. O resultado de tudo isto é só um: a indiferenciação dos partidos e de toda a classe política. E nisto, o que antes era escolha entre programas políticos, passou a depender de um ranking de frases sonantes e de simpatia pessoal.
É por isso que o facto do jogo político ser cada vez mais desprovido de política é incomensuravelmente mais preocupante do que nestas eleições não se ter ouvido falar de Europa. Até porque não se ter falado de Europa é, acima de tudo, um epifenómeno de uma outra coisa: aos meios de comunicação social pouco interessa a política.
artigo publicado na Capital
Antes de mais, porque a distinção entre temas nacionais e temas europeus é, em si mesma, falaciosa. Já não existem temas políticos cuja natureza seja exclusivamente doméstica, como - ainda mais importante - a resposta às questões politicamente mais relevantes (como o desemprego ou a guerra do Iraque) depende de posicionamentos internos face às políticas europeias.
Desengane-se quem pensa que o combate ao desemprego se faz com voluntarismos nacionais. O essencial do desemprego combate-se com a revisão, na Europa, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e, simultaneamente, contrariando a interpretação, estúpida, que o Governo português tem feito deste mesmo pacto. Do mesmo modo o combate ao terrorismo e a construção de uma ordem internacional baseada na legalidade e no direito depende, em larga escala, da capacidade da Europa agir a uma só voz, combinando dinâmicas domésticas com europeias. E a verdade é que, à parte os insultos da direita e os fait-divers que fizeram o essencial da mediatização da campanha eleitoral, a agenda das últimas semanas centrou-se, e bem, na discussão daqueles temas e nas divergências que a este nível existem entre os partidos da coligação e da oposição, ou mais ainda entre os dois partidos da coligação de direita.
Apesar do que tem sido dito, as questões europeias ditas “puras”, que aparentam viver em compartimentos estanques não contaminados pelas lógicas nacionais, foram abundantemente tratadas durante as últimas semanas. Há uma distância enorme que vai do que é discutido ao que é transmitido. Podem os candidatos e os partidos matraquear, dia após dia, os “pobres” dos eleitores com o que os distingue em termos europeus que a sua mensagem é recebida com a mais fria das indiferenças. Antes de tudo, indiferença da parte dos jornalistas que intermedeiam a mensagem e que invariavelmente classificam as intervenções europeias “puras” como mornas e sem interesse. No ranking dos sound-bytes, quem se atreve a um mínimo de pedagogia europeia está inevitavelmente votado ao fracasso político. Os mediadores deixam-se “adormecer” com as questões europeias, e com isto criam o contexto que faz com que nas agendas de campanha, mesmo quando de facto se fala de Europa, esta seja empurrada para uma clandestinidade silenciosa. Afinal, décadas de política mediatizada mostram que só acontece o que aparece. E por muita discussão que os partidos, ainda que de modo desigual, tenham promovido sobre a Europa, só aquela que aparece é que acontece.
Ainda assim, o essencial do problema não tem tanto a ver com a importância das questões europeias e com o facto de a sua discussão aparecer negligenciada. O essencial do problema é o paradoxo que resulta deste processo. Um paradoxo que vicia e vai ferindo quase irremediavelmente todo o jogo político. É que, cada vez mais, os políticos são impelidos a fazerem um discurso que preencha os requisitos de sound-bytes, para logo depois serem acusados por quem cria essa mesmíssima expectativa de não debaterem as questões que à partida foram silenciadas. O resultado de tudo isto é só um: a indiferenciação dos partidos e de toda a classe política. E nisto, o que antes era escolha entre programas políticos, passou a depender de um ranking de frases sonantes e de simpatia pessoal.
É por isso que o facto do jogo político ser cada vez mais desprovido de política é incomensuravelmente mais preocupante do que nestas eleições não se ter ouvido falar de Europa. Até porque não se ter falado de Europa é, acima de tudo, um epifenómeno de uma outra coisa: aos meios de comunicação social pouco interessa a política.
artigo publicado na Capital
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