O Prato do Dia
Uma coisa que é conhecida sobre os governos populistas é que se sabe como começam, mas raramente se sabe para onde nos levam e como acabam. O governo do dr. Santana e dos seus amigos começou muito mal e tem em si um pecado original do qual não se livrará. Falta-lhe a legitimidade do voto. Sem ter sido sufragado, o dr. Santana, quando comparado, por exemplo, com o dr. Jardim, tem essa fragilidade acrescida. Contudo, é ainda demasiado cedo para se saber para onde caminha. Se bem que seja verdade que, até prova em contrário, tudo indicia que caminha de desastre em desastre até a uma varridela eleitoral daqui a dois anos. Não devemos, ainda assim, ter ilusões, pois o pouco que até agora se viu não é nada. Deste Governo, o pior ainda está para vir. E para enfrentar o pior convém conhecer o adversário e estar preparado para lhe fazer face.
Uma das características do dr. Santana, da qual aliás resulta grande parte do seu magnetismo mediático, é dar sistematicamente uma ideia de ruptura e de acção. Sempre que fala, sempre que aparece, pouco se apreende do que diz ou da coerência interna do seu discurso, o que fica é apenas uma ideia de movimento. Acontece que o dr. Santana sendo agora movimento feito estadista, é movimento para lado nenhum. A sua inusitada e constante vontade de inventar uma identidade ideológica que manifestamente não tem resulta disso mesmo: da necessidade de dar ao movimento um sentido. Paradoxalmente, sempre que busca esse sentido mais exposta fica ainda a sua ausência. Senão vejamos, para além de se referir ao PSD como PPD/PSD, o único referencial que se conhece ao seu discurso é a evocação sistemática da herança de Sá Carneiro. O facto, aliás a roçar o patético, de na sua primeira actividade oficial como primeiro-ministro ter ido prestar homenagem a Sá Carneiro é disso exemplo paradigmático. Ora, como qualquer análise objectiva da acção e do pensamento de Sá Carneiro facilmente demonstra, entre este e o dr. Santana há apenas um mar de diferenças. Qualquer semelhança e qualquer continuidade política é pura criação póstuma, aliás violentadora da memória de Sá Carneiro.
É precisamente por navegar ao sabor do vento, sem qualquer eixo que dê coerência à sua acção, que o dr. Santana opta sistematicamente pela criação do facto político e pela promoção de fait-divers. Na política, quando nada mais resta, o caminho seguido é normalmente esse. Em todos os momentos, é isso que o dr. Santana faz. Basta recuarmos um pouco até à campanha para a Câmara de Lisboa e pensarmos no que se passou. De piscinas a escolas, de casinos a túneis, tudo foi prometido sem qualquer coerência e sem qualquer sentido que não fosse o de ir alimentando a agenda mediática. Até agora, desde que saltou da Câmara para São Bento, o dr. Santana tem feito apenas uma coisa. Apresenta todos os dias um "prato" diferente, como se o governo do país se tratasse de um restaurante em que aos clientes não é apresentado um menú, mas no qual todos os dias a ausência deste é iludida com a apresentação de um novo prato do dia. O problema é que, a certa altura, os cidadãos começam a vestir o fato do cobrador de promessas e, nessa altura, já não há fuga para a frente. Não só começa a ser necessário repetir os "pratos", como os próprios clientes começam a sentir falta de um menú onde assente a identidade do restaurante. Este é um governo sem coerência e que assenta apenas numa soma de “pratos do dia” que se vão sucedendo uns aos outros sem deixar lastro.
Mas não nos iludamos, a capacidade de todos os dias sacar da cartola uma novidade esconde outra face, perniciosa para o trabalho da oposicação. Toda a discussão política passa a ser centrada nos fait-divers e na própria personalidade do Primeiro-Ministro, com isto solidificando a impossibilidade de se discutir as políticas. Com a banalização da asneira, com os Ministros pouco preparados e com o folclore mediático em torno do dr. Santana, o espaço para a oposição política “pura” fica reduzido a um mínimo. Pouco mais resta do que ir sublinhando as asneiras e os perigos do folclore. O problema é que há um mundo de opções e de caminho político que fica na sombra e cujo escrutínio público corre o risco de passar despercebido.
