A Golpada
A história é simples. Há dois anos e meio o Dr. Durão Barroso foi eleito primeiro-ministro, depois, tomou posse e o melhor que lhe ocorreu fazer foi inventar um discurso de passa-culpas. Tudo o que acontecia era culpa do passado. Levou o discurso do passa-culpas longe de mais e deu cabo do país. Não só todos os compromissos que ele próprio havia estabelecido – à cabeça a obsessão financista com o défice – ficaram por cumprir, como Portugal foi lançado na maior depressão colectiva de que há memória e na mais profunda crise económica de que as séries estatísticas se recordam, envolvido numa guerra desastrosa e viu ainda o desemprego a crescer a um ritmo galopante. Face a tudo isto, os portugueses optaram por infligir, nas eleições europeias, a mais dura das derrotas eleitorais sofridas por um governo em exercício no Portugal democrático. Neste contexto, o Dr. Durão Barroso tinha uma coisa a fazer: contrariar a ideia que se generalizava de que o governo estava parado, de que havia demasiados ministros a necessitarem de remodelação urgente e, essencialmente, que importava inverter as prioridades políticas. Mas, o Dr. Durão Barroso preferiu não o fazer e parte agora para outra. E enquanto o faz, abre uma crise política e deixa o país a braços com os problemas que foi manifestamente incapaz de resolver e com aqueles que ajudou mesmo a criar.
Se há um responsável pelo estado a que as coisas chegaram em Portugal é o Dr. Durão Barroso. Foi ele que foi votado para governar, é ele, por isso, o primeiro responsável perante os portugueses. Não tenhamos ilusões formalistas, quando há eleições legislativas o que mais determina as opções dos eleitores não é o voto neste ou naquele partido, nem os programas eleitorais, nem muito menos a opção entre listas de deputados. Nas eleições legislativas, cada vez mais, o que está em causa são escolhas entre candidatos a primeiro-ministro – é essa a razão porque desde os governos de Cavaco Silva que para caracterizar o sistema português se fala de “Presidencialismo de Primeiro-Ministro”. As legislativas de 2002 foram eleições personalizadas, baseadas em campanhas personalizadas, com outdoors com as caras de Durão Barroso e Ferro Rodrigues, direitos de antena neles centrados e debates televisivos a dois. Consequentemente, quem pensar que mais alguém que não o Dr. Durão Barroso tem, de facto, legitimidade política para governar está equivocado.
Mas, dois anos e meio depois, sabemos todos mais algumas coisas sobre o estado desta maioria. Antes de mais, conhecemos o resultado das últimas eleições europeias, que dá-se o caso de terem sido há apenas vinte dias e que o próprio Dr. Durão Barroso, na noite eleitoral, optou por nacionalizar inteiramente, ao reconhecer que tinha entendido a mensagem. Em 13 de Junho, os portugueses podem ter querido dizer muitas coisas, mas de tudo o que disseram uma coisa resulta claro: à actual maioria faltava já legitimidade social. Pelo que, depois da decisão do Dr. Durão Barroso de partir para Bruxelas, um eventual governo saído da mesmíssima maioria carregaria nos ombros, já não apenas a ausência de legitimidade política de facto, mas, também, o fardo da falta de apoio social. O peso destes fardos seria certamente insuportável no curto prazo para a maioria que teria de fazer a penitência de o carregar, mas sê-lo-ia acima de tudo para a frágil relação de confiança entre quem vota e quem governa. Até porque, convém não esquecer, esta soma de ausências de legitimidade é a verdadeira mãe, e também o pai há que convir, da instabilidade e das crises políticas.
Quem, num contexto destes, pense que haver eleições é um sinal de instabilidade para o regime, esquece que é no acto de votar que reside uma das últimas fontes onde o sistema consegue mobilizar energia e capacidade de regeneração. Pelo contrário, a escolha de um novo primeiro-ministro, em que ninguém votou e que provavelmente terá um perfil político e pessoal quase oposto ao daquele que foi votado é que representa uma autêntica golpada na já fraca legitimidade do sistema político aos olhos dos cidadãos.