Por tudo isto, seria um erro que a oposição optasse por competir no mesmo campeonato do dr. Santana. A principal preocupação não pode ser falar igualmente bem, ter o mesmo magnetismo televisivo, debitar sound-bytes à mesma velocidade. Não desprezando estas dimensões, a oposição ao dr. Santana tem de ser, acima de tudo, contrastante. Baseada no rigor, na seriedade e na competência. A este propósito há muito a aprender com o falhanço da oposição a Berlusconi em Itália, nomeadamente com o modo como nas últimas legislativas, com uma alternativa cujo líder foi escolhido, quase apenas, com base na sua telegenia e dotes oratórios se revelou um rotundo falhanço. A responsabilidade da oposição ao dr. Santana é agora, naturalmente e passe o pleonasmo, fazer oposição e preparar-se para governar daqui a dois anos, mas, também, algo não menos fundamental. Ser um referencial de um modo contrastante de fazer e de encarar a política. Garantir a esperança aos portugueses, mas simultaneamente garantir que, depois do dr. Santana, o país voltará a recentrar o regime dentro da normalidade.
publicado na Capital
Uma das características do dr. Santana, da qual aliás resulta grande parte do seu magnetismo mediático, é dar sistematicamente uma ideia de ruptura e de acção. Sempre que fala, sempre que aparece, pouco se apreende do que diz ou da coerência interna do seu discurso, o que fica é apenas uma ideia de movimento. Acontece que o dr. Santana sendo agora movimento feito estadista, é movimento para lado nenhum. A sua inusitada e constante vontade de inventar uma identidade ideológica que manifestamente não tem resulta disso mesmo: da necessidade de dar ao movimento um sentido. Paradoxalmente, sempre que busca esse sentido mais exposta fica ainda a sua ausência. Senão vejamos, para além de se referir ao PSD como PPD/PSD, o único referencial que se conhece ao seu discurso é a evocação sistemática da herança de Sá Carneiro. O facto, aliás a roçar o patético, de na sua primeira actividade oficial como primeiro-ministro ter ido prestar homenagem a Sá Carneiro é disso exemplo paradigmático. Ora, como qualquer análise objectiva da acção e do pensamento de Sá Carneiro facilmente demonstra, entre este e o dr. Santana há apenas um mar de diferenças. Qualquer semelhança e qualquer continuidade política é pura criação póstuma, aliás violentadora da memória de Sá Carneiro.
É precisamente por navegar ao sabor do vento, sem qualquer eixo que dê coerência à sua acção, que o dr. Santana opta sistematicamente pela criação do facto político e pela promoção de fait-divers. Na política, quando nada mais resta, o caminho seguido é normalmente esse. Em todos os momentos, é isso que o dr. Santana faz. Basta recuarmos um pouco até à campanha para a Câmara de Lisboa e pensarmos no que se passou. De piscinas a escolas, de casinos a túneis, tudo foi prometido sem qualquer coerência e sem qualquer sentido que não fosse o de ir alimentando a agenda mediática. Até agora, desde que saltou da Câmara para São Bento, o dr. Santana tem feito apenas uma coisa. Apresenta todos os dias um "prato" diferente, como se o governo do país se tratasse de um restaurante em que aos clientes não é apresentado um menú, mas no qual todos os dias a ausência deste é iludida com a apresentação de um novo prato do dia. O problema é que, a certa altura, os cidadãos começam a vestir o fato do cobrador de promessas e, nessa altura, já não há fuga para a frente. Não só começa a ser necessário repetir os "pratos", como os próprios clientes começam a sentir falta de um menú onde assente a identidade do restaurante. Este é um governo sem coerência e que assenta apenas numa soma de “pratos do dia” que se vão sucedendo uns aos outros sem deixar lastro.
Mas não nos iludamos, a capacidade de todos os dias sacar da cartola uma novidade esconde outra face, perniciosa para o trabalho da oposicação. Toda a discussão política passa a ser centrada nos fait-divers e na própria personalidade do Primeiro-Ministro, com isto solidificando a impossibilidade de se discutir as políticas. Com a banalização da asneira, com os Ministros pouco preparados e com o folclore mediático em torno do dr. Santana, o espaço para a oposição política “pura” fica reduzido a um mínimo. Pouco mais resta do que ir sublinhando as asneiras e os perigos do folclore. O problema é que há um mundo de opções e de caminho político que fica na sombra e cujo escrutínio público corre o risco de passar despercebido.
Por tudo isto, seria um erro que a oposição optasse por competir no mesmo campeonato do dr. Santana. A principal preocupação não pode ser falar igualmente bem, ter o mesmo magnetismo televisivo, debitar sound-bytes à mesma velocidade. Não desprezando estas dimensões, a oposição ao dr. Santana tem de ser, acima de tudo, contrastante. Baseada no rigor, na seriedade e na competência. A este propósito há muito a aprender com o falhanço da oposição a Berlusconi em Itália, nomeadamente com o modo como nas últimas legislativas, com uma alternativa cujo líder foi escolhido, quase apenas, com base na sua telegenia e dotes oratórios se revelou um rotundo falhanço. A responsabilidade da oposição ao dr. Santana é agora, naturalmente e passe o pleonasmo, fazer oposição e preparar-se para governar daqui a dois anos, mas, também, algo não menos fundamental. Ser um referencial de um modo contrastante de fazer e de encarar a política. Garantir a esperança aos portugueses, mas simultaneamente garantir que, depois do dr. Santana, o país voltará a recentrar o regime dentro da normalidade.
publicado na Capital
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