É que para que os cidadãos tenham confiança nas instituições da democracia, nem os Partidos podem ver-se a si próprios como donos dos votos, nem o Presidente da República pode ser olhado como um mero notário, que avalia do cumprimento dos requisitos formais em causa em cada momento. A democracia e o governo da coisa pública são coisas sérias de mais para que por inacção ou apatia se contribua para a sua crescente deslegitimação aos olhos dos cidadãos. É também isso que está agora em causa.
artigo publicado em a Capital
Se há um responsável pelo estado a que as coisas chegaram em Portugal é o Dr. Durão Barroso. Foi ele que foi votado para governar, é ele, por isso, o primeiro responsável perante os portugueses. Não tenhamos ilusões formalistas, quando há eleições legislativas o que mais determina as opções dos eleitores não é o voto neste ou naquele partido, nem os programas eleitorais, nem muito menos a opção entre listas de deputados. Nas eleições legislativas, cada vez mais, o que está em causa são escolhas entre candidatos a primeiro-ministro – é essa a razão porque desde os governos de Cavaco Silva que para caracterizar o sistema português se fala de “Presidencialismo de Primeiro-Ministro”. As legislativas de 2002 foram eleições personalizadas, baseadas em campanhas personalizadas, com outdoors com as caras de Durão Barroso e Ferro Rodrigues, direitos de antena neles centrados e debates televisivos a dois. Consequentemente, quem pensar que mais alguém que não o Dr. Durão Barroso tem, de facto, legitimidade política para governar está equivocado.
Mas, dois anos e meio depois, sabemos todos mais algumas coisas sobre o estado desta maioria. Antes de mais, conhecemos o resultado das últimas eleições europeias, que dá-se o caso de terem sido há apenas vinte dias e que o próprio Dr. Durão Barroso, na noite eleitoral, optou por nacionalizar inteiramente, ao reconhecer que tinha entendido a mensagem. Em 13 de Junho, os portugueses podem ter querido dizer muitas coisas, mas de tudo o que disseram uma coisa resulta claro: à actual maioria faltava já legitimidade social. Pelo que, depois da decisão do Dr. Durão Barroso de partir para Bruxelas, um eventual governo saído da mesmíssima maioria carregaria nos ombros, já não apenas a ausência de legitimidade política de facto, mas, também, o fardo da falta de apoio social. O peso destes fardos seria certamente insuportável no curto prazo para a maioria que teria de fazer a penitência de o carregar, mas sê-lo-ia acima de tudo para a frágil relação de confiança entre quem vota e quem governa. Até porque, convém não esquecer, esta soma de ausências de legitimidade é a verdadeira mãe, e também o pai há que convir, da instabilidade e das crises políticas.
Quem, num contexto destes, pense que haver eleições é um sinal de instabilidade para o regime, esquece que é no acto de votar que reside uma das últimas fontes onde o sistema consegue mobilizar energia e capacidade de regeneração. Pelo contrário, a escolha de um novo primeiro-ministro, em que ninguém votou e que provavelmente terá um perfil político e pessoal quase oposto ao daquele que foi votado é que representa uma autêntica golpada na já fraca legitimidade do sistema político aos olhos dos cidadãos.
É que para que os cidadãos tenham confiança nas instituições da democracia, nem os Partidos podem ver-se a si próprios como donos dos votos, nem o Presidente da República pode ser olhado como um mero notário, que avalia do cumprimento dos requisitos formais em causa em cada momento. A democracia e o governo da coisa pública são coisas sérias de mais para que por inacção ou apatia se contribua para a sua crescente deslegitimação aos olhos dos cidadãos. É também isso que está agora em causa.
artigo publicado em a Capital
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